06 dezembro 2009

Fugas

Não circula o tempo
no ar pesado
que transpiras entre as montanhas
de dois montes empinados, rochosos
anseiosos
de mamilos apontados, nervosos
tocam os sinos e eu não atendo
fechei as comportas
em ti, senhor meu templo.
O tempo dentro de um quadro
era uma igreja sem adro
dois adeptos receosos
alheia a mim, contemplo
este rodear estranho por duas estranhas
do espaço inviolado
escorregam da boca para as entranhas
de temas desfeitos
nas tuas chamas.

Pobre Miau...


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05 dezembro 2009

Pouca-terra-pouca-terra

Entraste-me belíssima pela porta. Com tudo aquilo que tu sabias que eu gostaria de ver. Terias causado, na rua, sérios problemas, porque todos os pedreiros e serventes se empurrariam nos andaimes para melhor te ver passar. Carros terão parado em semáforos verdes, transeuntes terão deixado cair os seus maxilares. Cabelo penteado sem mínima imperfeição, a roupa certa para seduzir, os gestos e as palavras que tinhas de usar.

Passou-se o resto de dia e a noite seguinte em tudo quanto se queria fazer. O argumento era curto, tinha poucas palavras. Tentámos ensaiar, ainda, algumas deixas, mas interromperam-se depressa na primeira cena com um beijo. Era para ser ligeiro, mas durou horas. No palco de molas chegámos ao fim doridos. Dos lábios sentidos de tanto desafio, as pernas trémulas das fantasias de circo, as coisas que se escondem com indisfarçável rubor do que não parou num movimento ritmado como bielas de máquina a vapor que puxa, a pouca-terra-pouca-terra nesses lençóis que não chegavam para nós e que se faziam chão, banheira, mesas e ombreiras, paredes para encostar. E joelhos. Esfolados. Doridos das omoplatas, e eu dos braços, de te segurar.

No dia seguinte eramos um farrapo. Serias incapaz de fazer parar pedreiros e serventes, e eu, incapaz de pouca-terra-pouca-terra. E a peça tinha ficado por ensaiar. Seria preciso viver tudo de novo, e de novo, até que a primeira cena com um beijo não nos fizesse cair no palco.

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Rumos

Já ninguém aqui mora
se me ausenta da esperança;
não, não podes em mim ficar
que a vontade ainda implora
que eu sonhe, como uma criança,
com quem vem para ficar,
como uma mulher que chora,
por cravada na tua lança
ser impedida de sangrar.
Não! Mais que aqui e agora,
maior que qualquer aliança,
quero a hora de sossegar,
quero crescer no que demora.
Não! Já ninguém aqui mora
sem serena e eterna dança
sem música para embalar.

Mo(nu)mento alto do sorteio para o Mundial



HenriCartoon

«Body» anúncio da Victoria's Secret com Gisele Bundchen

04 dezembro 2009

Toca-me



Toca-me!
Toca meu corpo,
Instrumento que espera
Pelo suave toque dos teus acordes

Toca-me!
Toca meu corpo,
Violino teu no timbre exacto
Suspirando notas em perfeita harmonia

Toca-me!
Toca meu corpo,
Conduz teu corpo sobre o meu
Que vibra à espera do primeiro tom

Toca-me!
Toca meu corpo,
Arranca de mim as mais belas notas
Para entoar segregadas aos teus ouvidos

Toca-me!
Toca meu corpo,
E cala a minha boca com um beijo teu
Acolhe meu corpo que tua boca recebeu

Maria Escritos
Blog Escritos e poesia

Café da manhã


Quando eu era
A senhora dos olhos verdes
As tuas palavras e gestos
Tinham um significado
Ternurento de amor
Quando eu era
A senhora dos olhos lindos
Ria-me no teu sorriso
E beijava-te os lábios
Com o meu olhar
Era então a senhora
De lindos olhos verdes
Que saboreava
O café das manhãs na tua boca
Húmida quente e minha
Mais uma vez...
Era a senhora dos olhos lindos.

Foto e poesia de Paula Raposo


A Sandra começou a aperceber-se que o seu desenhador esteve outra vez nos copos.

03 dezembro 2009

Hotel (by: Florlinda Espancada)

Chove no hotel de manteiga
quando levanta a redoma;
chove sempre de madrugada
antes de iniciar o desfile
dos que se escondem de casa,
chove sempre nas persianas;
uma a uma, vão entrando visitas
e vão chovendo os seus desejos:

os quartos como abraços
que torcem,
as paredes como seios
que mordem,
as cortinas como cabelos
que puxam,
as camas como colos
que esmagam,
os lençóis como pele
que rasgam;

vão pingando os seus anseios
como quem entra para ficar;
estranha exigência de habitar
de quem apenas fica para o baile,
de quem sabe que apenas passa
mas se apodera de confortos alheios,
usando nos olhos uma promessa
que apenas serve para enganar.



_______________________________
A Florlinda pode beber um pouco demais mas o Santoninho é que fica ébrio:
"Florlinda,

Eu dar-te-ia a beber um trago de vida
Servido num cálice feito de paixão !
E dar-me-ias a tua alma corrompida
Em troca de momentos de ilusão !

Perderias toda a sede num momento,
Arderias em amor e felicidade...
Beberias do meu ser, o alimento
Que te traria, de novo, a mocidade !

Florlinda, tu não sabes que teu peito
Inebria, de júbilo, os meus sentidos !
Percorro tua nudez com todo o jeito,
E deixo-os, nas minhas mãos, esquecidos...
...
...

...
Florlinda Espancada,meu amor !

Queres porrada, minha puta, meu coirão?
Que te foda os cornos, à chapada?
Porque sei que só podes ter tesão,
Se te der nas ventas, à chapada!

Queres mais, minha puta deslavada?
Que te enfie, pelo cu, o meu bastão?
Desgraço-te com uma carga de porrada
Até uivares como uiva um reles cão!

É porrada, é tareia, o que tu queres?
É foder, submissa, subjugada?
Desgraçada de ti, quando souberes,
Que não passas de uma puta desgraçada!"

Diária Reduzida

– E quando me quiseres mandar passear, manda – afirmou o homem, teatralmente sério, pousando a chávena de café. – Não me sugiras passeios.
– Desculpa?
– Porque é que percebes tão bem umas coisas e outras não? – questionou ele após uma curta pausa, franzindo as sobrancelhas e cerrando os lábios, no fim.
Ela constatou em silêncio mas com ar trocista o cerrar dos lábios e o obtuso movimento dos apêndices pilosos, esperou que estes aquietassem e perguntou com ar desafiador:
– Estás a falar de quê?
– Se queres saber – começou ele, hesitante, com a expressão mudada, comprometida. Ela percebeu a mudança e acenou positivamente com a cabeça. Ele completou de um fôlego: – Se queres saber, não sei o que temos e não sei se quero ter o que temos.
A mulher contraiu os seus lábios finos, exageradamente vermelhos, passou a mão pelo cabelo, demasiadamente liso, e, num tom especialmente meloso, declarou:
– Não estou a perceber, Luís. – Ela mantinha os cantos da boca descaídos mas os olhos sorriam maliciosamente, distraindo-o. – Não sabes o que temos?
Ele anuiu com um movimento subtil da cabeça. Ela continuou:
– Não sabes se queres ter o que não sabes que temos?
Ele repetiu a ratificadora cabeçada. Ela continuou:
– Ou não sabes se queres ter o que não sabes se temos?
O homem ponderou a pergunta, sem cabeçadas nem movimentos de apêndices pilosos ainda que não se sentisse nada confortável, e esclareceu, sem certezas:
– Não sei se quero ter o que não sei que temos – rodou a chávena do café e concluiu: – porque temos alguma coisa, isso é certo… O se… O se temos… – gaguejou, calou-se e, após mais uma volta da chávena sobre o pires, acabou por reformular a frase dizendo-a como se encontrasse a fórmula correcta: – Não sei se quero ter o que temos, que eu, de qualquer forma, não sei o que é.
Ela olhou-o com o mesmo brilho trocista nos olhos e agora um trejeito quase sorridente nos lábios e, aveludando a voz, perguntou:
– E o que tem isso que ver com eu te mandar passear em vez de te sugerir passeios?
Ele tossiu, repetiu os estafados movimentos das sobrancelhas, que acompanhou com um hesitante encolher de ombros e, antes que a chávena enjoasse com mais uma volta sobre si própria, a mulher, sem levantar o volume ou alterar o tom, avançou:
– Não me queres comer, é?
Surpreendido com o modo e o tom da pergunta, o homem a quem ela chamava Luís engasgou-se na sua própria tosse.
Ela insistiu:
– Já não me queres comer?
Disse-o a sorrir mas ele não via, nem queria. De cabeça baixa, imaginava-lhe os olhos verdes, brilhantes, troçando ternamente de si, picando-o, convidando-o…
– Quero – disse o homem, levantando a cabeça.
Ela olhava-o, agora sem expressão definida, de olhos postos nos dele.
– Eu pensava que era isso mesmo que tínhamos… Que temos – corrigiu. – Julgava que era isso que nos ligava…
– Eu querer-te comer? – Interrompeu ele, pouco à vontade com a crueza da expressão.
Ela riu, gozando com o seu atabalhoamento, e atacou:
– Tu quereres comer-me?! Não! Nós querermos comer-nos.
– Ah!
– Mas porque julgam os homens que a antropofagia sexual é um exclusivo masculino?
– Desculpa?
– Sim, vocês continuam a julgar que são os machos dominantes, que são caçadores e que nós somos as presas… Ah!... Haviam de ter sido bons tempos… Pelo menos, para vocês. Era tudo muito mais simples, admito…
– O que raio é a antropofagia sexual?
– Ainda estás aí?
– Desculpa?
– Ainda estás a pensar no que é a antropofagia sexual?
– Sim, estou… É a vontade de nos comermos uns aos outros?
– Uns aos outros?!... – Ela olhou-o com uma careta. – Hum… Não sei porquê mas isso não me soou muito bem. Tu queres comer outros?
– Outras! Eu não quero comer outros, eu quero comer outras!
– Outras?! Porquê eu não te chego?
– Não é isso! – reclamou ele, com ar pomposamente ofendido.
– Não, então é o quê?
Ele arrastou um “Ah!...” como se tivesse sido apanhado de surpresa, abriu um sorriso e esperou que ela dissesse alguma coisa. Ela, que sabia que os silêncios o aborreciam, levantou as sobrancelhas, olhou-o com cara de caso e esperou pela resposta dele.
Ele engoliu em seco, sem saber o que dizer.
Ela insistiu:
– Afinal, eu chego-te ou não?
– Chegas – anuiu ele. – Não só me chegas como me ultrapassas.
– Queres dizer, então, que não queres comer outras?
– Não.
– Não queres dizer ou não queres comer?
– Não quero comer.
– E a mim?
– Quero.
– Eu chego-te?
– Bates-me?
– Se quiseres…
– Estava a brincar.
– É pena…
– O quê?
– Nada… Dizes tu que eu te chego? – Ele concordou. – E que, afinal, apesar de não saberes o que temos e de não saberes se queres ter o que nem sabes que temos me queres comer… – Ela chegou ao fim da frase quase cansada e resumiu: – No meio dessa tua complicação, o que sabes é que me queres comer.
– Sim, quero.
– A mim e à tua mulher.
– À minha mulher?
– Sim, não a andas a comer… Não a andas, legitimamente, a comer?
– Raramente.
Ela olhou-o, franziu o nariz, abanou a cabeça e disse:
– Não vamos por aí.
Ele anuiu em silêncio, com uma careta.
– E afinal – recomeçou ela –, não percebi, no meio disto tudo e ao mesmo tempo, queres que te mande passear?
– Sim.
– Queres?!
– Não.
– Não?! Ainda agora disseste que sim… Queres ou não?
– Acho que devia querer. Queria querer que sim…
– Querias querer querer que eu te quisesse mandar passear?
– Não, queria só querer que me mandasses passear.
– Mas não queres?
– Quero querer mas não consigo querer… Não, não quero.
– Porquê?
Ele encolheu os ombros, deixou que lhe surgisse um sorriso interesseiro e um brilho no olhar e declarou, baixando os olhos:
– Gosto dos teus seios.
– Mamas – retorquiu ela depois de franzir o sobrolho, com um sorriso. – Mamas.
Ele levantou os olhos e gostou do sorriso.
– Mamo.
Ela riu. Ele coçou a bochecha direita. Ela riu mais.
– Não é isso – esclareceu. – Mamas – repetiu entre gargalhadas.
– É isso – respondeu ele. – Gosto das tuas mamas.
– Das duas?
– Nunca tinha pensado nisso – disse ele, depois de uma pausa que repetiu, como se pensasse nos assuntos. – Acho que sim… Sim, gosto das duas por igual – respondeu cheio de certeza.
– E de mim?
– De ti?
– Sim, de mim, a portadora das mamas. Gostas?
– Muito.
– Parece que cresceste – comentou ela, sarcástica.
– Que cresci?
– Sim – disse ela enquanto dizia que não com a cabeça. – Ainda agora parecias um miúdo, um miúdo complicado, cheio de incertezas, sem saberes o que querias ou o que deixavas de querer… Um adolescente cheio de dúvidas e remorsos, que queria querer que eu o quisesse mandar passear e, de repente, olhas-me para as mamas e, como por magia, estás um homem feito.
Ele encaixou as palavras dela sem pestanejar, aceitou-as com um sorriso e declarou a sua concordância muda com movimentos ascendentes das sobrancelhas. Pousou duas moedas em cima da mesa para pagar os cafés. Levantou-se, estendeu-lhe a mão, que ela agarrou, e, de mãos dadas, seguiram em passo decidido e determinado.

Só pensa naquilo


Alexandre Affonso - nadaver.com

02 dezembro 2009

O Castigo

Quando ele entrou no quarto, de toalha pelos ombros, ainda ela estava nua, junto aos pés da cama, de pele húmida, limpando as últimas gotas com uma toalha amarela, turca, que combinava bem com o seu tom de pele e com o cabelo. De costas para ele, sentiu-o entrar no quarto pelo ranger da madeira. Mas não se inquietou. Houve, sim, hesitação nos passos dele, um momento breve em que os passos passaram a centímetros. Mas então, resoluto, avançou para ela e deixando cair a toalha, com engenhosa manobra de mão no ombro e outra na nuca, virou-a para si e puxou-a para um beijo. Tocaram-se os lábios, invadiram-se as bocas com línguas sedentas, os corpos juntos e frescos, os mamilos dela erectos e a pele vagamente arrepiada.

No final do beijo, medido com precisão, entre a ânsia do ter e do não atrasar demasiado o depois, empurrou-a com aparente violência para cima da cama. A expressão dela transformou-se por um instante, uma face de surpresa que num instantâneo fotográfico pareceria reacção a violência gratuita. Mas logo se alterou, e do espanto motivado pelo abrupto do empurrão passou a um sorriso matreiro, e depois, mordendo ligeiramente o lábio, provocante. Estava caída na cama, de tronco ligeiramente erguido, apoiada sobre os cotovelos. Uma perna totalmente estendida, a outra dobrada num ângulo quase recto, como recto estava ele com a visão daquela nudez disponível. Perna essa que ela deixou tombar, e caíndo de lado revelava a sua vulva, bonita, tratada, com sinais discretos de uma humidade apetitosa.

Debruçando-se sobre a cama, mas sem lhe tocar demasiado, aproximou-se dos seus ouvidos e disse-lhe “és tão doce”. Ela sorriu enquanto a cabeça acompanhava o movimento e se aproximava dele, e com os lábios juntos à orelha perguntou-lhe «é por ti que o dizes? provaste-me ou ouviste dizer?». E ele repetiu “és tão doce”. Para não se esquecer. Porque as coisas que se dizem duas vezes gravam mais fundo. E então ela cruza uma perna por trás dele, e aperta-o. E como o pé vai subindo e descendo sobre a perna dele, e os braços agarram-no. E de novo lhe diz, baixinho e ao ouvido «prova-me agora. Possui-me!». Nada disto era discurso contemporâneo. As pessoas já não se possuem. Comem-se, fodem-se, amam-se. Mas não se possuem. Mas ela sabia que ele queria ouvir isso. E ela queria muito ser possuída, entregar-se, abrir-se, perder o controlo de si mesma e deixar-se comer e foder, talvez amar, à sua maneira, à maneira dele.

Deslizando, beijando-lhe o pescoço, os ombros, os mamilos, a barriga, provou-a. Naquele calor e sumo venerandos, o sabor que nunca cansa, de um fruto delicado. Tinha para ele, e nada ali o fazia duvidar, que as vulvas eram presente divino, banquete real, para degustar sem fim. Sem o poder ver, porque se deleitava de olhos cerrados, para intensificar o sabor, imaginava que ela se transfigurasse, que a sua boca assumisse muitas formas, que a sua face sofresse muitas transformações enquanto os seus músculos se confundiam na discussão sobre a melhor forma de demonstrar o prazer, ou como se controlar perante estímulos tão intensos. Pelo movimento das pernas dela, tudo o fazia crer. Começaram tensas, mas depois quebraram-se num estilhaço, abrindo para lá do que era de abrir, arqueando-se as costas, ondulando a barriga, comandando ela o rigor com que a sua vulva se castigava contra ele. E as mãos, uma repuxando pêlos púbicos, outra repuxando os cabelos dele – mais um pouco e ficariam carecas, os dois, cada um ao seu jeito -.

Quando o orgasmo se abateu sobre ela, saiu-lhe das cordas vocais um gemido longo e quase agudo. Apertou-lhe a cabeça entre as pernas, e depois deixou-se cair sem cair. Sem mudar de plano, estendida sobre a cama, deu de si, relaxou todos os músculos e sentiu-se rendida, rindo nervosamente. E a sua vulva, mais bela que nunca, viva, pulsante, e a face, ruborizada, perdida do mundo, perdida de tudo. Ele recompôs-se e disse-lhe, pela terceira vez “és tão doce. Muito doce”. «Então beija-me». E depois. «E fode-me». E acrescentando «toda!».

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