Conversar era um hábito que perdera com o casamento. Uma vida a dois, preenchida por quatro filhos, afastara-o do mundo que conhecera alguns anos antes, mas que agora lhe parecia longínquo. Um mundo de conversas com amigos e de copos babados, de alguns abraços e de olhares soltos para mulheres desconhecidas.
Adormeceu à mesa.
A mulher dele tinha sido a minha primeira namorada. Éramos então dois adolescentes, cujo Amor parecia impossível de terminar um dia e cuja vida se adivinhava dinâmica e feliz. Sem sobressaltos, sem zangas, sem filhos. Sobretudo sem adormecermos à mesa derrotados pelo cansaço.
Creio que durou um mês, esse sonho.
O Fred ressonava. Acordei-o com o cuidado de um pai que acorda um filho, dei-lhe um cobertor e mandei-o para o sofá da sala.
Fechei a luz, ouvi-o ressonar e telefonei à Laura.
- O teu marido dorme cá hoje!
Do outro lado ouvi o silêncio mais pesado que se pode ouvir. Passou-me tudo pela cabeça, incluindo a certeza que ela tinha de que estivéramos a beber até um de nós adormecer. Talvez estivesse desconfortável pelo leque de possibilidades temáticas que dois homens que dormiram com a mesma mulher podem ter. Talvez até já nem se lembrasse de mim.
- Laura?!
O silêncio continuou mais um pouco, mas desta vez com uma respiração libertadora.
- Que saudades que eu tenho duma noitada assim! - disse ela.
- Compreendo!
- Lembras-te de nós? - Insistiu.
- Lembro. Claro que lembro.
E o silêncio tornou-se mais leve.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»