14 março 2010

Acontece


Decididamente não era o meu dia:

cheia de ramela, o cabelo nojento,
duas borbulhas(!) no meio de cada bochecha,
uma vontade imensa de vomitar
e o desconhecimento da data:
que dia era?
sábado? terça feira? sexta feira?
tinha que ir trabalhar ou não?!
Que raio!

Que horas eram?!
sem electricidade não era nada fácil, saber.
Sem rede no telemóvel, ainda menos.

Cheia de frio, a sentir-me horrorosa,
lá me levantei.

O espelho tinha mudado de lugar,
a casa de banho, também.
A cozinha era minúscula
e a sala não estava onde eu pensava(?!)

E?! Eu estava onde?
Nunca o soube.

Mas sobrevivi.

Foto e poesia de Paula Raposo

Megan Fox na banheira - anúncio da Motorola

Já não há respeito...


crica para visitares a página John & John de d!o

13 março 2010

«Esta noite vou beber licor» - Guida

"Esta noite vou beber licor.
Espero por ti, com o jantar já pronto. Terei espalhado velas pela sala e, como escolhemos um dia de chuva e frio, acendo a lareira.
No ar aquela música que escolheste para nós, lembras? Combinámos às 20:00, já são 21:00 e tu não chegas. Tinhas prometido que não te atrasavas. Tinhas prometido que mal chegasses me beijarias e levar-me-ias para a cama e só depois jantaríamos. Tinhas prometido que não aguentavas de saudade. Espero por ti ansiosa com um presente que escolhi para ti como se eu mesma o tivesse bordado.
É que sabes, meu amor, estou farta de promessas. Estou cansada de te sonhar. São dez horas e nem um telefonema. A comida já esfriou e a lareira vai perdendo a cor. Apaguei as velas. Deitei fora a tua comida favorita. Cuspi os teus beijos. Despi-me do teu cheiro que havia sonhado. Bebi o licor. Vesti-me e saí para a rua à procura de afectos. Quando chegares leva o cão à rua e fode-te."
Guida
Blog
Longe do Mundo

O Katano e a sua Minhota visitaram a minha colecção

"Ontem, de passagem pela mui nobre e antiquíssima urbe de Coimbra, tive a oportunidade de visitar a colecção, de objectos dedicados à temática da malandrice, da São Rosas. Digo-vos, aquilo é impressionante e merecia um espaço próprio de exposição. A colecção é um espanto e quase que podia fazer queixa à polícia por ela ter aquilo ali escondido do Mundo. Como se convence uma autarquia a criar um «Museu Erótico»?

Blog do Katano Serviço Público"

Ansiar

De pernas afastadas
desenham-se enseadas
onde estranhos barcos aportam
E nesta enseada
por mim desenhada
tantos adentram
só tu a alagas
Adentras pelas costas
beijo de maresia cálida
tens ondas que rebentam
entre pernas a noite pálida
nas ancas da madrugada
Nos seios deslizam
grãos de areia iluminada
nos lábios escorregam
gotas de paixão prateada
da maresia apaixonada
E nesta enseada
por mim desenhada
muitos adentram
só tu salgas.


Fica desde já avisado!



Capinaremos.com

12 março 2010

palavras...

A propósito da entrada, lá mais para baixo, de «Autoputaria» - poema de Ildásio Tavares – e do excelente comboio poético que se lhe seguiu, com a devida vénia – sim, sim, e com as devidas cautelas, também… - aqui fica o meu poema, pelo comboio sugerido:

ó palavras que me encheis a boca tanto
quanto o pranto preenche a alma vazia
ó palavras que me encheis de tal quebranto
quanto a fome de comer me dá azia

ó palavras que abocanho verso a verso
num poema sem tamanho apetecido
ó palavras com que mordo o universo
ao ficar de tanta fome remordido

ó palavras vinde a mim – tomai-me todo
tende em mim no corpo todo uma guarida
ó palavras dai-me alento se não fodo
pois sem vós nem sei bem que faça à vida

ó palavras de cumprir cada destino
elegantes ou de perfil curto e grosso
ó palavras contra a fome que abomino
dai-me alento que estou pr’àqui que nem posso

ó palavras minhas irmãs ou amantes
masturbáticas solenes coniventes
ó palavras que não fique como dantes
tudo em volta ao sairdes dos meus dentes!

OrCa

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Quem ode também está a pedir para ser odido:

"Serão palavras somente
Que a tua boca enchem?
Ou serão, evidentemente
As palavras que te mentem?
E o que enche a tua boca...
É uma avidez de gente
Um gemido com voz rouca
Um corpo lânguido ardente
Uma fenda que já louca
Te pede que lhe espetes o dente?

Bartolomeu"

A vida inspira-nos


No mais recente spot publicitário da saga Jorge Gabriel/Millenium BCP o protagonista diz que mais vale um pássaro na mão mas o anúncio prova que se trata não de um pássaro (não põem ovos, pois não?) que ele acarinha com ambas as mãos mas de uma passarinha.
Será a isto que chamam mensagem subliminar?

Feitos


Existem momentos que dispensam palavras:
esses são os momentos que todos desejamos.

Sem palavras. Só gestos. Alguns murmúrios,
a água flui, o desejo cresce
e a vida faz sentido.

Esses momentos (que existem),
são partes de um todo;
o todo simples de nós,
esse todo de todo feito
- talvez uma busca-
feito de um momento.

Acaricia-me.
Fiquemos por aqui.

De momentos e feitos.
Feitos os momentos
de partes de um todo
- um todo meu-
flui a água e o desejo,
como gestos de mim.

Foto e poesia de Paula Raposo

O Idiota

O farsolas meneou a cabeça num trejeito estudado de enfastiado interesse e calma displicência, como se fizesse o favor de a ouvir.
Ela falava e sorria. Falava e sorria com a boca, com os olhos e com as mãos. Na realidade, olhando com atenção, ela falava e sorria com todo o corpo.
O farsolas ouvia, mas, verdadeiramente, não ouvia nada. O farsolas estava ali por si próprio, ainda que se desse ares de genuína, mas altaneira, atenção.
Ela que estava ali por ele, provavelmente pensando que ele era outro, continuava a falar, a contar, a dar-se, entusiasmada e feliz, tentando agarrá-lo pelos ouvidos. Fazendo conversa pelos dois.
O farsolas interessado apenas em si e no que podia conseguir dali, procurava, numa elaborada mas oca encenação, acompanhar e reagir à conversa e ia sucessivamente debitando murmúrios, monossílabos, trejeitos e gestos que, sem lhe fazer perder a pose interessada e o mistério sedutor, se integrassem no que ela lhe dizia e contava.
– E tu? – interpelou-o ela, sorrindo.
– Eu? – engasgou-se o farsolas. – Eu? – repetiu teatralmente, com ensaiada modéstia.
Ela confirmou a pergunta com um aceno gracioso e um sorriso paciente. Ele sorriu indolente e engoliu um terceiro eu, fantasiando que ela o viesse a fazer.
– Eu não gosto de falar de mim – declarou, por fim, sério, erguendo a sobrancelha direita. Pousou a sua mão sobre a dela e erguendo-se ligeiramente sobre a mesa para se aproximar dela, ciciou: – Há tanta coisa boa para fazer com a boca e com língua que perder tempo a falar de mim até parece pecado.
Ela viu-o. Não o viu logo porque ainda deixou escapar um sorriso mas quando o viu, viu.
Ela ergueu-se na direcção dele, aproximou-se do ouvido direito e propôs-lhe no mesmo tom de voz:
– Comes-me se me responderes a duas perguntas.
O farsolas murchou e voltou a sentar-se. Ela também.
– Duas perguntas?
– Duas.
O farsolas suspirou ruidosamente, olhou em volta e regressou a ela:
– Duas perguntas, como?
– Duas perguntas sobre duas coisas de que me lembrei quando me disseste que era pecado falares de ti quando há tanta coisa boa para fazer com a boca e a língua.
– Tipo um concurso? – O farsolas não conseguia disfarçar o embaraço que lhe causava nadar fora de pé, numa praia que não era a sua.
– Sim, tipo isso. Queres ou não? – impacientou-se ela.
– Força!
Ela fixou-o, sorriu sem mostrar os dentes e perguntou pausadamente:
– Quais são os pecados capitais?
– Pecados capitais?
– Sim, quais são?
– São 7? – perguntou o ex-farsolas, esquecido da pose, com uma careta de dúvida.
A mulher acenou positivamente com a cabeça. Ele abriu um sorriso:
– Eu vi um filme com o Brad Pitt que...
– Vais responder ou contar-me o filme? – interrompeu ela, olhando para o relógio de pulso. – É que eu às sete e meia tenho pilates.
– A vaidade – começou ele, concentrado –, a inveja,... a... a... ah! a gula... Três – animou-se. – A vaidade, a inveja, a gula, a... Eu sei. Eu sei mais. A preguiça! É?
Ela confirmou.
Ele embatucou. Pensava, olhava em volta, tentava lembrar-se do filme, julgava o que pudesse ser mesmo mau mas nada, não lhe saía nada.
– Tenho direito a alguma ajuda? – Acabou por perguntar quando esgotou todas as formas e tentativas de, por si, conseguir dizer os restantes três pecados capitais. Olhou ostensivamente para o telemóvel pousado em cima da mesa da pastelaria.
– A ajuda do público – respondeu ela, sem pensar.
O farsolas olhou em volta, havia três pessoas em duas mesas, um empregado a servir às mesas e outro atrás do balcão.
– Desculpem – disse alto o farsolas, chamando a atenção de todos e ante o espanto boquiaberto da mulher. – Nós estávamos aqui com uma dúvida, uma coisa sem importância, se nos pudessem ajudar... É que estávamos aqui a falar sobre os pecados capitais, os sete pecados capitais e só nos lembramos de quatro: da preguiça, da vaidade, da inveja e da gula. Faltam-nos os outros três. Alguém se lembra?
A estranheza do pedido causou um silêncio total e os cinco inquiridos entreolharam-se à espera que algum respondesse.
– Ninguém se lembra? – reforçou o farsolas, dando um ar compreensivo à ignorância alheia mas desesperado ao seu pedido.
– A avareza, a ira e a luxúria – respondeu o homem sozinho numa das mesas.
– É? – questionou o farsolas, excitado, virando-se para a mulher.
– É – validou ela.
– Obrigado – agradeceu o farsolas, erguendo o polegar. Sorridente, acalmou, esperou que os olhares dos clientes e empregados os abandonassem e desafiou: – E a outra? A outra pergunta, qual é?
– “Dir-se-ia que estamos em Sodoma, em Sodoma! – repetiu o general, alçando os ombros.” – citou a mulher.
– O que é isso? – espantou-se ele.
– Uma citação de um livro, de um grande livro – corrigiu ela.
– E qual é a pergunta?
– De que obra é esta citação?
– Tu não disseste que as perguntas eram sobre coisas de que te lembraste quando eu disse que há coisas melhores para fazer com os lábios e a língua do que falar sobre mim? – Acusou o farsolas, aflito com a perspectiva de morrer na praia. – Não disseste?
– Disse – aceitou ela. – Foi do que me lembrei: dos sete pecados capitais e em quais podia integrar-te e desta frase.
O farsolas meneou a cabeça num trejeito espontâneo de enfastiado desinteresse e irritada indiferença.
– Como é que é a frase?
– “Dir-se-ia que estamos em Sodoma, em Sodoma! – repetiu o general, alçando os ombros.”
– “Dir-se-ia que estamos em Sodoma, em Sodoma! – repetiu o general, alçando os ombros.” – repetiu o farsolas, em tom solene e com entoação diferenciada. Suspirou e lançou: – “Dir-se-ia que estamos em Sodoma, em Sodoma!”
– Não sabes?
– Achas? – replicou ele, com desprezo. – E, se não querias nada comigo, não sei porque vieste.
– Se queres saber – disse ela –, não sabia que não queria.
O homem manteve-se pensativo, rodando a chávena de café.
– E se eu soubesse? – perguntou.
Ela sorriu e alçou os ombros:
– Tínhamos de dar razão ao general.
Ele olhou-a, emparvecido:
– E isso queria dizer o quê?
– Que era como estivéssemos em Sodoma – explicou ela, sem resultados na expressão dele. – Que sim – concluiu, aborrecida. – Que se tivesses respondido, eu tinha mantido a minha palavra.
– E assim?
– Assim, vamos embora – respondeu ela, puxando da carteira para pagar a despesa. – Cada um à sua vida.
Atento, o empregado aproximou-se, com duas contas na mão. Deixou uma em cima da mesa deles e levou outra ao homem que sabia os sete pecados.
O farsolas olhou para a conta com desdém.
– Eu pago – disse ela, abrindo a carteira em cima da mesa.
O farsolas encolheu os ombros. Ela colocou o valor certo em moedas junto ao pequeno papel da máquina registadora e levantou-se.
– Eu fico – comunicou o farsolas, rancoroso. – Vou beber uma imperial.
Despediram-se com dois beijos esquinados e ela dirigiu-se à porta.
O homem que também saía agarrou a porta e deixou-a passar, com uma ligeira vénia de cabeça.
– Obrigada – agradeceu sem tom a mulher.
– De nada – disse ele, saindo atrás dela.
Caminharam na mesma direcção, mantendo-se o homem dois passos atrás da mulher, até que ficaram lado a lado à espera para atravessar uma rua.
Ele sorriu, ela não, nem sequer o olhou.
– Desculpe... – interpelou o homem, atabalhoadamente: – A senhora desculpe...
Ela virou-se para ele, com ar seguro, quase intimidador:
– Diga?
– É que eu... – O homem hesitou e recomeçou: – É que eu não pude deixar de ouvir a citação que a senhora fez do “Idiota” do Dostoiévski, é um livro magnífico.
– É.

*

– Foi assim, não foi? – perguntou nervoso o homem, olhando as folhas que pendiam do braço do sofá, logo que a elas se juntou a última que a mulher ainda lia.
– Mais ou menos – respondeu a mulher, com um sorriso luminoso, tornando a pegar nas folhas e ajeitando-as. – Isso foi o que eu te contei – picou, piscando-lhe o olho.
– Eu estava lá, minha cara – declarou o homem, sem conseguir disfarçar o gozo da resposta. – Eu ouvi quase tudo.
– Julgas tu – replicou ela, mostrando-lhe a língua e passando-lhe as folhas. – E acaba assim? – perguntou, mais séria. – Eu a dizer “É”?
– Acaba.
– Então tenho de dizer, senão já não bate certo.
– Diz.
– É.

Falta-lhe em estilo o que lhe sobra em entusiasmo

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11 março 2010

A posta cortada rente

Pedófilos e violadores ocupam os lugares cimeiros dos meus factores de repulsa. Nunca aceitarei, entenderei ou desculparei qualquer pretexto que um desses inventar como desculpa para o seu inaceitável desvio.
A questão é pacífica para mim. Não existem atenuantes. E quando, como no caso do engenheiro trintão conhecido como o violador de Telheiras, invocam alegadas doenças e ainda têm a lata de pedirem ajuda não hesito: castração. Química ou propriamente dita, tanto faz. É mesmo de cortar o mal pela raiz e assim ajudar os pobres coitados, doentes e tal, a pouparem-se a tamanho martírio.

Claro que os pudores de muita gente chegam ao ponto de tornar a castração numa solução drástica, desumana e mais não sei o quê. Não falta quem prefira as soluções mais brandas, a fé num sistema judicial que liberta estes desgraçados, doentes e assim, ao fim de um anito ou dois, condenando-os a terem que enfrentar na rua os seus apetites pela aberração. E eu não consigo pactuar com essa corrente cruel que tende a dar cabo da vida a homens como o tal engenheiro de telecomunicações que guardava as terças feiras para ameaçar garotas, adolescentes, com uma faca e assim as obrigar a satisfazê-lo nas suas necessidades terapêuticas. Porque, como o próprio alega em sua defesa, é um doente e precisa de ajuda.

Eu gostava muito de poder ajudar as pobres criaturas reféns de tais maleitas, salvando-as dessa gente que acredita na reinserção social destas vítimas de um cérebro capaz de congeminar esquemas para abusar de gente pequena mas, estranhamente, sem neurónios que consigam processar a repulsa inata de qualquer ser humano perante tentações tão medonhas quanto nojentas.
Dessa ajuda, considerando o óbvio fracasso dos paninhos quentes do costume que dão tanto que fazer a psicólogos, assistentes sociais, polícias, advogados e por aí fora, e sobretudo tendo em conta que se trata de pessoas doentes, constaria a entrega dos pacientes à Medicina.

E nesse contexto eu privilegiaria sem dúvida como terapia uma cura definitiva, com fármacos eficazes. Mas acima de tudo com a misericórdia absoluta de um bem afiado bisturi.