13 janeiro 2010

A devolução

Percorri o longo corredor com determinação. Chão muito escuro e iluminação discreta com paredes de madeira um pouco mais escura que cerejeira. Detive-me junto à porta. Sendo canhoto seria natural que estendesse a mão esquerda ao manípulo que também se encontrava à minha esquerda. Usei antes a mão direita, para poder abrir a porta e entrar em acto contínuo. Passando a porta havia um pequeno corredor. Do lado esquerdo uma porta de vidro fosco entreaberta revelava uma casa-de-banho com azulejos pretos, baços, e um lavatório branco assente numa estrutura de vidro. A parede do lado direito era preta, com um quadro pendurado e mais à frente uma televisão LCD. Depois havia uma cama, bastante larga. À minha frente, uma mesa estreita, de cortesia, e uma cadeira simples, artigo de design, mais do que de conforto. Virei a cadeira para a cama e sentei-me. À esquerda, um roupeiro com três portas, provavelmente de acrílico fosco, e três feixes de luz imbutidos que enchiam o quarto com uma coloração quente. À direita, uma janela grande com cortinas pesadas cinzentas claras. À minha frente, na cama larga, tu.

Estavas sentada no meio da cama, encostada à cabeceira. De pernas levantadas, noventa graus nos joelhos, vestindo apenas um ligeiro babydoll branco, vagamente transparente. Pela tua posição, estando eu sentado mesmo em frente a ti, era fácil ver que não tinhas mais nada vestido. Vendo-me instalado - embora nem por isso totalmente confortável -, pegas matreira nas pontas da pouca roupa, que afastas, para melhor poderes deixar tombar as pernas, até que as afastas tanto quanto podes e ocupas, com elas, todo o espaço, de uma margem à outra, da cama.

Lambes um dedo, sem tirar os olhos dos meus, e viajas com ele até à tua vulva, por onde te passeias sem qualquer tipo de pudor. A outra mão vagueia. Pelos seios, pelo interior das coxas, às vezes pela face. Não tiro os olhos de ti enquanto te tocas a pouco mais de dois metros de mim. Sinto o calor daquele quarto aquecido, no contraste da tua nudez com a minha roupa de Inverno. Estou imóvel a observar-te. Tomo nota mental de todos os movimentos e expressões que fazes, e no entanto fixo muito pouco o olhar na tua genitália, olho com muito mais sede a tua cara, conseguindo detectar o movimento de todos os músculos. Os lábios, os olhos, a dilatação das narinas quando pedes mais oxigénio para o sangue que te corre veloz.

Há espasmos nas tuas pernas que denunciam o orgasmo. Como se perdesses por instantes o controlo dos teus músculos. Como se alguns deles se sacudissem num caos de electricidade. Mas tudo isso chega ao fim. Detecto suor em ti, e deixas as mãos cair ao longo do corpo, uma delas com dedos melados, e um odor que invade o quarto e me sacia. E tudo isto se passa num quase perfeito silêncio, que só se quebra pela tua respiração ofegante e por irritantes barulhos de madeira a ranger sempre que me ajeito uns milímetros, sentado de perna cruzada, ora uma, ora outra, cruzando os braços ou agarrando a cadeira.

Enquanto ajeitas o cabelo e te deixas escorregar pelas almofadas eu levanto-me. Caminho em direcção à porta do quarto, parando a meio para abrir totalmente a porta entreaberta da casa-de-banho. Coloco a mão no bolso e retiro as tuas pequenas cuecas, que pouso junto ao lavatório. Detenho-me por meio instante junto à porta. Atiro a mão esquerda ao manípulo e rodo-o. Esgueiro-me e fecho-a atrás de mim. Enquanto caminho pelo corredor, em direcção ao elevador, levo a mão ao bolso e pego no meu telefone. Digito o teu número e carrego em enviar. "Amanhã dou-te o resto".

Implícito

Não, não está nada implícito,
nem uma única vogal,
nem uma só consoante;
que se rasgue essa palavra,
essa despudorada cabra,
promíscua e diletante
que se estende nas entrelinhas
e rebola de prazer,
só assim, a semi-ser, semi-gemer.
Ah! As palavras ainda são minhas,
o que subentendes, eu grito,
e o grito será fatal
nem que seja por um instante,
um momento em que te sangra,
um segundo em que te lavra,
da impiedade dura e inquietante
que me tentava abrir as pernas
para dentro de mim crescer,
para dentro de mim me beber
e apoderar-se das certezas.


Mais porno na padaria

A Didas ganhou-lhe o jeito e agora é vê-la por aí fora...


Vamos jogar ao ringue?


O costureiro


Casting dos ídolos

Pornos anteriores:
Primeiros
Segundos
Terceiros
Quartos

Assédio ao capitão



HenriCartoon

12 janeiro 2010

Livro de Eros (fragmentos)

por Casimiro de Brito


397

Diante de uma cona como a tua, e depois beijando-a, entrando e saindo, alojando-me nela, não gemo: comovo-me rio choro delicio-me canto uivo urro mas, noutras vezes, fico quietinho e em silêncio... para fazer durar, para ouvir o chão, para sentir as raízes que vêm do poço celeste apoderarem-se ora ardendo ora fresquíssimas do meu pequeno tronco e transformarem-no em mais um afluente complacente desse rio misterioso que vem de muito longe.

Quando te beijo é como se beijasse uma flor carnívora, quando te acaricio é como se me enroscasse em lianas de água salgada, quando o aconchego nas tuas mamas desejava que ele tivesse boca para te chupar os mamilos, quando me enrosco nas tuas nádegas alcanço a serenidade dos sábios, quando te fodo é como se viajasse pelo céu e por todos os seus abismos... mas feliz, feliz, sou mais ainda quando o fazes crescer e o transportas rio acima e rio abaixo por todo o teu corpo, e sobretudo quando, metendo-o na boca, sinto lábios e línguas e salivas e dentes e artes que nunca ninguém gravou no meu barro... em resumo: se tivesse diante de mim a “Origem do Mundo” do Courbet e a fotografia da tua boca aberta, era na tua boca que eu resumia tudo o meu corpo, instintos, desejos, e entrava para dentro, passando a fazer parte de ti, que nada se pode perder, nada... e por isso lambo as gotas que sobram depois de me teres engolido, e por isso te peço (mas não é preciso pedir, pois não?) que me lambas todo e tudo a cada momento para que nada resvale para outro lado que não seja para dentro do teu corpo louco e divino. Sabias?


fotografias de Peter Lindbergh

Inverso


Saberia o caminho
-como assim?-
por onde iria;
pensava que sabia
(ela)
e foi muito decidida.

Passaram anos
(sobre o caminho)
e ela concluiu:
se tivesse que o percorrer
-novamente-,
fá-lo-ia sempre
(o caminho),
no sentido inverso.

Foto e poesia de Paula Raposo

Conto das máscaras (V) - Acusações (II)

Habituaste-te à comodidade do aparente alheamento. O que sei eu? Quantas vezes o que começa por ser uma máscara deliberada, premeditada, se cola à pele do rosto e nos transforma o corpo em marionete? Não sei. Porque assim te suga o alheamento; é como adormecer, sabes que tens sono, depois adormeces e então não sabes que estás a dormir. Talvez uma suave percepção, raramente, se o sonho for muito estranho - mas o mundo é sempre um sonho estranho. E consegues acordar, quando percebes e quando queres? Talvez não exista a palavra amor para entregar mas, talvez, só talvez, contigo o sono fosse um pouco menos profundo. Talvez fosse. (E dispensou o amante)...



Os morcegos-caralho gigantes


1 página

oglaf.com

11 janeiro 2010

Um ano do Katano

página de validação de tiragem do diciOrdinário ilusTarado, com um autocolante que, se removido, deixa ver a frase «O balão fugiu? Puta que o pariu!»
O Katano é que sabe fazer revistas do ano que passou. Já publicou as partes 1 e 2.
De uma forma perfeitamente aleatória e sorteada na presença do governador civil do Sétimo Céu, respigámos (palavra linda...) este excerto:

"Junho, e 2009 já agora, também seria seria marcado pelo evento que veio alterar irremediavelmente o meio literário nacional: a publicação da obra de vulto, o DiciOrdinário Ilustarado. Eça é que é Eça!"

Quem ainda não tem um exemplar do DiciOrdinário Ilustarado (que pode ser comprado aqui) não sabe o que está a perder (e a ganhar, com o que poupa do preço do livro, verdade seja dita).

O quarto conto: checkpoint

A camisola esgaçada do lado esquerdo. Era a mesma de ontem e de anteontem. Não interessava. Talvez as aves de rapina já nem distinguissem a sua pele de qualquer outro tecido morto e tivessem começado a bicar por ali. Talvez preferissem bicar a camisola porque o seu sangue era apenas a cinza dele misturada em suor, um líquido pastoso que, bombeado em esforço, enchia a cavidade do coração de um tom negro. Não interessava. As mãos da noite nunca mais no cabelo. Nada interessava. O dedo do amante apontado a acordá-la para a verdade. Não interessava. Amantes em fila. De todas as cores e sabores. Quando o corpo doía do sexo amorfo, outra dor maior era camuflada por instantes. Por instantes. Uma dor na carne. Instantes de vida. Devorou os homens que fecharam o caixão. Podiam ter ainda partículas nos dedos. Vingou-se, assim, na luxúria deles frustrada por tanta frieza. Enlouqueceu. Dedos acusatórios. Mãos da noite nunca mais nos cabelos...

Como nem sempre o frio é entrave ao amor

Foto obtida por: Jorge Costa para o BEIRA.TV

O erotismo no meio das tragédias

É curioso que um livro intitulado «Didon, Tragedie», publicado em 1747 (sim, sim, há mais de 250 anos!) tenha, depois de 94 páginas de tragédia e antes das páginas finais com mais uma tragédia («Adelaide de Hongrie»), um pequeno oásis de 46 páginas com um poema erótico em quatro cantos - «Les oiseaux chéris, ou la fidélité récompensée» - precedido de umas «réflexions sur la poésie érotique».
Mas o erotismo é, também, isso: um oásis no meio de tragédias.
Mais um livrinho da minha colecção.






10 janeiro 2010

Janeiras, ainda...

(À São, essa alma impoluta, que me entendeu uma ausência e a quem nunca eu daria uma nega...)

não fui cantar as Janeiras
meu amor porque não pude
fiquei-me pelas lareiras
aquecendo uma atitude

mas hei-de ir um destes dias
mais quente de cima abaixo
se tu me deres garantias
de me achares tu como eu te acho

que Janeiras bem cantadas
são um manto de emoções
neve hão-de ter nas estradas
mas aquecem corações

e ao dares de ti dó de peito
junto a mim no teu cantar
havemos de dar um jeito
do dó em sol se tornar