05 novembro 2014
«conversa 2109» - bagaço amarelo
(ao telefone)
Ela - Preciso que venhas a minha casa partilhar uma garrafa de vinho branco. Já!
Eu - Sentes-te só?
Ela - Não. Sinto-me bêbeda e não a quero beber toda.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
04 novembro 2014
«afluentes» - Susana Duarte
os afluentes da noite são ecos soltos sobre mim.
de ti, nada mais resta, senão a imagem que guardei no corpo.
os rios que me navegavam eram, apenas, ecos das águas.
e o meu corpo guardou-te, para te perder depois.
sobram ecos esquálidos das vozes com que me preenchias.
não ficaste e, todavia, esperei por ti. lívida, cadáver vivo
que se desfaz em cada uma das tuas palavras, eco
adiado dos meus anseios. os afluentes da noite são rios
sem voz. perdeste os meus gritos. perdeste a foz.
nada te resta, senão olhar-me de longe. sabes que habito
outro plano, o do dia e da luz com que prossigo, todavia,
sobre as flores submarinas. nada te resta, senão as lágrimas
e o arrependimento. talvez possas ressurgir, noutras vestes,
noutros seixos. mas serás sempre a sombra, a vida incompleta
que se declina nos lugares que já não procuro.
Susana Duarte
Blog Terra de Encanto
de ti, nada mais resta, senão a imagem que guardei no corpo.
os rios que me navegavam eram, apenas, ecos das águas.
e o meu corpo guardou-te, para te perder depois.
sobram ecos esquálidos das vozes com que me preenchias.
não ficaste e, todavia, esperei por ti. lívida, cadáver vivo
que se desfaz em cada uma das tuas palavras, eco
adiado dos meus anseios. os afluentes da noite são rios
sem voz. perdeste os meus gritos. perdeste a foz.
nada te resta, senão olhar-me de longe. sabes que habito
outro plano, o do dia e da luz com que prossigo, todavia,
sobre as flores submarinas. nada te resta, senão as lágrimas
e o arrependimento. talvez possas ressurgir, noutras vestes,
noutros seixos. mas serás sempre a sombra, a vida incompleta
que se declina nos lugares que já não procuro.
Susana Duarte
Blog Terra de Encanto
Luxúria
Estatueta em barro que faz parte da série 7 pecados mortais de Júlia Ramalho, uma artista de Barcelos pela qual tenho um carinho muito especial.
Uma das várias peças da Júlia Ramalho na minha colecção.
Visita a página da colecção no Facebook (e, já agora, também a minha página pessoal)
Uma das várias peças da Júlia Ramalho na minha colecção.
Visita a página da colecção no Facebook (e, já agora, também a minha página pessoal)
03 novembro 2014
«pensamentos catatónicos (314)» - bagaço amarelo
É em nome do futuro que vamos esquecendo o presente. Todos vivemos em função do amanhã, mas quando ele chega transforma-se apenas num novo hoje de esperança. Nunca somos felizes, porque optamos por uma tristeza que nos pode trazer a felicidade num tempo que ainda não chegou. É assim na política, no trabalho, na educação e em tudo o que vamos fazendo. O futuro é a cenoura à frente do burro.
A única excepção é o Amor e, a espaços, uma cerveja com amigos na esplanada de um bar.
O Amor está sempre encostado à parede. Ou nos traz felicidade a cada momento que passa ou então não presta enquanto Amor. Ninguém, como na vida, se entrega a um Amor que não existe com a esperança que venha a existir no futuro.
E eu sempre estive com o José Mário Branco, que na canção histórica "FMI" canta assim: Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
02 novembro 2014
Luís Gaspar lê «A sereia das pernas tortas» de Adília Lopes
Era uma vez uma mulher que tão depressa era feia como era bonita.
Quando era bonita, as pessoas diziam-lhe:
— Eu amo-te.
E iam com ela para a cama e para a mesa.
Quando era feia, as mesmas pessoas diziam-lhe:
— Não gosto de ti.
E atiravam-lhe com caroços de azeitona à cabeça.
A mulher pediu a Deus:
— Faz-me bonita ou feia de uma vez por todas e para sempre.
Então Deus fê-la feia.
A mulher chorou muito porque estava sempre a apanhar com caroços de azeitona e a ouvir coisas feias. Só os animais gostavam sempre dela, tanto quando era bonita como quando era feia como agora que era sempre feia. Mas o amor dos animais não lhe chegava. Por isso deitou-se a um poço. No poço, estava um peixe que comeu a mulher de um trago só, sem a mastigar.
Logo a seguir, passou pelo poço o criado do rei, que pescou o peixe.
Na cozinha do palácio, as criadas, a arranjarem o peixe, descobriram a mulher dentro do peixe. Como o peixe comeu a mulher mal a mulher se matou e o criado pescou o peixe mal o peixe comeu a mulher e as criadas abriram o peixe mal o peixe foi pescado pelo criado, a mulher não morreu e o peixe morreu.
As criadas e o rei eram muito bonitos. E a mulher ali era tão feia que não era feia. Por isso, quando as criadas foram chamar o rei e o rei entrou na cozinha e viu a mulher, o rei apaixonou-se pela mulher.
— Será uma sereia? — perguntaram em coro as criadas ao rei.
— Não, não é uma sereia porque tem duas pernas, muito tortas, uma mais curta do que a outra — respondeu o rei às criadas.
E o rei convidou a mulher para jantar.
Ao jantar, o rei e a mulher comeram o peixe. O rei disse à mulher quando as criadas se foram embora:
— Eu amo-te.
Quando o rei disse isto, sorriu à mulher e atirou-lhe com uma azeitona inteira à cabeça. A mulher apanhou a azeitona e comeu-a. Mas, antes de comer a azeitona, a mulher disse ao rei:
— Eu amo-te.
Depois comeu a azeitona. E casaram-se logo a seguir no tapete de Arraiolos da casa de jantar.
Adília Lopes
Adília Lopes, pseudónimo literário de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, (Lisboa, 20 de Abril de 1960) é uma poetisa, cronista e tradutora portuguesa. Filha de uma bióloga assistente de Botânica na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e de um professor do ensino secundário, Adília Lopes cursou Física na Universidade de Lisboa, licenciatura que abandonou, quase completa, devido a uma psicose esquizo-afectiva, doença da qual sempre falou abertamente, fosse na sua poesia, crónicas, conferências ou entrevistas a meios de comunicação social.
Quando era bonita, as pessoas diziam-lhe:
— Eu amo-te.
E iam com ela para a cama e para a mesa.
Quando era feia, as mesmas pessoas diziam-lhe:
— Não gosto de ti.
E atiravam-lhe com caroços de azeitona à cabeça.
A mulher pediu a Deus:
— Faz-me bonita ou feia de uma vez por todas e para sempre.
Então Deus fê-la feia.
A mulher chorou muito porque estava sempre a apanhar com caroços de azeitona e a ouvir coisas feias. Só os animais gostavam sempre dela, tanto quando era bonita como quando era feia como agora que era sempre feia. Mas o amor dos animais não lhe chegava. Por isso deitou-se a um poço. No poço, estava um peixe que comeu a mulher de um trago só, sem a mastigar.
Logo a seguir, passou pelo poço o criado do rei, que pescou o peixe.
Na cozinha do palácio, as criadas, a arranjarem o peixe, descobriram a mulher dentro do peixe. Como o peixe comeu a mulher mal a mulher se matou e o criado pescou o peixe mal o peixe comeu a mulher e as criadas abriram o peixe mal o peixe foi pescado pelo criado, a mulher não morreu e o peixe morreu.
As criadas e o rei eram muito bonitos. E a mulher ali era tão feia que não era feia. Por isso, quando as criadas foram chamar o rei e o rei entrou na cozinha e viu a mulher, o rei apaixonou-se pela mulher.
— Será uma sereia? — perguntaram em coro as criadas ao rei.
— Não, não é uma sereia porque tem duas pernas, muito tortas, uma mais curta do que a outra — respondeu o rei às criadas.
E o rei convidou a mulher para jantar.
Ao jantar, o rei e a mulher comeram o peixe. O rei disse à mulher quando as criadas se foram embora:
— Eu amo-te.
Quando o rei disse isto, sorriu à mulher e atirou-lhe com uma azeitona inteira à cabeça. A mulher apanhou a azeitona e comeu-a. Mas, antes de comer a azeitona, a mulher disse ao rei:
— Eu amo-te.
Depois comeu a azeitona. E casaram-se logo a seguir no tapete de Arraiolos da casa de jantar.
Adília Lopes
Adília Lopes, pseudónimo literário de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, (Lisboa, 20 de Abril de 1960) é uma poetisa, cronista e tradutora portuguesa. Filha de uma bióloga assistente de Botânica na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e de um professor do ensino secundário, Adília Lopes cursou Física na Universidade de Lisboa, licenciatura que abandonou, quase completa, devido a uma psicose esquizo-afectiva, doença da qual sempre falou abertamente, fosse na sua poesia, crónicas, conferências ou entrevistas a meios de comunicação social.
Ouçam este texto na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa
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