30 dezembro 2015

Mais uma coisa sem importância nenhuma...

Parafraseando um conhecido eterno comentador e actual candidato, esta não lembra ao careca…

Um piropo ou uma ordinarice deliberadamente obscena? Uma questão de verbalizar uma manifestação de apreço ou um assédio sem pudor e com recurso a violência verbal para dar largas a um lamentável espírito de macho frustrado e javardo? Em suma: uma sedução ou uma violentação?

Nada me parece claro ou em vias de clarificação numa iniciativa legislativa do PSD no passado Agosto – e apenas agora divulgada, vá lá saber-se porquê… – e, conforme se pode ler no DN de 28 de Dezembro e da autoria de Fernanda Câncio, se trata «de um aditamento ao artigo 170º do Código Penal, "importunação sexual", o qual criminalizava já o exibicionismo e os "contactos de natureza sexual", vulgo "apalpões".»

Vejamos, e se alguém disser à personagem onde lhe anda focalizado o interesse qualquer coisa do género: «Senhora, a sua beleza confunde-me; faça-me um homem feliz e aceite jantar comigo…». Não será isto um caso flagrante de «proposta de teor sexual»? Em princípio, o convite para jantar não se destinará a culminar num jogo da bisca. E, além da desgraceira de uma muito provável nega, o presuntivo e incontido amante ainda corre o risco de ser preso. E não de amores!

Eu até nem teria, à partida, grande coisa em contrário relativamente a esta iniciativa, mas sempre que se legisla sobre questões educacionais, culturais, civilizacionais, éticas, enfim, como se se pudesse alterar a correnteza da vida meramente por decreto, tenho tendência para ficar cheio de reticências e de urticária.

Interessa, entretanto, esclarecer – não vá o Diabo tecê-las… – que gosto tanto do chamado sexo oposto ao meu, considerado ele em abstracto e genericamente mas também e muito especialmente em concreto, que o meu respeito por ele é sem medida. Creio que terá sido coisa que me foi incutida pelos meus pais e, até, por outros educadores, ao longo da vida.

Talvez por isso não é meu uso proferir qualquer comentário quando uma mulher que me é sugestiva mas estranha cruza o meu caminho. Mas receio que o meu olhar possa ser algo indiscreto ou revelador de alguma saudável (pelo menos assim a reputo) perturbação que comigo ocorra… E quantas vezes a imaginação voa, desatinada e sem barreiras perante alguma evidência circunstancial mais apelativa?

Julgo, mesmo, que, em tempos de imberbe juventude, um rubor, incómodo e indiscreto, me inundava a face com perturbadora frequência quando uma bela jovem ou mulher era, por alguma circunstância, minha interlocutora. Timidez, seguramente. Condimentada por pensamentos porventura indizíveis mas incontroláveis. Porém, se a intensidade fosse por demais intensa, poderia chegar ao ponto, como sói dizer-se, de meter conversa a esse propósito, a bem de alguma sanidade mental, que os recalcamentos nunca foram bons conselheiros.

Claro que, aqui chegados, interessa sabermos que não somos todos (nem todas) iguais e o escalonamento de atitudes será, decerto, tão diverso quanto o mundo.

Isto traz-nos à incomensurável dificuldade em apurar, então, o grau do acto criminoso em cada caso que, por acaso, não me parece, no contexto legislativo, que seja indiferente ao género, nomeadamente.

Além disso, poderei eu queixar-me do flagrante, ainda que improvável, assédio por parte de uma vizinha ou de mera passante? E que fazer, nesses casos, para obter meio de prova? Andar sempre acompanhado por duas testemunhas insuspeitas, ou ter sempre um gravador ligado no bolso, para o que der e vier?

Por outro lado, não será igualmente e socialmente perigoso entrar num elevador sem dar os bons dias a quem lá esteja? Imagine-se que a menina Ofélia, do 3º esquerdo, sofrendo de depressão profunda, leva a ausência de cumprimento à conta de agravamento da sua falta de auto-estima e, subindo ao nono andar, se suicida logo ali? Não será de acautelar legislativamente a obrigatoriedade de cumprimentar os vizinhos nos ascensores, para evitar casos análogos?

É que, nestas coisas, nunca se sabe e mais vale prevenir…

Afinal e pelo meio destas minudências, onde fica posicionado o tão estimulante jogo da sedução? Ou, até, pior: como iniciar uma relação, um namoro? Impossível! À primeira abordagem, qualquer um/a corre o risco de deparar com um/a interlocutor/a desarvorando numa grita aflitiva de que está ali um/a caramelo/a com segundas ou terceiras intenções e o/a pobre corre o risco de ir bater com os costados na cadeia, com um amor por cumprir…

Por outro lado, deparamos nesta legislação com um manto diáfano sobre a expressão de «assédio sexual», essa, sim, coisa mais concreta, definida e nada rara, que vitima tanta mulher – e, porventura, alguns homens – e que se revela através do recurso a pretensas prerrogativas de hierarquias que, apenas por serem tal, presumem que o estatuto é extensivo ao direito de chegarem à cama… ou a qualquer esconso de conveniência.

Mas dizer-se assédio, isso é que não, que a crueza do termo não é compatível com alguns espíritos mais delicados e titubeantes.

Agora, o porquê da oportunidade de tão momentoso acréscimo legislativo, na verdade, escapa-me. E logo numa altura de crise da construção civil, área de onde é suposto emanarem algumas das pérolas javardolas…

Haverá razões que a razão desconhece nestas matérias legislativas. Mas espera-se sempre que seja para nosso bem. Ou, quem sabe e à falta de melhor, quiçá para reforçar a confiança dos mercados…

Ora, façam é o favor de terem todos um óptimo 2016, com piropos e, se possível, muito amor, namoro e felicidades que tais! Se possível, também, a dois que a coisa assim assume outra graça.