Às vezes, como agora, fico a pensar como nos era possível dançar isto. Dançar sozinhos, na pista de dança, sem álcool em excesso, nem drogas que nos fizessem planar. Oiço agora e espanto-me, mas oiço agora e se me dessem a ouvir voltava a dançar, a abandonar-me sozinho, cantando baixinho, de olhos fechados e o corpo a balouçar como uma vela sob o efeito de um vento suave e quente. Bons tempos, éramos putos, lembram-se? Havia slows, sofás encardidos e beijos de língua como se o mundo pudesse acabar amanhã e só nos safássemos com grande e evidente destreza lingual (nem sei se esta palavra existe, mas, naquele tempo, o importante era mexê-la, senti-la). E as mãos? As mãos que, com vida própria, se encaminhavam para elas, para as sentir, para as sopesar, enfiavam-se nas camisolas, nos pullovers, nos soutiens, enfiavam-se por todo o lado, mas não iam logo às calças, tal como o prazer oral não vinha debaixo, vinha de outra boca, de outra língua. Hoje, ainda dançava bad, alive and kicking ou road to nowhere (mas esta toda a gente ainda dança), e adoraria numa pista cheia, sentir-me em paz a entregar-me ao the unforgettable fire, mas já não consigo beijar como fazia: o beijo pelo beijo.
Por um tempo, pouco (felizmente, devo dizê-lo, ainda que contrariando o que venho a escrever; vocês percebem), a boca foi o nosso principal órgão sexual a dois, e foi a partir da boca e da língua e da saliva que gastámos a levar as meninas a casa, a convencê-las a ouvir uma música (Ah! O eterno “e se eu não gostar da música?”, perguntava ela, e nós sorridentes, inchados, inocentes, respondíamos “vestes-te e vens-te embora”) que crescemos, que passámos a prazeres maiores, melhores, mais físicos.
Ah! O que nos faz o excesso de bebidas espirituosas e a ingestão de quilos e quilos de açúcar sob as mais variadas formas.