21 maio 2017

«Yanka» - bagaço amarelo

A Yanka contou-me a vida dela enquanto bebia Guiness num bar irlandês em Sófia. Ë um dos bares mais conhecidos, mesmo no centro, mas ainda assim não sei o nome. Sei que, enquanto me contava tudo, eu ia bebendo cerveja em goles cada vez menos espaçados. Guiness também.
Mantive-me sempre em silêncio total. Não perguntei nada, não tossi e nem sequer a respirar fiz qualquer tipo de ruído. Fiquei a ver os riscos da espuma que iam ficando agarrados aos copos das minhas cervejas formando círculos que se assemelhavam a lama derretida. Ela não se chegou a aperceber disso, mas alguns desses riscos marcavam a mudança de episódios da sua vida.
Por algum motivo que não consigo explicar, desde o princípio que eu soube que toda a vida dela naquela noite equivaleria a quatro pints de cerveja negra e que a sua última frase coincidiria com o meu último gole. A voz dela desenhava-se no ar mesmo à minha frente, soltando um suave aroma de perfume de rosas em cada palavra, não porque ela cheirasse propriamente bem, mas sim porque eu estava apaixonado pela primeira vez desde a minha chegada à Bulgária. Estar com a Yanka em silêncio o dia todo tinha sido bom, mas ouvi-la era ainda melhor. A voz dela é o ponto-rebuçado da sua presença.
Nunca me sinto apaixonado quando não estou perto dela. Não sinto saudades nem vontade de lhe telefonar. Não a ressaco de forma nenhuma, mas assim que a tenho perto de mim não consigo afastar-me. A sua presença tem um enorme poder sedutor, muito provavelmente concentrado nos seus olhos. São pretos e são grandes. Aventurar-me neles dá-me medo. Posso perder-me para sempre. Daí preferir concentrar-me nos riscos de cerveja que decoravam os copos.
Há mulheres pelas quais um homem se apaixona uma vez e já está. Mesmo a distância nunca atenua essa paixão. No caso da Yanka, apaixono-me de novo cada vez que a vejo como se fosse sempre a primeira. Basta ela, por exemplo, ausentar-se de mim enquanto tomamos um café para ir falar ao telemóvel com alguma privacidade que, assim que regressa, tudo começa de novo. Apaixono-me.
Nessa noite ela nunca se ausentou, ou seja, quando a história da vida dela terminou a minha paixão por ela já ia em quarenta e seis minutos. Quase uma hora, portanto. Uma eternidade para uma paixão tão forte. Os nossos olhares encontraram-se mais ou menos a meio de nós e ela disse que quando voltou de Portugal o automóvel preto estava estacionado no mesmo sítio de sempre. Dei o último gole na minha quarta cerveja e ela sorriu.
Apeteceu-me beijá-la, mas não o fiz. Às vezes os beijos são apenas uma bomba. Explodem bem no centro de um Amor enorme e destroem-no para sempre. Acabam com tudo. Acho que ela percebeu a minha vontade e a minha hesitação. Sorriu, não sei se com alívio ou desilusão, mas sei que ela foi sincera quando me pediu desculpa por ter estado tanto tempo a falar dela mesma.
- Gostei muito de te ouvir! – respondi.
Era verdade, mas também era verdade que a história do automóvel preto tinha-me interessado ainda mais do que tudo o resto.
A Yanka foi a primeira amiga que fiz na Bulgária por uma razão muito simples: fala português perfeitamente. Quando eu, como um náufrago perdido num imenso mar de solidão, abri um perfil num site de engate na internet, ela foi a primeira a responder-me. Foi também a única, mas valeu a pena. Entretanto já me apaixonei por ela tantas vezes quantas as que estivemos juntos.
Encontrámo-nos no Borisova Gradina, um dos maiores jardins da cidade, num dia de Primavera. Reparei que ela tinha uma face bonita e que todos os sorrisos lhe morriam à nascença. Olhos pretos, capazes de entrar dentro dos meus e de me revistar como faz um polícia a um prisioneiro algemado. Veio até mim.
- Olá! És o português, não és?
E eu imediatamente a tentar libertar-me sem o conseguir.
- Sim...
Acabámos sentados num dos bancos verdes de madeira que pontilham o parque, a comer milho cozido comprado na entrada que dá para o edifício principal da Universidade de Sófia. A maior parte das pessoas passava à nossa frente sem sequer reparar na nossa presença, mas a certa altura pareceu-me que as árvores segredavam algo sobre o nosso encontro. Olhei para cima e vi que algumas folhas abanavam no que me parecia ser um movimento controlado e consciente. Tentei apurar os sentidos, mas ela interrompeu-me.
- É o vento... – disse.
No bar irlandês não havia vento, mas ainda assim eu olhava para as marcas de cerveja como se elas contivessem um segredo qualquer sobre nós, nem que fosse o pequeno pormenor de saberem que eu me apaixono por ela sempre que a vejo e que só por isso conseguia ouvir toda a sua história sem pestanejar.
Fiquei a saber que, depois da queda do regime comunista, a Bulgária passou alguns anos muito difíceis, principalmente já a meio da década de noventa. A inflação galopante percorreu o país e a fome entrou sem avisar nos lares búlgaros. Nessa altura Yanka era estudante universitária e tinha perdido o seu primeiro grande Amor logo a seguir à queda do muro de Berlim, na primeira vaga de emigração que o país sofreu e que acabou por atingir quatro milhões de pessoas. Lembra-se, por exemplo, de juntar todo o dinheiro como alguns dos seus colegas de quarto para poder comprar um pão negro que dividiam entre si. Às vezes era o único alimento que tinham durante vários dias.
Ainda assim, Yanka tinha casa. O direito à habitação do regime comunista transformara-se automaticamente em títulos de propriedade para os moradores. Apesar da fome, quase ninguém dormia ao relento e ela contou-me que se deitou muitas vezes no conforto da sua cama, sem comer, à espera que a fome adormecesse com ela. Chegou a sonhar que a sua casa era um enorme estômago esfomeado e ela um pequeno pedaço de pão à deriva lá dentro.
Foi num desses momentos que o som seco de três pancadas a acordou e a trouxe de volta ao mundo real. Alguém forçara a porta da entrada e invadira o seu apartamento. Ouvia os passos dos invasores, que seriam dois ou três, e gastou os últimos recursos energéticos para se manter alerta. Agarrou-se às barras metálicas da cama com a força com que um petroleiro se amarra ao cais e fechou-se num manto de silêncio. Um fio de saliva fria escorreu-lhe dos lábios quando eles entraram no quarto.
- Não me violaram! – disse olhando-me como se esperasse uma reacção de alívio.
Os quatro homens encostaram-lhe uma pistola à cabeça e deram-lhe dois dias para ela decidir vender-lhes a casa por tuta e meia. Era a máfia búlgara a fazer os seus primeiros negócios. No dia seguinte emigrou. O último vizinho que viu foi um homem do rés-do-chão que estacionava o carro preto sempre no mesmo sítio, debaixo duma árvore centenária da altura de quatro andares. Tinha acabado de o fazer e sorriu-lhe. Não podia imaginar que ela ia andar várias semanas à boleia até acabar em Portugal, numa pequena aldeia algarvia.
Quando voltou, muitos anos depois, ao chegar a casa viu exactamente o mesmo homem a estacionar o mesmo carro no mesmo sítio. Para ela, o mundo tinha mudado radicalmente, mas para aquele senhor a vida continuava como sempre, estacionando o carro exactamente no mesmo local.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Postalinho de Itália 4

"Conjunto monumental «Grupo de Polifemo» do Museu Arqueológico de Sperlonga."
Paulo M.




Postalinho em busca da esmeralda perdida


Partida!


Os amigos dela pediram-me que não lhe partisse o coração. Efetivamente, não lhe parti o coração. De resto, parti aquilo tudo.

Patife
@FF_Patife no Twitter

20 maio 2017

«Pau do bem» - Porta dos Fundos

"Não importa o tamanho da sinopse, mas a introdução que ela faz."

Torso


«Cinema no Teatro Avenida» - por Rui Felício

(onde também era feito o Sarau da Queima das Fitas)

Para a época, o Teatro Avenida, em Coimbra, era uma sala de espectáculos que enobrecia a cidade.
Nela assisti a inúmeros filmes e várias peças de teatro.
«Cinema Erótico»
Ensaio de Douglas Keesey/Paul Duncan, Colecção Outras Obras,
Editora Taschen, Köln, 2005
Colecção de arte erótica «a funda São»
Lamento que tenha desaparecido e sido transformado em centro comercial. Agora e sempre o mesquinho interesse económico a sobrepor-se à cultura.
Era uma sala espaçosa, com uma ampla Plateia encimada e coberta em parte por um varandim onde se desenvolvia o Balcão, frisas e camarotes, tudo sustentado por uma fiada semicircular de pequenos pilares..
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Vivia-se numa sociedade fechada, em que as autoridades impunham um puritanismo férreo, proibindo revistas mais ousadas e até cortando passagens de filmes que considerassem atentatórias dos bons costumes.
Naquela noite, corria o filme “A queda do Império Romano”, em que Sophia Loren era protagonista.
Na sala cheia, nem o mais leve zumbido se escutava, numa cena em que a artista conversava com Lívio e aparecia com um avantajado decote que deixava adivinhar os volumosos seios, cuja nudez integral a imaginação juvenil da maioria dos espectadores procurava desvendar.
Como pelo efeito de uma bomba, a paz sonhadora dos jovens foi quebrada pela voz tonitruante do Batarda que, instalado na primeira fila do Balcão, gritou cá para baixo:
- Aqui de cima vê-se tudo!

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido

Um sábado qualquer... - «Tá explicado…»



Um sábado qualquer...

19 maio 2017

Eva portuguesa - «Suíno»

Acho que já aqui disse isto, mas torno a repetir: para tentarem enganar alguém, têm que ser mais espertos que essa pessoa e não pensarem que são. Afinal, até para fazer merda é preciso ter alguns neurónios. E também não convém esquecer da lei do retorno: hoje brincas, amanhã és brinquedo nas mãos de alguém...
Eu tenho, sabe Deus porquê, alguns seres que, mesmo sem me conhecerem, me guardam um odiozinho de estimação. Bom, problema deles! O ódio, tal como o cancro, afecta quem o tem e vai alastrando e consumindo a pessoa por dentro. Ora eu, felizmente, sou bastante saudável. Porquê isto, se nem me conhecem?!... Bom, podemos recorrer a várias correntes psicológicas para o tentar explicar (eu especialmente sou fã de Freud, pois claro!), mas prefiro simplificar e dizer que é falta de uma boa foda. Afinal, gente bem amada não inferniza a vida alheia...
Um destes seres pequeninos - sim, até aí onde vocês estão a pensar eles devem ser de tamanho inferior, embora eu estivesse a falar num sentido mais abrangente - adora ligar-me a fazer marcações falsas. Como deixei de atender números privados, passou a ligar menos. Mas não desistiu! Devo ser o ponto alto da sua miserável existência. Obviamente, e porque ser-se burra ou ignorante não é condição para ser puta, passei a conhecer-lhe a voz. Situação de que lhe dei conhecimento aquando de mais um simpático telefonema. E então de que se lembra o porco? Disfarçar a voz quando me torna a ligar, tapando com um pano o bocal do telefone. E sempre a ligar de números diferentes, pois eu vou-lhos bloqueando. Bom, como para puta, puta e meia, respondi ao suíno da mesma maneira: apertei o nariz com os dedos para lhe responder. Desligou na hora! :-) :-) :-) Foi um fartote de rir! A minha amiga chorava de tanto rir. Disse que eu fiquei com voz de porco. Daí o título deste post. Porque a minha foi resposta à dele. Pessoal, a sério, há necessidade?!...
Beijos doces, quentes e picantes aos meus amores. E pronto, um para os ressabiados. :-)


Eva
blog Eva portuguesa - porque o prazer não é pecado

Delícia suprema!

Art by Serge Marshennikov - Sweet morning

Delícia… quando penso em ti, sinto um inflamável desejo querendo explodir em constelações de orgasmos.

Viajo… pelas ruas alucinogénias e no submundo de delírios.
Em que o aroma do teu corpo deixa-me num tesão crescente, intenso e delinquente.

Toco… o teu corpo, a tua carne, preparando o caminho, onde faço a mais insana poesia para me deitar contigo na mais deliciosa orgia.

Beijo… e imploro a tua boca, a tua língua, a tua fome…
Degusta-me, bebe-me e faz-me vibrar. Quero ser o teu mais saboroso gole neste dia louco… delirante onde eternizamos cada instante.

Delícia suprema!
Somos Nós!

A.Braga

Luís Gaspar lê «Grito» de David Mourão-Ferreira

Cedros, abetos,
pinheiros novos.
O que há no tecto
do céu deserto,
além do grito?
Tudo que é nosso.

São os teus olhos
desmesurados,
lagos enormes,
mas concentrados
nos meus sentidos.
Tudo que é nosso
é excessivo.

E a minha boca,
de tão rasgada,
corre-te o corpo
de pólo a pólo,
desfaz-te o colo
de espádua a ‘spádua.
São os teus olhos.
Depois, o grito.
Cedros, abetos,
pinheiros novos.
É o regresso.
É no silêncio
do outro extremo
desta cidade
a tua casa.
É no teu quarto
de novo o grito.
E mais nocturna
do que nunca
a envergadura
das nossas asas.
Punhal de vento,
rosa de espuma:
morre o desejo,
nasce a ternura.
Mas que silêncio
na tua casa!

(Do livro “Música de Cama”, na Editorial Presença)

David Mourão-Ferreira
David de Jesus Mourão-Ferreira (24 de Fevereiro de 1927 — 16 de Junho de 1996) foi um escritor e poeta lisboeta licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde, em 1957, foi professor, tendo-se destacado como um dos grandes poetas contemporâneos do Século XX.
Ouçam este texto na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa

#tinhamostudo - Ruim

É incrível como por vezes conseguimos decidir em segundos se nos vamos dar bem com alguém ou não. Nem precisam de abrir a boca. Às vezes, basta olharmos para a cara da pessoa para tirarmos logo a nossa ilação do que ali está (muitas vezes errada, é verdade!). Claro que se um gajo tiver umas grandes mamas, um rabo espectacular e se chamar Carla, é bem capaz de ser o nosso próximo melhor amigo, mas não é desse "gostar" que estou a falar. Uma cara que olhamos e com quem criamos empatia. Uma cara que gostávamos de ver sentada à nossa mesa. Pode até dar-se o caso de que essa pessoa depois tenha algum tipo de gesto que destrua essa imagem, mas aquela empatia inicial aconteceu na mesma. Como também podemos achar alguém insuportável e ainda nem olhou para nós ou nos dirigiu a palavra. Tipo um gajo com umas grandes mamas, um rabo espectacular e que se chama Carla, mas com uma cara de embirrante a pedir um par de estalos.
E eu almocei com um gajo desses (não "o" Carla). Um gajo que tinha tudo para ser o meu próximo "bestie". Já me estava a ver com ele a praticar vela ali no Tejo (o que é incrível, pois nem eu nem ele percebemos alguma coisa disso). Ou a irmos a provas de vinhos os dois e ele ficar impressionado com o meu conhecimento superficial sobre castas. Ou irmos plantar uma árvore na serra de Sintra (isto está a ficar um pouco homoerótico). Mas não vai dar. Não vai dar, porque ele pôs ketchup no arroz. Ele pôs ketchup em arroz de ervilhas com filetes. Este gajo é, a partir de agora, meu inimigo mortal. Quero que ele meta mas é a árvore no cu e que vá andar de vela com os amigos dele. É má companhia. Adeus.

Ruim
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18 maio 2017

Luta pela beleza natural

"Numa altura em que a segurança (ou não) de certas técnicas anti-envelhecimento faz títulos nos jornais, o «LPG Endermologie» denuncia os excessos de práticas descontroladas. Visam tornar as mulheres conscientes de que existem alternativas 100% naturais, usando tecnologias completamente mecânicas que são inofensivas para a pele e características de cada pessoa."