11 janeiro 2010

O quarto conto: checkpoint

A camisola esgaçada do lado esquerdo. Era a mesma de ontem e de anteontem. Não interessava. Talvez as aves de rapina já nem distinguissem a sua pele de qualquer outro tecido morto e tivessem começado a bicar por ali. Talvez preferissem bicar a camisola porque o seu sangue era apenas a cinza dele misturada em suor, um líquido pastoso que, bombeado em esforço, enchia a cavidade do coração de um tom negro. Não interessava. As mãos da noite nunca mais no cabelo. Nada interessava. O dedo do amante apontado a acordá-la para a verdade. Não interessava. Amantes em fila. De todas as cores e sabores. Quando o corpo doía do sexo amorfo, outra dor maior era camuflada por instantes. Por instantes. Uma dor na carne. Instantes de vida. Devorou os homens que fecharam o caixão. Podiam ter ainda partículas nos dedos. Vingou-se, assim, na luxúria deles frustrada por tanta frieza. Enlouqueceu. Dedos acusatórios. Mãos da noite nunca mais nos cabelos...

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