17 agosto 2016

«tolices» - bagaço amarelo

Está ali um rapaz a brincar sozinho. Deve ter uns seis ou sete anos de idade e só ele entende o que está a fazer. Tem um pau partido numa mão e uma pedra suja na outra, com que vai fazendo fricção como se fosse possível fazer fogo assim. Ri-se. É tolo. O avô, que o olha a cerca de dez metros de distância, sentado num banco do jardim, também o acha tolo. Também se ri, embora menos.
O meu avô também me vigiava assim, a alguns metros de distância e sentado num banco de jardim enquanto eu brincava de forma tola. Não me lembro de o ouvir a chamar-me tolo ou a censurar de alguma forma as minhas brincadeiras, a não ser uma vez quando decidi trepar um dos pilares do coreto do parque. Tarde demais. Rasguei as calças e abri um ferida enorme no joelho. Chorei baba e ranho. Ele comprou-me rebuçados para acalmar a minha dor.
Tenho saudades dos passeios que dava com o meu avô no jardim em Aveiro e o facto de estar num jardim em Sófia não atenua essa saudade. Pelo contrário, aumenta-a. E, no entanto, os nossos passeios eram só isso. Eu a fazer tolices e ele a guardar-me como um pastor guarda o gado, para que ninguém o roube nem lhe faça mal.
As crianças são tolas e deve ser disso que eu mais tenho saudades. De ser uma criança tola. A maior tolice das crianças é acreditarem que o mundo vai ser sempre assim, com elas a brincarem num parque com um avô a vigiar, como se uma pessoa com noventa anos de idade pudesse ficar ali mais cem anos a olhar para elas.
É uma tolice inteligente, esta das crianças. Nunca mais somos tolos assim durante a vida. A não ser, talvez, no Amor. Quando nos apaixonamos também acreditamos que vai ser sempre assim, connosco a fazer tolices enquanto nos vigiamos mutuamente. Como se um Amor com dez anos pudesse ficar ali mais cem.
Não pode, mas por um Amor vale sempre a pena voltar a ser criança. E então ouço o rapaz a chorar e o avô a dizer-lhe qualquer coisa. Deve ter caído e aleijou-se. Espero que aquele velho com um ar gentil, que agora o ajuda a levantar-se, lhe compre um doce qualquer para lhe acalmar a dor. Afinal de contas, o miúdo não pode fazer ideia onde é que vai estar daqui a quarenta anos, quando tiver saudades deste momento.
Não faço a mínima ideia quando é que o Amor me passou a perna, mas sei que foi sempre uma mulher que me ajudou a levantar, a oferecer-me um doce e a fazer-me acreditar que o Amor e a vida são tão imutáveis quanto a nossa infância. É uma tolice, mas é uma tolice inteligente. Deixá-lo.
O avô e a criança desaparecem numa curva do jardim. Alivia-me o facto de perceber que o choro do menor já passou. Faltam cerca de vinte minutos para me encontrar com uma mulher que conheci ontem num bar. Tinha um copo de gin numa mão e uma garrafa de água tónica na outra. Só as mulheres é que bebem coisas assim, tão complexas que precisam de duas mãos. Foi o que eu lhe disse enquanto pedia uma cerveja junto a ela, num balcão deserto. Estava sozinha, ficámos a falar toda a noite. Perguntou-me do que é que eu tinha mais saudades em Portugal e eu respondi-lhe que era dos passeios no jardim com o meu avô. Convidou-me para vir aqui hoje, a um sítio parecido onde se passam coisas também parecidas. E eu vim. Estou à espera dela. É uma tolice, mas é uma tolice inteligente.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Sabores

Imagem da Pink sem permissão para qualquer tipo de partilha
Hoje o teu beijo vai saber a ti.
Hoje a tua língua vai ser caxemira.
Hoje o nosso suor vai ser canela.
Os nossos beijos vão ser brisas quentes, o roçar dos nossos corpos, cheiro a terra molhada.
O som do nosso amor será um arfar que lembra magnólia. Os teus ombros vão saber a papaya doce e no fim, o nosso sabor, o nosso cheiro, valerá tudo...

Do meu mundo

Vícios da adolescência


16 agosto 2016

Cross - «Death Rattle»


Cross - Death Rattle from Cross on Vimeo.

Parece fácil... e devia sê-lo!

Não sendo um alcoólico de facto, tenho um percurso nessa matéria que garante ser sempre possível entender a expressão "não quero".

Da mesma forma, mesmo com os copos, não acredito na viabilidade de ter sexo com alguém sem estar em condições de o dizer.


Sharkinho
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«Projeto Mulheres» - Carol Rossetti - 51

O livro «Mulheres - retratos de respeito, amor-próprio, direitos e dignidade», de Carol Rossetti, está em venda em Portugal, editado pela Saída de Emergência.







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Namorado à espreita

Homem a espreitar pela janela (na tampa) a namorada a sair da banheira (no fundo da caixa). Caixa em porcelana Rosenthal da série "amorosos" de Peynet, dos anos 60.
Peça de Raymond Peynet, ilustrador e designer francês, nasceu em Paris em 1908. Tornou-se, literalmente, um nome familiar nos anos 1950 e 60, quando o seu par de namorados da série «Lovers», teve proeminência internacional e, particularmente, na França. Apareceram em gravuras, postais, cerâmica, bandejas, porta-chaves,... e muitos outros suportes. Peynet trabalhou para a Rosenthal entre 1955 e 1965 e as suas peças estão entre as mais coleccionáveis.
Uma delícia de peça com segredo, na minha colecção.










A colecção de arte erótica «a funda São» tem:
> 1.900 livros das temáticas do erotismo e da sexualidade, desde o ano de 1664 até aos nossos dias;
> 4.000 objectos diversos (quadros a óleo e acrílico, desenhos originais, gravuras, jogos, mecanismos e segredos, brinquedos, publicidade, artesanato, peças de design, selos, moedas, postais, calendários, antiguidades, estatuetas em diversos materiais e de diversas proveniências, etc.);
> muitas ideias para actividades complementares, loja e merchandising...

... procura parceiro [M/F]

Quem quiser investir neste projecto, pode contactar-me.

Visita a página da colecção no Facebook (e, já agora, também a minha página pessoal)

15 agosto 2016

Science World - «pPhone»


pPhone Science World from chris Moore on Vimeo.

Postalinho da Peroguarda, Ferreira do Alentejo

"Quando encontrar a Rua dos Pitos, não ta mando. Fico com ela só p'ra mim."
Marco António


Eva portuguesa - «Metades»

Não sou mulher de metades. De talvez. De um pouco. Nem aqui nem na minha"outra" vida. Não sou mulher de talvez, tanto faz ou vamos ver. Sou uma Mulher com M maiúsculo. Completa. Decidida. Resolvida. Firme nas suas crenças e convicções. Sou mulher de tudo ou nada. De sim ou não. De agora ou nunca. 
Nunca me prometa o que não pode me dar. Não me chame de Cinderela e não me tente tratar como a gata borralheira. Não me queira pôr um diamante no dedo numa viagem romântica à torre Eiffel e me engane despudoradamente com um anel de vidro e uma ida a Tróia. Porque mais tarde já vai ser possível... porque depois... 
Olhe bem para mim. Eu sou mulher de mais tarde? De depois? Meu amor, não me dê migalhas; eu não sou pombo. Dê-me tudo ou não me dê nada. Seja tudo ou não seja nada. Para mim, pelo menos. Eu não vivo uma meia vida. Não pago meia renda nem metade das contas. Eu não tenho meio filho. Eu não amo meia pessoa. Eu sou inteira. Vivo a vida de forma intensa e completa. Não me dê metades. Não seja metade. Eu quero tudo. E só vou parar quando o tiver.

Eva
blog Eva portuguesa - porque o prazer não é pecado

φ = espiral de ouro

Proporção áurea, número de ouro, secção áurea, é uma constante real algébrica irracional denotada pela letra grega φ (phi), em homenagem ao escultor Fídias, que a teria utilizado para conceber o Parténon. Também é chamada de divina proporção ou áurea excelência. Desde a Antiguidade, a proporção áurea é usada na arte.



14 agosto 2016

Luís Gaspar lê «Poderei desnudar…» de Casimiro de Brito

Poderei desnudar um pouco mais
o teu corpo nu? Poderei descalçar o teu pé
que pousa descalço?
Dizer-te outras mil vezes esta canção furtiva
que nunca mais acaba? Poderei dançar cantar
no chão onde me decantei noites inteiras? Amar-te
se não sei amar apenas derramar
as últimas sementes desta pedra
que tanto voou? Poderei escrever de novo
na tua pele, e apagar com lágrimas
o texto que vem de longe? Beber
na boca da tua boca
a dor que me trazes, a alegria
que não cessa de doer? Inscrever
o teu sangue nas nuvens que passam
dentro de mim? Ler reler
o arco-íris nos teus olhos,
o líquido sabor de argila
entre as tuas pernas? Poderei
oscilar entre a luz e a sombra
se mais não sou do que uma haste cega
dentro de ti? Poderei curvar-me
ainda mais
se abraço o chão e bebo na fonte? Escavar
o já escavado? Recolher a cinza
do coração enamorado? Elevar-me
se já toquei no céu?

Casimiro de Brito
Casimiro Cavaco Correia de Brito (Loulé - Algarve, 14 de Fevereiro de 1938) é um poeta, ensaísta e ficcionista português.
Ouçam este texto na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa

«vinte e quatro» - bagaço amarelo

Primeiro há uma casa. É aquela onde eu vivo e é velha. Tão velha que até o relógio do corredor se cansou de contar o tempo que passa. Talvez, simplesmente, se tenha fartado dos dias sempre iguais, com o pó a acumular-se nas mobílias como neve em câmara lenta. Durante anos, as únicas visitas que a casa teve foram as sombras das árvores encostadas à janela da cozinha. Vinham esconder-se do Sol e ao fim da tarde tornavam a sair. Ainda o fazem hoje em dia, aliás, e não querem saber se agora eu vivo lá. Ignoram-me da mesma forma que a cidade o faz.
É um rés do chão no bairro de Darvenitsa, no bloco treze, um quase cadáver de cimento e betão igual a muitos outros espalhados pelos subúrbios de Sófia. Parecem animais gigantescos que se cansaram de migrar e pararam de repente, como se quisessem desistir de viver e esperassem agora calmamente a morte.
A palavra conforto desapareceu do meu dia-a-dia. Não tenho um sofá, uma cadeira decente ou uma cama. Às vezes recordo-me do meu pequeno apartamento em Aveiro e pergunto-me o que estou aqui a fazer. Costumo abrir uma lata de cerveja ou encher um copo de vinho para encontrar a resposta. Escavo a minha vida da mesma forma que um cão esfomeado esgravata o chão e não encontro. Limito-me a beber, então.
Não encontro, mas sei que ela existe. Aliás, existem várias. Uma delas é que nesta casa de que falo nunca Amei ninguém. É velha, mas também é leve. Não me recorda constantemente da lição que o Amor me deu, que foi aprender a desconfiar dele mesmo. Acho até que, numa certa altura da vida, todos aprendemos essa mesma lição e que ela muda qualquer coisa em nós. Muda tanto quanto o momento em que decidimos pegar numa pequena parte da nossa vida e mudar de sítio. Pelo menos.
É com essa leveza que vou vivendo e sinto-me bem. Normalmente, quando a vida mo permite, saio de casa, caminho sete minutos até à estação de Musagenitsa e apanho o metro até uma das cinco estações mais centrais. Tenho sempre três opções: ficar sozinho, beber um copo com um dos cinco ou seis amigos que já fiz na cidade, telefonar a uma mulher de quem decidi gostar.
Há uns dias escolhi a estação de Opalchenska e ficar sozinho. As luzes dos candeeiros públicos encolhiam perante a imensidão da noite e cintilavam de frio. Junto a um pronto-a-vestir barato, duas prostitutas estavam tão quietas quanto os manequins sem rosto da montra. Uma delas deu quatro ou cinco passos na minha direcção e perguntou-me o que eu não precisei perceber para entender. Falava espanhol com sotaque sul americano e convidei-a para uma cerveja numa vinte e quatro. Não para uma cama nem para um canto escuro da cidade.
Uma vinte e quatro é uma loja que vende álcool vinte e quatro horas por dia. Não é propriamente um bar porque não se pode ficar lá dentro muito tempo (algumas nem permitem a entrada), por isso bebe-se na rua ou num dos muitos jardins que também existem.
A noite estava parada e ela disse-me para subir ao apartamento dela. Num saco de plástico muito usado levava seis cervejas de meio litro. Ela colocou quatro num pequeno frigorífico e abrimos as outras duas. Eu tirei o meu casaco e pousei-o num sofá amarelo e gasto, ela foi buscar uma camisola e vestiu-a. Perguntou-me se podia fumar. Claro que sim.
Falámos da vida. De onde somos e como fomos ali parar os dois naquele momento exacto, a uma pequena e insignificante esquina da capital da Bulgária. Como nos sentimos e o que queremos ou não da vida. Falámos de coisas de que não me lembro, apenas por falar. Depois ela parou por um momento, fitou-me nos olhos como se procurasse qualquer coisa que não tinha ainda conseguido encontrar. Apagou o cigarro numa lata de atum transformada em cinzeiro e levantou-se.

- Estou cansada. Vais-te embora ou queres dormir aqui?

Quando abri os olhos de manhã, as sombras das árvores lá fora tinham entrado em casa dela para se esconderem do Sol. Com os meus olhos ainda em esforço, procurei um relógio qualquer para saber que horas eram. Havia um de plástico numa das paredes, mas estava parado.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»