– Não me dizes que és a minha fã número 1? – perguntou ele, levantando a cabeça do colchão.
– O quê? – inquiriu ela, terminando de lhe prender o pé direito à cama, sem lhe prestar atenção.
– Como no filme… – gracejou ele. – Não me dizes que és a minha fã número 1?
Ela olhou-o, pensativa, decifrando a referência cinéfila, ajeitou cuidadosamente o gorro de Pai Natal, depois verificou se os pés dele estavam bem presos e, por fim, sorriu. Olhou-o e sorriu, reconhecendo o filme.
– Para isso – disse ela, segurando-lhe o dedo grande do pé direito, que apertou –, tinha de ir buscar um martelo. – Piscou-lhe o olho, fechando o sorriso. – Não era?
– Um martelo?! – repetiu ele, engolindo em seco, esquecido desse desenvolvimento. – Não, não é preciso nenhum martelo – conseguiu dizer. – Não precisamos de seguir o filme… Aliás, isto não tem nada… Não, não é preciso martelo nenhum – insistiu ele, sem conseguir ligar as frases, que lhe saíam em golfadas descontroladas, enquanto procurava disfarçar os repelões às algemas que o prendiam à cama. – Não é preciso!
– Venho já – anunciou a mulher, tornando a piscar-lhe o olho agora com um sorriso enigmático e nada auspicioso. – Já viste que és um xis? – perguntou ao sair.
Aflito, o homem intensificou, sem qualquer método ou atenção, os movimentos dos braços e das pernas para se tentar soltar das algemas revestidas com pêlo cor-de-rosa que lhe prendiam os pulsos à cama e dos macios cordões que lhe manietavam os pés, enquanto se consumia de arrependimento de ter ido ao jantar de Natal do escritório, de ter oferecido as algemas de sex-shop no amigo oculto que, no caso, pelas regras dos jantares, sempre iriam para uma colega e de, no fim, já com o álcool a falar por ele, se ter oferecido de forma patética para as experimentar.
– Um xis… – mastigou, entaramelando as palavras. – Sou um x na cama e não me sentiria melhor se fosse outra letra qualquer. – Riu-se. – Podia ser pior… – continuava a falar sozinho. – Era muito pior…
– Então? – perguntou a mulher, que reentrara no quarto, toda nua só com o gorro e com o braço direito atrás das costas.
O homem deu uma gargalhada mais nervosa que satisfeita:
– Podia ser um xis e estar virado para baixo.
Ela sorriu, erguendo as sobrancelhas concordante.
– Trago-te aqui uma surpresa – disse, mostrando-lhe o cotovelo dobrado para trás das costas.
Ele ficou branco e olhou-a num silêncio sepulcral, as sinapses que o ligavam ao martelo já se tinham diluído no álcool mas, em seu lugar, aparecera uma máquina fotográfica ou um telemóvel para o fotografar ou filmar, o que lhe aumentara a sensação de trágica impotência e terror catastrófico.
– Hei! – gritou ela, voluntariamente encurtando o suspense. – É a tua prenda de Natal! – E mostrou-lhe uma venda para os olhos e um espanador. – Não embrulhei porque não conseguirias desembrulhar…
Aliviado, o homem riu.
Ela aproximou-se e colocou-lhe a venda. Desceu com o espanador lentamente da cabeça aos pés, agarrou com a mão livre o telemóvel que estava no chão, desejou-lhe
– Feliz Natal!
E reiniciou o laborioso trabalho com o espanador.
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