"Quantas vezes podemos escrever sobre foda? Durante quanto tempo vamos poder escrever sobre foda até que pareça repetitivo, até que as pessoas se cansem? Não é a foda sempre a mesma? São quatro pernas, uma cona e um caralho, duas mamas – sim, estou a deixar as masculinas de fora – e quatro braços, dois pescoços e duas cabeças que se querem iguais. Num universo que se diz infinito, a finitude existe, e são apenas dois corpos, há um conjunto limitado de coisas que dois corpos podem fazer. Há um conjunto limitado de maneiras de descrever ou imaginar uma foda. Podemos variar os locais, podemos pintar as paredes de cores diferentes, modificar as camas, sofás, chuveiros, podem trazer-se croissants, chocolates, botas, renda, gravatas e vendas para os contos de fodas, mas em tudo isto, qual é o limite? Quando é que a foda se esgota?
Talvez nunca.
A foda talvez seja um contínuo, nestas cabeças talvez a foda nunca cesse, e tudo o que acontece quando a foda não é física, é a água que cobre o iceberg, é a pausa que serve para o descanso, porque se a foda que arde na alma é imensa e constante, a foda no corpo faz estragos que é preciso curar para depois voltar à arena e arranhar a pele, deixar marcas, sentir no corpo o que na alma é certeza. Talvez a foda nunca seja repetida, porque nunca termina. Talvez possa escrever anos e anos sobre foda sem o medo de me repetir, sem parecer soar a disco riscado, porque numa cona e num caralho que unem esforços não há discos riscados, há corpos molhados, há coisas que transcendem a foda, e a foda, afinal, é apenas o princípio e o fim, os parêntesis rectos que seguram o conjunto, o universo finito e curvo onde nos movemos. A foda é relicário, é fiel depositária de muito mais que a foda. E se isso nunca se esgota, se a alma nunca esgota, eis o nosso infinito e a certeza de nunca, nunca cansar."
João
Geografia das Curvas