Adeus, posters de charme. Imagens de mulheres nuas estão a desaparecer de garagens, quartéis e cabinas de camiões. Porquê? Num livro chamado “La pin-up à l'atelier” ("A Pin-Up na Oficina"), a antropóloga Anne Monjaret investiga um mundo (em breve) perdido.
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Calendários de oficina - imagem censurada para o Facebook
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Em 2017, durante uma visita ao museu da fábrica Peugeot (em Sochaux), Anne Monjaret percebe que algo está a faltar na reconstrução de uma oficina de garagem: calendários sexy. Eles foram removidos pela gerência do museu? Considerado ofensivo demais para o público em geral? Ela nunca o saberá. O episódio, no entanto, faz com que ela queira dedicar um livro, engraçado e nostálgico, ilustrado com fotos que ela tirou desde o final da década de 1990 nos lugares – geralmente do sexo masculino – onde ela investiga: salas de guarda de hospitais, gabinetes técnicos, vestiários dos trabalhadores, etc. Desta "prática de afixação no local de trabalho, que agora é controversa por não ser respeitosa para com as mulheres", é objecto de uma investigação extraordinariamente detalhada de Anne Monjaret («La pin-up à l’atelier. Ethnographie d’un rapport de genre»), que analisa as pin-ups no contexto em que aparecem.
Os verdadeiros, os duros, os hétero-rígidos
É comum ver, nessas imagens de mulheres "presas por um pionés" (pin-up), algo de grosseiro ou, ainda pior, uma forma de sexismo. Deste imaginário popular e muitas vezes desprezado, a antropóloga fornece, é claro, uma análise crítica. Não é por acaso, diz ela, que esses posters ou bilhetes postais são colocados em lugares frequentados por homens: ajudam a uni-los e tornam "visíveis os valores comuns ao grupo ao qual pertencem". Para os trabalhadores, trata-se de mostrar a sua adesão aos valores machos-viris. Sejam trabalhadores, artesãos, camionistas ou militares, aqueles que "decoram" o seu espaço de trabalho com um modelo sexy fazem-no para cumprirem as regras que estruturam o grupo. A pin-up permite cair nas boas graças. Por outras palavras, para demonstrarem que eles são heterossexuais.
Pin-ups como ferramentas de construção de identidade
"Trata-se de rodear-se de 'mulheres para se apreciar entre homens", diz Anne Monjaret (citando o título de um livro famoso sobre a cultura dos machos alfa). Fotos recortadas de garotas de biquíni agem como sinais de pertença. "Eu sou um de vocês" e cuidado com o ofensor que exiba uma pin-up dominadora (toda vestida em couro) ou uma foto que revele gostos considerados desviantes. “O apego a essas imagens femininas é semelhante a uma prática ritualizada de iniciação”, acrescenta a pesquisadora, porque elas marcam, para os iniciados, “a entrada no trabalho e a entrada numa faixa etária que anuncia uma maturidade sexual ". Um pouco como na “casa dos homens”, esses espaços – reservados aos homens – aonde os meninos são educados até à idade adulta pelos mais velhos, os locais de trabalho decorados com pin-ups funcionam como matrizes.
"Eles têm que provar que têm tomates"
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Calendários de oficina
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Originalmente, em 1982, a expressão "casa dos homens" foi usada por Maurice Godelier para designar os edifícios nos quais os Baruya (em Papua) iniciam os rapazes que eles põem num local fechado, protegido de qualquer contacto feminino, a fim de transformá-los em verdadeiros machos. Nos anos 90, o sociólogo Daniel Welzer-Lang usou a expressão – que ele transformou discretamente em "casa-dos-homens" – e aplicou-a a todos os lugares onde os homens se encontram (quartéis, tascas, internatos, clubes de cavalheiros) para medir a sua virilidade e, de passagem, incutir nos jovens o seu sentido de valores. "Eles têm que provar que têm tomates", diz Welzer-Lang, "isto é, serem constantemente diferentes e superiores às mulheres". Aqueles que choram, que se mostram fracos ou que recusam lutas masculinas são chamados de gajas ("gonzesses").
Quando a suspeita de feminilidade pesa sobre um homem...
Em espaços fortemente marcados pela divisão das tarefas com base no género, os homens constroem a sua identidade em torno dessa obsessão: acima de tudo, não passar por mulherzinha – maricas. Um homem real é activo, ou seja, não é penetrado. Ele domina. Ele é o mais forte. Para afirmar a sua masculinidade, os membros de corporações masculinas usam pin-ups com o objectivo de se realçarem por contraste. Em contraste com eles (eles, os "gajos"), as mulheres são retratadas como bonecas insufláveis. "O seu corpo, muitas vezes nu, é medido, julgado", anotado, comentado, às vezes cortado de maneira obscena. Para os homens que preenchem as paredes com essas fotos, trata-se de se proteger, cercando-se de imagens que reduzem as mulheres ao estatuto desprezível de serem passivas, oferecidas e disponíveis.
O paradoxo das pin-ups
O paradoxo dessas imagens sedutoras é que elas fornecem aos homens o material para humilhar as mulheres com o único objectivo de remover deles próprios o perigo supremo, o de serem confundidos com uma mulher. Como estátuas de demónios – que adornam catedrais para afastar o mal – as pin-ups servem como imagens protectoras, talismãs mágicos projectados para afastar a ameaça à masculinidade. O que Anne Monjaret revela, durante a sua demonstração, é, portanto, toda a ambiguidade desses arquétipos, que tanto são prostitutas (desprezadas) como santas (veneradas). Por um lado, imagens sexy são usadas para desqualificar as mulheres. Por outro lado, têm o valor de um anjo da guarda e os seus corpos oferecem- se como muralhas para preservar os machos...
Os seios grandes que "agem como uma barreira"
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A imagem original, de um noticiário da SIC
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As pin-ups desempenham o mesmo papel que os ícones, insiste Anne Monjaret, que faz a ligação com essas raparigas bonitas que os pilotos de avião pintaram durante a Segunda Guerra Mundial nos narizes das suas aeronaves. Elas protegem os aviões. Alguns séculos antes, na forma de figuras de proa, elas protegiam os navios erguendo os seus seios nus como sereias a enfrentar o oceano. A comparação é ousada? Nem tanto. Anne Monjaret observa que as pin-ups nas oficinas mecânicas costumam ser colocadas de tal maneira que os "turistas" se sentem um pouco desconfortáveis quando entram no "território" delimitado pelos pares de nádegas ou seios. "Repulsiva, essa exibição de mulheres nuas cria fronteiras", explica a pesquisadora, que menciona repetidamente o facto de os trabalhadores terem prazer em decorar o seu espaço para dissuadir "estranhos" (superior hierárquico, visitante indesejável) de aí entrar.
Imagens encantadoras: imagens piedosas?
Essas figuras protectoras actuam como imagens sagradas. Anne Monjaret diz que alguns homens confiam nelas como estátuas da igreja e tratam-nas com respeito, para que sirvam como amuletos de boa sorte. "Na carpintaria de um museu, os trabalhadores costumavam, em dias frios, vestir a "Sylvie", a sua companheira de brincadeiras que foi entronizada numa das paredes, com sutiã e cuequinha, feitos sob medida e usando papel recortado. "É para ela não nos trazer azar", disse-me um deles. " Outro detalhe revelador: a maioria das pin-ups estão amarelecidas, engelhadas. Mesmo sendo velhas, os homens mantêm-nas com carinho, porque foram importantes nas suas vidas.
O fim de um mundo
Devemo-nos arrepender? As pin-ups estão a desaparecer. Com elas, toda uma categoria de homens – trabalhadores manuais, operários, mecânicos,… – está a cair no esquecimento. "A oficina foi um dos últimos bastiões de uma identidade operária mas, na passagem para os anos 2000, foi mais do que marcado e desestabilizado pelos muitos factores de mudança. Eu até me pergunto se esses trabalhadores, alguns dos quais são funcionários públicos, não pertencem já à história, a um passado desaparecido, explica Anne Monjaret. Em todos os sectores, as necessidades foram renovadas e, com elas, as condições de trabalho. O desenvolvimento da subcontratação, a promoção da versatilidade, a mobilidade do pessoal e a chegada das mulheres tiveram repercussões nas organizações internas".
"O homem também se torna um homem-objecto"
Os próprios trabalhadores já não aderem ao modelo social que essas imagens incorporam: muitos deles consideram-nas inadequadas. "O que é rejeitado aqui é a cultura dos pais. A construção de um espaço viril e ainda mais de um espírito de corpo, ao que parece, já não tem razão de ser". Espontaneamente, alguns trabalhadores removem as pin-ups quando a oficina é aberta a mulheres, trabalhadoras ou estagiárias. Estas, por seu lado, afixam nas paredes pin-ups, mas machos. "Ao semearem a confusão nos códigos eróticos estabelecidos nos almanaques", os deuses do estádio modificam os códigos de virilidade. As mulheres também podem "consumir" homens oferecidos, despidos, para apreciar como carne fresca. Devemos ficar melindrados?
Calendários de mulheres idosas e disputa de pontos de referência
Há muito tempo que os calendários e bilhetes postais com nus femininos são criticados como símbolos de uma ordem não igualitária. Agora que a relação se inverte, ou melhor, equaliza, e que os homens, por sua vez, se despem, devemos continuar a erguer a nossa voz de protesto por essas imagens? Anne Monjaret cita o caso dessas mulheres que espontaneamente criam os seus próprios almanaques de nus para fins de caridade ou para defender uma outra imagem da mulher. "As e os jovens pin-ups já não têm exclusividade", disse ela, mencionando inclusivamente o caso de um calendário de operários a posarem nus (na fábrica de Chaffoteaux-et-Maury, na Bretanha, em 2009), para lutarem contra despedimentos. Tratar-se-á de um epifenómeno ou um sinal dos tempos?
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Bibliografia: «La pin-up à l’atelier. Ethnographie d’un rapport de genre» [A pin-up na oficina. Etnografia de um relatório de género] de Anne Monjaret, edições Créaphis, Março 2020.