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02 novembro 2015

«Centenas» - João

"Ele estava sentado na beira da cama, virado para as janelas, grandes e orientadas a nascente, beijado pela luz do dia que despertava, de mãos sobre as coxas e semblante gelado, inexpressivo quase, rompido pelo pestanejar e um quase imperceptível movimento de uma respiração lenta, pausada. Dali, na projecção do seu olhar sobre as janelas e para lá delas, o Sol vinha indiferente. Vinha para os tristes, vinha para os contentes, erguia-se sobre o horizonte ignorando as almas de toda a gente, sentadas na beira da cama, em pé na rua, deitadas a dormir. Vinha lançar-se sobre os solitários, os indiferentes e os acompanhados, vinha banhar sorrisos num pequeno-almoço ou corpos numa dança de foda. Vinha. Quando bateu mais forte na cara fechou os olhos e sentiu-se aquecer. Fazia contas de cabeça. Em centenas. E quanto mais somava, mais fundo respirava. Tanto tempo, pensava. Tanto tempo. As mãos dela abraçaram-no, sentiu-lhe os dedos, as unhas na pele, o cabelo, e porque fazia contas afinal, se também o rosto dela se iluminava ao Sol, como ela gostava, os dois naquela nudez tão despida de tudo, as pernas por fim entrelaçadas, como ele gostava, parecia que ela dizia que era dela, que aquelas pernas que se trancavam eram corda que prendia, e diziam que não vais a lado nenhum, porque estás aqui comigo, a receber o Sol que sobre nós se impõe, e mais vale aceitá-lo, aquecer com ele, aproveitar que o temos, e rebolar. Vem rir comigo, pedia-lhe, e ele ia, vem cá, dizia-lhe, e ele foi, entra em mim ordenava, e ele obedeceu, e depois disso, no calor do Sol, ficar a ver o dia mexer-se, sem a pressa de entrar à boleia, deixá-lo ir, enquanto ficavam os dois juntos num dia só deles, medido num outro relógio onde as centenas já não eram importantes."
João
Geografia das Curvas

26 outubro 2015

«Muito disto» - João

"Estou colada ao teu corpo. Sabes? Sinto-te nas minhas costas, as tuas pernas nas minhas. O calor faz a pele transpirar, mas não existe desagrado, não é como a transpiração de um estranho que nos leva ao trejeito e fuga. É a tua pele, a minha pele, não há desagrado, só o nosso calor. Eu ajeito-me melhor para ti, sabes? Movo-me para que as minhas nádegas se encostem mais, para te sentir duro a latejar em mim, e lanço a mão ao teu corpo, faço-te umas cócegas ligeiras, tu afundas o nariz no meu cabelo, beijas-me o pescoço, e eu sei tanto, sei tanto do tanto que te quero foder, de como quero que me fodas, e fazer amor também, ao mesmo tempo, sem saber onde começa uma coisa e acaba outra, convencida de que uma e outra não começam nem acabam, são faces da mesma moeda, e eu digo-te que estou apaixonada por ti, suspiro baixinho, que sou tão tua, e tu apertas-me mais ainda, dizes-me ao ouvido as palavras que eu quero ouvir, e o teu timbre diz-me que é tudo verdade, que em nada me mentes, e digo que te amo, e peço-te que entres em mim, que o latejar que sinto fora de mim se faça um comigo, uno, como se indivisíveis. As tuas mãos percorrem-me, como uma estrada secundária, perdes tempo nas curvas a ver a paisagem, demoras-te, conduzes devagar os dedos por mim, e eu não quero nem consigo evitar suspirar, ou a espaços gemer, baixinho, faltar-me-ia ronronar, feita felina. Talvez o seja. Fazes-me sentir felina, de colocar as garras de fora e arrastá-las nas tuas costas, de te morder. Talvez tenhas de me segurar, talvez devas amarrar-me, antes que te solte a fera em cima e fiques em sangue, em feridas que terei de tratar, sentada ao teu colo, talvez tenha de massajar-te as costas enquanto o meu peito está ao nível da tua boca a pedir que o lambas, que me mordas levemente, muito levemente, os mamilos, talvez eu queira dizer-te muitas mais coisas ao ouvido, talvez eu precise muito de ti."
João
Geografia das Curvas

19 outubro 2015

«Atlântico» - João

"Entra em mim, entra fundo. Entra na minha cona como se o teu caralho separasse as águas do Mar Vermelho. Não. Esquece esse. O Atlântico. Entra em mim como se o teu caralho separasse o Atlântico em dois, ganha o espaço das minhas pernas que abro para te receber, o ar que sinto beijar-me a cona quando me exponho para te ter dentro de mim, para te sentir magoar-me um bocadinho, quando te empurras, deslizas, escorregas em mim, para lá do espaço que existe. Deve ser isto que me diz que estou viva. Esta dor muda, este picar dos sentidos, talvez seja isso que me resgata desta passagem feroz de um tempo em que parece que nada mexe, como se vivesse numa bolha, como se as coisas fossem intrinsecamente desfocadas. Talvez seja isso, talvez tu me resgates de tudo isso, talvez me dês vida. É possível, penso para mim enquanto me fodes, que me faças sentir coisas que não sabia ou não acreditava que existissem. Ou que existissem para mim. Que lhes tivesse direito, que lhes pudesse chegar, de tão habituada à ausência, ao levar por levar nestes dias de segundas linhas, segundas vidas. E talvez me vença o medo. O medo de que isto seja tão bom que não possa durar, ou não possa ser verdade, e acorde triste um dia, devolvida a uma foda que não me pica, não me dói, não separa o Atlântico em dois, me faz da cona um veículo para algo que explode e passa, sem deixar marca. Em mim. Em ti. Em nada."
João
Geografia das Curvas

12 outubro 2015

«Poeira dançante» - João

"O corredor sempre fora assim, recheado de livros à esquerda e à direita, e a luz entrava diagonal de uma janela alta e mostrava o pó que se suspendia em dança lenta sempre que algum livro era mexido, e se havia alguns que sempre andavam de mão em mão, outros ficavam à mercê do tempo perdido e do ocasional espanador de alguma empregada de limpeza. E eles sabiam bem quais eram os livros que trocavam de mãos mais vezes. Um deles, velho conhecido, não iria a lado nenhum quase de certeza. Estava guardado ao lado de outros, ignorado. Decidiram utilizá-lo como veículo das suas mensagens, e era assim que também ele, de tempos a tempos, era manuseado. No tempo de todas as tecnologias, pequenas folhas de papel manuscritas eram colocadas dentro desse livro, nem sempre entre as mesmas páginas, saltando de capítulo em capítulo como por capricho. Ora de um, ora de outro. E as mensagens eram variadas. Um quero fazer tudo contigo, ou um amo-te seco à pressa, por vezes coisas mais crípticas que assinalavam locais e horas, e na verdade todos os dias se passeavam por ali para no recato de um momento vazio pegar no livro, abri-lo ao acaso, plantar uma folha escrita com emoção, fechá-lo e voltar a colocar na mesma prateleira, no local de sempre, desafiando o corropio de todos os outros. Talvez aquele não fosse a lado nenhum, talvez ninguém o quisesse ler, mas era o livro mais desejado de todos quantos ali se empurravam nas prateleiras.

Um dia ele foi lá e não encontrou nada. Pegou no livro como sempre, com o coração acelerado, com a emoção de querer ler o que ela tinha escrito para ele, mas abriu, folheou, virou até as folhas para o chão na esperança de ver cair uma folha solta que lhe tivesse escapado, mas nada. Só a luz a entrar diagonal pela janela e a poeira a dançar, suspensa no ar, como que a gozá-lo, sem vergonha nem consideração. O livro estava vazio, apesar de todas as suas páginas escritas. Passou outro dia e ele voltou a percorrer o mesmo corredor, e de novo o coração acelerado com uma expressão de expectativa no rosto, e as folhas impressas sem as palavras que ele procurava, nenhum papel solto lá dentro, nenhum quero-te, nenhum vem comigo, nada de ser só tua, nada de nada, só as folhas, as costuras, a capa dura. A poeira a dançar contra os raios de luz tornava-se a imagem do desespero, ela não estava ali, o livro estava morto, devolvido à prateleira apertada, e o rosto a encher-se de tristeza, e por vezes deixava ele um papel com a sua letra, onde estás, que é feito, onde foste, e encontrava-os no dia seguinte, colocados no mesmo local, sem sinal de nada, intocado, deixado por abrir. E um livro fechado é de pouco interesse, não diz nada, não fala, não aquece.

Mais tarde, centenas, milhares de dias a pegar naquele livro, à espera do papel que não aparecia, olhou a toda a volta, desconfiado de que alguém o observasse. O papel que lá havia deixado da outra vez, estava lá, sim. Mas estava noutro sítio. Noutro capítulo. Tinha sido mexido. E nos dias seguintes sempre aconteceu a mesma coisa, ele deixava os seus escritos num sítio, e eles apareciam noutro. Mas nada era respondido, nada era dito, e nunca ninguém parecia espreitá-lo, a hora era de morte como sempre, e aquilo que ele lá deixava parecia mudado como magia, como se o seu papelito manuscrito se dissolvesse entre as páginas e mudasse de local, sem que lhe tocassem. Deixou um novo, com palavras muito especiais, e veio embora, com um olhar que perdera brilho na passagem dos dias, que já nem notava a poeira na luz diagonal. Aquele livro onde colocava papelinhos manuscritos tornara-se um ritual de vida que lhe animava os passos, dava sentido, porque raios, algum sentido teria de haver, para alguma coisa havia de servir, não podia ser por nada, para nada.

Chegou um novo dia, um qualquer novo dia, e ele, passo a passo, lá foi. Repetir o gesto de sempre, fazendo o corredor até onde estava aquele livro tão especial para ele, um dia para eles mas agora talvez só para ele, que ninguém levava, ninguém pedia, não havia quem abrisse senão ele e sabe-se lá se mais alguém que lhe trocava as voltas mudando os papeis de sítio. Talvez tivesse sido observado por algum traquina, talvez alguém tivesse decidido gozá-lo, trocar-lhe as voltas, ou fazê-lo sentir-se senil, maluco, fora de prazo. De pé, frente à lombada, de mão já pousada sobre ele com o gesto de quem o vai retirar, nota que está uma folha de cor diferente, saliente, visível entre todas as outras. Era algo novo em tanto tempo, mas conhecido. A mesma cor de papel que tanto tempo antes havia lido, com a letra torneada que reconheceria em qualquer ponto do mundo ou da vida. O coração que já seguia gasto das emoções passadas e os olhos baços da esperança perdida aceleraram-se e brilharam de novo, e a respiração fez-se ofegante e abriu o livro à pressa, pegou a folhinha que ali estava e deu um passo atrás quase em desequilíbrio, o coração tanto mais rápido e os olhos fixos. O livro. Um papel. Uma palavra apenas.

Virou-se e viu o rosto dela por entre livros da prateleira em frente. Ficou imóvel, paralisado pela surpresa, enquanto a viu acelerar o passo em direcção a ele, a apanhá-lo nos braços e a apertá-lo com força. Com muita força. Estou viva ainda, respiro contigo e por ti, e ele quase a cair, e ela a ampará-lo, que não sonhas, não te deixes cair amor, eu seguro-te, e os lábios a colar-se, ele a chorar como menino pequeno, e a incredulidade, estás aqui? E estava, eram eles, era o livro, era o papelinho, e a luz diagonal a mostrar as poeiras que dançavam, lânguidas, suspensas no ar agitado pelos seus corpos que a pouco e pouco, recompostas as emoções, dançavam também, na descoberta de que as peles eram iguais, e tudo continuava electrizante, como em tempo parecia até aborrecer, de tão animais que eram. E continuavam a ser."

João
Geografia das Curvas

05 outubro 2015

«Se me amarrares» - João

"Vem comigo, vamos ali passear, sentarmo-nos à mesma mesa, competir com as nossas pernas debaixo da mesa pelo mesmo espaço. Vem comigo que te amparo nesses caminhos de pedra irregular, não deixo que balances demasiado nos sapatos senão o balanço da minha canção de te embalar docemente nos meus braços. Vamos fazer essas curvas e contracurvas, até lá acima, até onde a vista alcança e tudo se vê, e pode ser que não passe gente, e pode ser que não passe ninguém, e eu te segure com apetite, ou tu me conquistes com o corpo sentado sobre o meu, vem-te comigo vem, que está calor e as tuas pernas despidas estão à minha vista, e tu provocas-me, ajeitas-te para que tas coma com o olhar ainda antes de me deixares que as toque com as mãos, que o meu caralho suba em ti ou tu desças em mim, tanto faz, é o que é, como é. E sinto os teus dedos apertar-me, e o teu lábio a morder-se, e tu a dizer-me que me deixas desfeito, que me vais deixar marcado, como ferro em brasa, vais cravar-me amor na pele, e eu já estou por tudo, e já estou em ti, e tu a morderes-te, a apertar-me, a fincar o teu corpo no meu como quem se agarra para não cair e nunca mais voltar, e dizes-me que se eu te amarrar, se eu te amarrar talvez esteja seguro. Talvez."
João
Geografia das Curvas

28 setembro 2015

«O beijo» - João

"Ar livre, boas abertas mas um céu ameaçador, a chuva a poder precipitar-se sobre as nossas cabeças a todo o instante, o areal à nossa frente e o mar, o extenso mar que da esquerda à direita nos dominava a vista, e a conversa, a nossa conversa privada, e um momento em que os corpos estão mais perto, e ele não o sabia, mas crescia uma vontade e ao mesmo tempo uma hesitação. E só mais tarde, um tempo depois, lhe disse ela “Sabes?”, não sabia, “tive vontade de te beijar”. E porque não? E agora? E se essa vontade é a mesma que a minha? Foi então que se levantou resoluto, avançou para ela e segurando-a pelos braços, contra a parede mais próxima, a beijou sem dúvida nem hesitação, e foi retribuído no beijo e em tudo o que ele trazia consigo."

João
Geografia das Curvas

21 setembro 2015

«A seguir» - João

"Num dia cinzento os carros param um ao lado do outro, em sentidos contrários, como em faixas contrárias do trânsito, como se fossem para destinos opostos, embora isso fosse, em rigor, impossível. E de janelas alinhadas, ela lança “sabes do que preciso?”, e claro que sabia, “precisas que te foda, já, como se não existisse amanhã nem nenhum dia a seguir”, e pareceu surgir no seu olhar um brilho que não se via há muito, “e mais?”, e mais duas ou três coisas que havia de dizer-lhe. A seguir."

João
Geografia das Curvas

14 setembro 2015

«Grande e brilhante» - João

"Estou a olhar para ti e vejo as minhas mãos na tua cintura, mas a tua loucura é tanta e abanamos tanto, as tuas coxas coladas às minhas e nós a movermo-nos frenéticos e eu passo as mãos às tuas coxas, consigo ver o meu caralho entrar e sair da tua cona a uma velocidade louca e tu a gemer, as tuas mãos apertam-me os ombros e gemes cada vez mais, e repetes o meu nome, e sinto-me abundantemente molhado de ti, e gosto, gosto disso, e estou a olhar para ti e vejo-nos a fazer amor no meio de uma foda impressionante de envergonhar toda e qualquer gente, e depois vem um frio e eu deito mão ao meu casaco, agarro-me a ti e aqueço-te, cuido-te ti, e encostamos os rostos suados um ao outro, o cabelo encharcado, o meu caralho ainda a pulsar dentro de ti e no fim os teus olhos nos meus, que não olhe assim para ti pedes, mas eu olho, e a tua alma está toda à vista, e eu gosto, gosto disso, é grande e brilhante, escondida por baixo de tanto negro."

João
Geografia das Curvas

07 setembro 2015

«Finalmente sós» - João

"Tenho algo de que precisas, tu tens algo de que preciso. Damos por nós finalmente a sós, tu, eu, este espaço, e começo a ver os teus joelhos tremer, as tuas pernas a ceder a mim, até que num suspiro decides deixar-me entrar, porque eu tenho algo de que precisas e tu tens algo de que eu preciso, um algo que é muito, muito mais do que se vê, como em tudo, como sempre, e agora, e aqui, tu só, e eu só, furtivos num pedaço de tempo em que nos esmagamos, como átomos atirados a toda a velocidade um contra o outro, e salvo-te, salvas-me, colamos lábios, colamos pele, colamos pernas e mãos e suspiros, gemidos, palavras sem sentido. Eu venho-me, tu vens-te. Somamos e dividimos, que bom, que bom que isto é, que matemática perfeita, tão singular. Vemo-nos de novo um dia destes, neste contínuo do ir e do vir, da escuridão dos sonhos e das noites frias, das ausências que dão espaços, porque tenho algo de que precisas muito, e tu tens algo de que eu preciso muito, e se parece coisa única, singular, é plural, tão plural que não tem explicação. Nenhuma. E quase aborrece."

João
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31 agosto 2015

«Porquê?» - João

"Naquele chuveiro existia uma grande vidraça, fosca, por onde a luz da rua podia entrar e a tua sombra sair, vagueando pelo resto do espaço que ocupáramos, mas o teu corpo estava ali muito presente, e a água quente batia na tua pele e fazia pequenos rios que escorriam entre vales e valeiros, e o teu cabelo molhado era fonte de gotas pesadas que se avolumavam até juntar aos rios e cair aos teus pés. De costas para mim aproveitavas as chicotadas da água quente, e eu admirava-te, mergulhava o meu olhar em ti enquanto oscilavas muito lentamente o corpo, com as mãos afastadas, apoiadas na vidraça ao nível da tua cabeça. Sobrepus as minhas mãos às tuas, como que te dizendo que não te movesses, e empurrei suavemente o teu corpo, o meu caralho duro a enfiar-se entre as tuas pernas, e tu como que a ronronar, a repetir o meu nome, uma vez, várias vezes, porque me fazes isto, porquê?, e a água quente a cair sobre nós, o meu beijo no teu pescoço, os teus lábios com sede e o tempo a passar. Havíamos de chegar a horas, noutro dia qualquer."

João
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24 agosto 2015

«Estremecer» - João

"Ainda te sinto dentro de mim, apesar de me ter desligado da terra por uns instantes, sacudo-me, tremo, subi a um espaço só meu, e tu ainda estás dentro de mim, a preencher-me o corpo enquanto eu me venho, e tu seguras-me com as tuas mãos, e eu peço-te que te venhas, que te venhas também, e depressa, e em breve terei uma parte de ti no meu corpo, mesmo quando de mim saíres, e talvez eu escorra de ti, talvez eu pingue de ti, mas a minha pele recebe-te com carinho, com prazer, e não me importo. Ainda te sinto dentro de mim enquanto as minhas pernas se abrem para te receber, e repito o teu nome, um par de vezes, e multiplico isso por mais, e digo coisas que só tu entendes, e tu, tu estás numa desordem que até me diverte, a tentar fazer sentido, mas eu não te deixo, só me sacudo em ti enquanto me venho, e me venho, e tu, vem-te, acelera e vem-te, que estremeço, que quero pingar de ti, quero humedecer-me de ti, e em tudo isto eu penso enquanto te sinto, enquanto deslizas em mim daquela maneira que nada copia nem iguala, e vou-me desligando da terra, e tu beijando-me os seios, trincando-me a pele, e são instantes sobre instantes, até cairmos exaustos um no outro, e tudo isto eu vejo, enquanto tu ainda estás a entrar em mim."



João
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17 agosto 2015

«Virar» - João

"Gesticulavas com alguma violência, e depois afastavas-te, caminhando para longe, pontapeavas pedras no caminho e fixavas o olhar no horizonte, para depois voltar para perto de mim e gesticular de novo, ou bem pior que isso, atirar-me palavras afiadas, frases inteiras no fio da navalha a cortar fundo, e cada palavra era pior que a outra, e a raiva jorrava e dissolvia-se no vento fresco e eu tentava apaziguar-te, e esperavas que o fizesse, tu bem o dizias, que era a parte calma de ti, e tu a bater-me, e a dizer as coisas que o teu coração obrigava, e então segurei-te os pulsos, um deles atrás das tuas costas, o outro acima da cabeça, encostei-te ao carro e o meu corpo ao teu e disse-te, por fim, a um ouvido “Eu não sou um livro”, e depois de te beijar levemente, acrescentei ao outro ouvido “e não tenho páginas”."

João
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10 agosto 2015

«mi bemol» - João

"Não sabia tocar. Não tinha esse talento. Se alguns tinha, a música pelos dedos não era um deles. Não tinha piano. A destreza dos seus dedos era outra, de outros movimentos, de melar a pele, não de encantar com notas, das notas que se fazem som e apelam aos sentidos. Mas havia música ali, naquela sala. E havia noite a chegar, ao compasso da terra a engolir o Sol, a pouco e pouco, com as linhas da paisagem a mudar de cor, os contornos a tornar-se difusos a pouco e pouco, os gatos nas varandas e nos telhados já pardos, as luzes dos automóveis já acesas naquele momento do dia em que parecem nem fazer tanta diferença assim, e nuvens, algumas também, a rasgar o azul a pontos, e soava música ali. Piano. O piano que não existia naquela sala, que os dedos dele não saberiam nunca tocar, mas havia piano. Havia piano a tocar de uma electrónica fria, provavelmente feita na China, mas piano ainda assim. Um traço de mi bemol a marcar um tom, ele taciturno, o ambiente nocturno, e um toque de frio.

Os pés dela percorreram o chão fresco, leve, ligeira, quase a deslizar, o tecido da camisa a esvoaçar ligeiramente, e a mão assente no pescoço dele, um beijo na cabeça, o corpo a encostar-se a ele, e sempre e ainda o mi bemol a marcar o tom, e a mão dele a tocar a mão dela, a agarrá-la, e ela a deixar o cabelo tocar-lhe o rosto, a janela em frente a eles, a cidade a encolher-se, engolida como o Sol, a pouco e pouco, as linhas da paisagem já negras, os contornos já desaparecidos, dos gatos nem sinal, as nuvens perdidas num céu pintado de negro, a escuridão a invadir a sala sem piano, os dedos sem teclas, pousados no corpo, a nudez a instalar-se, os braços dela a agarrá-lo pelas costas, a apertá-lo com força, e rodam os corpos, passa a perna sobre ele, senta-se ao seu colo, e segura-se assim, tanto tempo, tantos segundos juntos, até o calor os fazer suar dos corpos a bater corações em conjunto, sem fronteira, sem limite, tudo o que se esconde perfeitamente à vista, e nenhum problema, nenhum receio, complexo, restrição.

Quando termina a música, estão os dois na noite mais profunda. Os animais nos seus refúgios, os carros nas garagens, os contornos transformados em nada, a cidade morta, e eles num choro fininho que ao ouvido lhes diz, eu também."




João
Geografia das Curvas

03 agosto 2015

«Veludo» - João

"Estavas tão hesitante que se notava nas tuas pernas, torneadas, um recorte perfeito no contraste da paisagem, e não há ninguém, não há ninguém aqui, e tu num nervosinho miúdo, miudinho, e eu também, e a electricidade no ar, sentes? Sentes a electricidade a envolver-nos? A comer-nos por dentro, por fora, a atrair, a faísca a formar-se, e as tuas pernas a hesitar, os teus braços atrás das costas sem saber o que fazer, e para onde vamos, o que vem lá, um sol que nasce ou noite escura, e quem vem lá, quem está cá, ninguém, não há ninguém, só silêncio e hesitação, e o teu corpo a conquistar milímetros, avanços e recuos à força para novos avanços sem conseguir resistir e então que te quero, não consigo mais, e deixas-te cair sobre mim, e eu faço-me chão teu, e acolho o teu corpo a cair, a cair, a tombar, desfaleces sobre mim e suspiras, deixas rolar lágrimas pesadas de querer guardado e não há ninguém aqui, não há alma alguma que não a tua, e seguramo-nos num abraço longo, no conforto do cheiro da pele, e o silêncio é imenso, o tempo da verdade, dos sinais, da telepatia que nos faz.A cortina de veludo vermelho pendia de um varão acobreado, horizontal, separando duas paredes que compunham um provador bastante espaçoso. As paredes, pintadas em cinza escuro, aproximavam-se do chão preto e brilhante, que funcionava como um espelho perfeitamente polido, e ao fundo daquela sala, em oposição ao provador, estava um sofá branco, para três pessoas, e eu sentado do lado esquerdo, com o braço apoiado no sofá e a perna cruzada, ondulando o pé vagarosamente enquanto ouvia o barulho de cabides a despir-se da roupa que seguravam, e a cortina vermelha a ondular, a reagir à brisa que o teu corpo provocava sempre que te movias mais exuberante.

A tua mão surge e afasta a cortina, e encostas-te à parede, de lado para mim, com um vestido belo e saltos muito altos. E perguntas-me se gosto. Gosto, se gosto. Mas depressa te digo

tira tudo, mas deixa ficar os sapatos

e então descruzo as pernas, e tu caminhas em direcção a mim, no sofá branco, e eu sento-me ao meio, tu sobre mim, com um joelho de cada lado, e o peito ao nível da minha boca, e dizes-me que te lamba, e eu lambo, e delicio-me com os teus mamilos enquanto te seguro e a dado instante, a dado instante já me interessa muito pouco, se alguma vez, se o sofá é branco ou não."


João
Geografia das Curvas

27 julho 2015

«Milímetros» - João

"Estavas tão hesitante que se notava nas tuas pernas, torneadas, um recorte perfeito no contraste da paisagem, e não há ninguém, não há ninguém aqui, e tu num nervosinho miúdo, miudinho, e eu também, e a electricidade no ar, sentes? Sentes a electricidade a envolver-nos? A comer-nos por dentro, por fora, a atrair, a faísca a formar-se, e as tuas pernas a hesitar, os teus braços atrás das costas sem saber o que fazer, e para onde vamos, o que vem lá, um sol que nasce ou noite escura, e quem vem lá, quem está cá, ninguém, não há ninguém, só silêncio e hesitação, e o teu corpo a conquistar milímetros, avanços e recuos à força para novos avanços sem conseguir resistir e então que te quero, não consigo mais, e deixas-te cair sobre mim, e eu faço-me chão teu, e acolho o teu corpo a cair, a cair, a tombar, desfaleces sobre mim e suspiras, deixas rolar lágrimas pesadas de querer guardado e não há ninguém aqui, não há alma alguma que não a tua, e seguramo-nos num abraço longo, no conforto do cheiro da pele, e o silêncio é imenso, o tempo da verdade, dos sinais, da telepatia que nos faz."

João
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20 julho 2015

«15 dias» - João

"O tabuleiro está sobre as pernas, enquanto olhas a televisão ligada, que despeja umas notícias sem grande interesse, mas dizem do que o mundo teve enquanto estivemos fora, naquele espaço fechado e só nosso, onde não entra nada nem ninguém. O tabuleiro tem as coisas de que tu gostas, preparadas com carinho, com calor nas mãos e no coração que batia ao compasso do teu. Relógios afinados. Afinados estiveram também os corpos. Não era preciso dar-lhes corda. Ao menos isso. Nunca se perdera isso, o compasso que junta e geme, e cada pedaço de ti, cada pedaço de mim, pareciam puzzles fáceis de fazer, e nunca se perdera isso. Tinha sido curta a noite, distante dos 15 dias que julgávamos precisos para acalmar esta fogueira, e eu sempre na dúvida, como tu, de que talvez 15 dias não fossem suficientes. E no entretanto, o tabuleiro continuava sobre as pernas, a manhã galgava sobre nós, e o mundo começava a cair sobre as nossas cabeças."

João
Geografia das Curvas

13 julho 2015

«Proscrito» - João

"Vou fechar-te a porta na cara, vou empurrar-te para fora da minha vida, vou socar-te, pontapear-te com toda a minha força, vou afastar-te de mim com os meus braços, tudo isto ela lhe disse, vou querer que estejas morto e calado, longe de tudo o que é meu, vou querer que a tua face seja lama, o teu nome proscrito e as mãos uma lembrança fria. Tudo isto eu vou querer, disse-lhe ela, e fechou-lhe a porta à saída. No trinco."

João
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06 julho 2015

«Tu já sabias» - João

"Acredito que te seduzi, como tu me seduziste, mas o momento em que eu entrei em ti, na tua cabeça e no teu coração, não é o mesmo em que eu penso que entrei. Quando tu me deixaste entrar no teu corpo, já sabias há muito que assim seria. Já me amavas, já me desejavas, já me querias. Aquele momento em que eu penso que começo a seduzir-te é uma ilusão minha, é apenas o momento em que tu permites que eu pense isso, porque no teu sentir, eu já estava a seduzir-te, já estavas predisposta a mim, já ansiavas que desse os meus passos, usasse as minhas palavras, desesperavas que eu fosse um cabrão qualquer que te montasse ardil porque querias muito, querias tanto, cair nele. Vendo bem, o que havia para começar, começou muito antes do que se viu, tu soubeste primeiro, eu soube um pouco depois. O quanto depois, não sei. Tenho apenas uma suspeita, e uma frase. Que não fazias aquilo por qualquer um. Foi a janela a abrir-se, e eu a entrar. Quando tu já sabias que me querias dentro de ti."

João
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29 junho 2015

«Frio» - João

"Treme. Podes tremer. Desculpa se te fiz ter frio, mas podes tremer. Porque sabes que o meu corpo é quente. Porque sabes que as minhas mãos te aquecem, sabes que alcançarei o que houver, onde houver, para te cobrir, para te tapar, para te dar conforto, agarrar-te-ei, abraçar-te-ei com força para não tremeres mais ou então para tremermos os dois, para dividirmos e custar menos, até estarmos de novo quentes, prontos para mais, prontos para outra, para partilhar, sem achar que isso é lá contigo e eu satisfeito me afasto enquanto tu tremes a um canto como se nada disso me tocasse. Podes tremer, desculpa se te causei frio vezes demais, mas foram vezes a menos, e em todas elas o teu frio foi o meu, e nunca tremeste sozinha."

João
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22 junho 2015

«Agenda» - João

"Há sol a incidir nas mãos dele. Nos joelhos. Nas pernas. Há gente a passear frente a ele, outra deitada na relva, há criançada barulhenta em baloiços, a aproveitar um dia que podia ser de Verão, não fossem as noites ainda muito frias. Aquele pano de verde desce quase até ao rio, antes de se interromper por pedaços de cinzento e outras cores pintadas em cima do cinzento, e estradas com carros apressados e gente nervosa lá dentro, a querer chegar algures antes mesmo da razão de precisar chegar lá, e depois a água, a água a correr ao sabor da maré. Cruza a perna por um momento, ajeita-se no banco onde está sentado, braço esticado, o conforto do calor que aquece o rosto e o telefone pousado ao seu lado. Ele a olhar o telefone e o telefone a olhar para ele. A dizer-lhe “pega-me”, “usa-me”. A mão desobedece à conveniência do momento e pega no telefone, usa-o, abusa-o, e ao primeiro som da voz que atende só tem uma pergunta para fazer: Como está a tua agenda? Quero marcar uma coisa contigo para sempre."

João
Geografia das Curvas