A manhã rompeu quente em Malpique, apesar da brisa que soprava da serra. Fiz-me à estrada espreitando casas de blocos de granito que atestam a intemporalidade cultural do povo da região. Aqui e ali brotava dos quintais um bom dia que me constrangia a “cinchada” e me fez enveredar por carreiros e serventias de pequenas hortas que os naturais teimam em manter verdes neste junho escaldante.
Quando a brisa da montanha deixou de impedir que o sol me torrasse, regressei à confortável frescura das paredes graníticas da casa do meu amigo Jorge H Santos. Porém acabei por não entrar, por ser impossível recusar um café na padaria, aonde se dirigia para comprar pão fresco para o pequeno almoço. Na padaria, enquanto o Jorge pedia o café e guardava o pão, deparei-me com este cartaz: À espreita… da coleção de arte erótica “a funda São” – Exposição temporária de uma amostra da coleção do Cariense Paulo Moura – Sala de Exposições da Trincheira – Caria. Talvez na sua qualidade de divulgador do que de Bom se faz e se fez na Cova da Beira, o diretor do Correio de Caria levou-me a espreitar a Exposição.
No centro dos vidros foscos havia representações de fechaduras sem chave. Por elas o visitante conhecia o mundo do “voyeurismo”, sem bolinha vermelha no canto superior da janela.
Dentro da galeria mergulhava-se na cultura dos povos ao longo dos tempos através de objetos associados à magia da fertilidade, de amuletos protetores de mães e crianças, de gravuras de mitos e mitologias da reprodução humana, de fotografias de monumentos megalíticos, evocando divindades associadas à fertilidade e de muitos outros documentos que demonstram a necessidade natural do “macho” humano exercer domínio sobre a “fêmea” e esta de proteger as crias.
A predominância de representações do pénis atesta como os falos eram sagrados e venerados como objeto de culto desde os tempos mais remotos. Eram símbolos da força mística que fecundava e protegia a fecundação das forças malignas. A existência de representações megalíticas do pénis, demonstra como esse culto se perde na noite dos tempos e a atual exposição “Espreita” demonstra como foi transversal a continentes e culturas.
Na Grécia o pénis ereto simbolizava a masculinidade, aparecendo representado em edifícios públicos, templos e teatros. A imagem do deus Priapo e o altar fálico da ilha de Delfos são apenas alguns exemplos. Encontra-se, igualmente, representado em casas particulares e prostíbulos. Os Romanos utilizavam falos-amuletos suspensos no pescoço ou nos ombros para impedir olhares invejosos. Muitas vezes o deus Mercúrio era exibido com um falo desproporcionado.
No século IV, com Santo Agostinho, a Igreja proibiu a representação do pénis, considerando a sua exposição como falta de pudor e tornou o culto do falo um pecado. Adão e Eva, segundo a teoria da criação, cobriram a região púbica por sentirem vergonha da nudez.
O Renascimento recuperou a representação do falo através da pintura e da escultura. Pintores e escultores assumiram o nu e a exposição do pénis como símbolos da masculinidade. Porém, por questões de pudor, os clérigos mandavam tapar a representação do pénis, à revelia dos autores.
No século XVIII, a representação do pénis surge associado a uma masculinidade dominadora. No decurso do século XX o nu é assumido sem pudor, nomeadamente o masculino, nas novas formas de expressão artística, como a fotografia, o cinema ou a banda desenhada. Contudo a representação é feita de forma despudorada, por vezes, agressiva, chocante, erótica e, até mesmo pornográfica.
Esta exposição põe claro que não só o pénis foi e continua a ser representado de acordo com os conceitos educacionais e culturais do artista, mas também que essa representação continua a simbolizar a virilidade e o domínio da masculinidade.
Obrigado Jorge Henrique Santos por, através do
Correio de Caria, proporcionar uma espreitadela ao que de bom se faz na Cova da Beira. Bem haja.
Amílcar Frazão Couvaneiro
Setúbal