08 janeiro 2010

Pano bordado à mão

Mais um têxtil lar comprado para a minha colecção, em Roma.
Este pano é uma delícia, com uma senhora que só tem por cima um negligé translúcido e que se pode levantar um pouco, deixando que se espreite as pernocas da moça.




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Puxão de orelhas do Bartolomeu (um ciumento do caralho):
"Só compras porcarias...
É nisto que gastas o dinheirinho que eu ganho com tanto sacrifício e que te entrego religiosamente todos os finais de mês, com a finalidade de alimentares e vestir convenientemente os nossos filhinhos?
Não mereces o meu esforço e a minha confiança, São Maria Policarpa Rosas.
Ficas sabendo, a partir deste momento vou passar a gerir eu o orçamento familiar e, quando quiseres cortinas para as janelas, pegas nuns sacos de plástico do continente, cortas ao meio e colas uns aos outros com fita-gomada e tens umas cortinas à la mode, com a vantagem de serem laváveis, o que facilita bastante a limpeza daquelas auréolas amarelas que os teus amigos deixam ficar quando fazes aquelas festinhas lá em casa, sempre que eu tenho de ficar a trabalhar de noite lá na fábrica, a tentar ganhar mais uns tostões!
Estamos entendidos?
Isto um homem, se não mostra determinação, a sua gaja esbanja-lhe o dinheirinho todo em cortinas..."

Declaração de baixa

"Exmo. Sr. Chefe

Esta semana aconteceu-me algo que não esperava. Num espantoso acidente acabei quebrando um osso. Por isso não me verá nos próximos 30 dias, a recuperação é lenta e exige repouso. Impossível aparecer e executar o meu trabalho.
Junto envio a radiografia que comprova a ruptura.
Com os melhores cumprimentos e desejando que isso nunca lhe aconteça,
O trabalhador

Anexo: Radiografia"

Maria Escritos
(não resisti a partilhar este atestado)

07 janeiro 2010

O Amigo Oculto

– Não me dizes que és a minha fã número 1? – perguntou ele, levantando a cabeça do colchão.
– O quê? – inquiriu ela, terminando de lhe prender o pé direito à cama, sem lhe prestar atenção.
– Como no filme… – gracejou ele. – Não me dizes que és a minha fã número 1?
Ela olhou-o, pensativa, decifrando a referência cinéfila, ajeitou cuidadosamente o gorro de Pai Natal, depois verificou se os pés dele estavam bem presos e, por fim, sorriu. Olhou-o e sorriu, reconhecendo o filme.
– Para isso – disse ela, segurando-lhe o dedo grande do pé direito, que apertou –, tinha de ir buscar um martelo. – Piscou-lhe o olho, fechando o sorriso. – Não era?
– Um martelo?! – repetiu ele, engolindo em seco, esquecido desse desenvolvimento. – Não, não é preciso nenhum martelo – conseguiu dizer. – Não precisamos de seguir o filme… Aliás, isto não tem nada… Não, não é preciso martelo nenhum – insistiu ele, sem conseguir ligar as frases, que lhe saíam em golfadas descontroladas, enquanto procurava disfarçar os repelões às algemas que o prendiam à cama. – Não é preciso!
– Venho já – anunciou a mulher, tornando a piscar-lhe o olho agora com um sorriso enigmático e nada auspicioso. – Já viste que és um xis? – perguntou ao sair.
Aflito, o homem intensificou, sem qualquer método ou atenção, os movimentos dos braços e das pernas para se tentar soltar das algemas revestidas com pêlo cor-de-rosa que lhe prendiam os pulsos à cama e dos macios cordões que lhe manietavam os pés, enquanto se consumia de arrependimento de ter ido ao jantar de Natal do escritório, de ter oferecido as algemas de sex-shop no amigo oculto que, no caso, pelas regras dos jantares, sempre iriam para uma colega e de, no fim, já com o álcool a falar por ele, se ter oferecido de forma patética para as experimentar.
– Um xis… – mastigou, entaramelando as palavras. – Sou um x na cama e não me sentiria melhor se fosse outra letra qualquer. – Riu-se. – Podia ser pior… – continuava a falar sozinho. – Era muito pior…
– Então? – perguntou a mulher, que reentrara no quarto, toda nua só com o gorro e com o braço direito atrás das costas.
O homem deu uma gargalhada mais nervosa que satisfeita:
– Podia ser um xis e estar virado para baixo.
Ela sorriu, erguendo as sobrancelhas concordante.
– Trago-te aqui uma surpresa – disse, mostrando-lhe o cotovelo dobrado para trás das costas.
Ele ficou branco e olhou-a num silêncio sepulcral, as sinapses que o ligavam ao martelo já se tinham diluído no álcool mas, em seu lugar, aparecera uma máquina fotográfica ou um telemóvel para o fotografar ou filmar, o que lhe aumentara a sensação de trágica impotência e terror catastrófico.
– Hei! – gritou ela, voluntariamente encurtando o suspense. – É a tua prenda de Natal! – E mostrou-lhe uma venda para os olhos e um espanador. – Não embrulhei porque não conseguirias desembrulhar…
Aliviado, o homem riu.
Ela aproximou-se e colocou-lhe a venda. Desceu com o espanador lentamente da cabeça aos pés, agarrou com a mão livre o telemóvel que estava no chão, desejou-lhe
– Feliz Natal!
E reiniciou o laborioso trabalho com o espanador.

Elevador



Cabia mais uma pessoa no elevador;
Entrei eu.
Encostei-me o melhor possível,
para que a porta não me levasse
algum bocado de mim
(que poderia fazer muita falta).
Eu sairia no último andar
e tu também - pelos vistos -,
tudo se passou em segundos:
um apalpão aqui, outro ali,
mutuamente passámos a viagem
aos apalpões.
Sem uma palavra.
Pena que o prédio não tivesse mais andares...
Saímos – cada um para seu lado -
que acabou por ser o mesmo:
na empresa apresentaram-me o novo chefe.
O apalpador apalpado!

Foto e poesia de Paula Raposo

Então...

Então canta, canta
que eu perdi-me no tema,
sopra calor no meu peito
sopra-me alma de volta,
enrola-me nesse poema
que me sai das mãos de leito,

e então dorme, dorme
que a areia iluminada
pela lua não tem nome
e a nossa noite é muda,
se naufragar a nossa fome
nas mãos da madrugada;

Agora grita, grita
cada vez mais longe,
já nem te ouço o nada;
corre que a areia foge,
camada após camada
enterra o dia de hoje...



O Carlos nunca se arrependeu de ter trocado o seu carro velhinho por um novo modelo japonês.

06 janeiro 2010

Todos aos vossos barcos que estou a molhar tudinho!

A gerência do Webzine Muro surpreendeu-me há poucas semanas com um convite da lady.bug (a nossa Buguita mai'linda) para uma entrevista.
Eu sou tão tímida (e nem me ando a tratar) mas lá respondi ao que me perguntaram.


webzine Muro #4

São (sou eu) cinco páginas (da 24 à 28)

Ide lá, ide... e até vos podeis multiplicar...

Mais adiante, mais acima

Caminha sobre as águas rebentadas que anunciam o parto, águas agitadas, e tu dizes eu fico e avanças sem medo sobre o fogo, sobre aquilo que tiveres que percorrer até chegares onde tiver que ser para ser tua a vitória final.
Caminha pela glória total e nada menos exijas do que o estatuto de ganhador, sempre que esteja em causa um amor.
Caminha sem olhares o chão que cada pé pisar, aproveita.
Em cada paixão existe uma fórmula secreta que te ensina a voar.

dança-me comigo



entra em mim e faz-me sentir o eco das esferas celestes, aí, onde só tu sabes tocar (a música que me enTUSiAsma), cruza o teu querer com o meu, invade-me com o teu calor

dança-me comigo.

Piano nu

Os dedos pesados do sono,
o sono a pesar nos dedos,
os dedos sabem segredos,
confessam-se nas teclas do piano;

Os dedos desamparados nas teclas
as teclas desamparadas nos dedos
no piano transpiraram segredos
os dedos sabem-lhe a promessas;

O piano de língua pautada,
os dedos molhados do piano,
tocado a nu como um profano,
nua tocava a pianista sentada.


Casal de anjos-demónios

Peças de artesanato do México, em barro.
O macho tem uma serpente enrolada a uma perna e a fêmea segura num ananás. Se alguém me souber explicar o significado do ananás, agradeço.
E ainda dizem que os anjos têm o sexo indeterminado! Estes têm-no bem determinado... e já moram na minha colecção.


Resoluções de Ano Novo


Alexandre Affonso - nadaver.com

05 janeiro 2010

Livro de Eros (fragmentos)

por Casimiro de Brito


1
A morte não existe.
Tudo é sexo e canto.

14
O sexo é um festim; amar, uma cerimónia.

48
— Tenho um colchão novo e anseio prová-lo dançando contigo nesse chão. Abri uma garrafa de um Porto de 1988 e vou bebê-lo em dois copos pensando que o bebes comigo. Tenho frio. E bem sabes que só me aqueço quando te aqueço e só ardo quando te amo.

- Quando me meto na cama busco o ninho, onde estás? e não posso aconchegar-me se não em ti. Não te encontrar é encontrar apenas o corpo do frio. Beberei contigo esse Porto. Eis os copos, vou beber pelos dois. Depois falaremos cantaremos dançaremos foderemos quando os eflúvios se transformarem em presença real.

316
Talvez consigas não te perder quando vês os lábios secretos de uma mulher: um labirinto, e tanta profusão! Mas uma vez lá dentro o mistério é ainda maior, mas cola-se ao teu, e então tudo é possível, até a morte. A morte verdadeira de quem acaba de renascer, uma e outra vez.

329
Escuto no corpo, no sexo das mulheres que amo, a música maternal. O começo do meu nome, do meu próprio corpo. Que são vários ou este apenas, muito e múltiplo. Talvez não busque nas mulheres que amo o mito da mulher original — o meu silêncio antes de nascer, o meu rosto anterior ao meu nascimento — talvez busque a fonte feminina, a dos mitos, que em mim também prolifera.


fotografias de Sylvie Blum