03 outubro 2011

O Perceve de que Falo, Umbelina...

Após o episódio de Aveiro posto em post, cumpre-me dizer algumas palavras a propósito.
O mais importante de tudo foi o que a Umbelina conseguiu: desassossegar! Desassossegar que neste contexto se casa com o sentido esotérico que Pessoa utilizou e que significa "despertar, acordar, revelar", muito mais do que propriamente "incomodar". Mas este incomodar foi quiçá algo de cuja importância irei agora dar corpo de texto.
O culto do Falo era muito importante no nosso território, principalmente em toda a orla marítima. E as nascentes mágicas da região de Óbidos desempenhavam um papel fulcral neste culto.
As análises científicas feitas às águas dessas nascentes demonstraram o que há milénios os povos por cá sabiam: aquelas águas tinham, entre outras propriedades curativas, a particularidade de tratarem as situações de infertilidade e de potenciarem a libido dos seus frequentadores.
A Cristianização utilizou a técnica da tenaz para fazer tábua rasa de todos os cultos fálicos, substituindo o Falo pelo Deus Pai, restando apenas aqui e ali algumas referências no léxico comum e na gastronomia, como por exemplo as caralhotas e os doces de são Gonçalo, entre outros semelhantes na faixa litoral oeste do país, onde destaco a distinção feita a Santo Antão, que é chamado de São Chouriço...
A técnica da religião dominante é simples: nas primeiras fases da Cristianização, Cristo é apenas mais um entre os muitos Deuses. Os cultos "pagãos" são tolerados e, durante algum tempo - gerações inteiras, por vezes - estes misturam-se na iconografia Cristã e, assim, ainda são visíveis em inúmeros testemunhos imortalizados em pedra lavrada e que escaparam às ondas purificadoras que de vez em quando assomam a Humanidade.
A pouco e pouco, com muito trabalho de púlpito e aproveitando as situações, um a um, os deuses antigos vão cedendo lugar aos santos. De forma geral, quando se estuda a vida dos santos descobre-se como os locais de culto dedicados a eles substituem santuários desses antigos deuses e as propriedades deles são absorvidas pela nova referência, a nova santidade. Não nos devemos espantar com a enorme quantidade de santos surgidos na Idade Média, pois foi nessa época que foi travada a maior e mais importante tarefa de absorção dos cultos ancestrais e a diabolização de outros.
O culto fálico foi um destes. Embora tenha persistido em alguns locais da Europa até ao século XIX, em praticamente todos os locais este foi extinto e os seus seguidores perseguidos.
O sexo foi despromovido e relegado ao mundo do pecado e do impuro. Embora na linguagem se continue a utilizar o "caralho" como muleta e partícula enfática - e isto de forma inconsciente, sem propósito intencional - a exibição do símbolo do Falo, outrora considerado como sendo um elemento de bom augúrio, passou a ser visto como ofensivo e atentado ao pudor.
Contudo, o culto fálico não morreu - nem morrerá, obviamente - mantendo-se com toda a força na nossa psicologia colectiva.
O facto da exibição deste no mercado em Aveiro ter incomodado tanto demonstra o tremendo poder da sua imagética e o incómodo mais não é do que o fazer vir ao cimo e o descompactar de um mundo de valores naturais e eternos que chocam com todo um outro conjunto de valores com que a corrente religiosa dominante tentou nivelar o sentir e o viver colectivo: uma sociedade supostamente assexuada, onde os nascimentos seriam produto do pecado e cada criança uma alma perdida e condenada às eternas fogueiras dos infernos, antes do sacramento do baptismo. Este mal estar perante o sexo, algo tão natural e maravilhoso, está presente em muitas camadas da população e neste particular é de dar os parabéns aos que ao longo dos séculos tão bem conseguiram dominar pelo medo.
No entanto, por nos ser incontornável, por sermos nascido do sexo, e de ser esta a nossa condição enquanto homens e mulheres, o seu culto irá encontrar de novo o seu lugar. De uma forma natural, como naturais são os Menires que por toda a costa marcavam esta terra de magia, a Terrea Ophiussa...

Charlie - blog Cartas sem valor
(autor de um estudo em preparação sobre a religião e o culto fálico na região Oeste)

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