04 abril 2010

Regato


Quero que lances o fogo das mãos,
me incendeies sentidos
e labaredas;
quero que provoques
o gotejar contínuo do meu regato,
água, luz:
a tua imensa paixão.

Foto e poesia de Paula Raposo

Sal

A
Menina
Menina linda
Menina linda sem sal
água que arde é água salgada
dentro de ti só um jardim num aquário
A
face
de Outono
e nenhuma folha caída
no vazio do teu imaginário
faz do sorriso perfeito, perfeitamente banal.
Doce
a madrugada
de expressão tão amena
mas esse olhar lindo nunca será fatal,
Sabes, não se queda a madrugada seduzida
se reflecte o vazio do teu calendário
nas páginas brancas do teu diário;
cada dia que te folheamos igual.
É quase a beleza perdida
na perfeição inacabada
da menina linda
sem sal.
A
Menina
Menina tão linda
Mas uma namorada de seda
que na penugem macia não traz bem nem mal
é corpo de palavras perfeitas mas apenas vocabulário
lido com a emoção de quem lê um dicionário
A menina linda, tão linda
mas tão sem sal.
Menina linda
linda.
Sal.


«Squash» - Jacques Magazine apresenta um número sobre desporto

Jacques: The Sports Issue Trailer, 'Squash' from Jacques Magazine on Vimeo.

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03 abril 2010

Voltas trocadas

Teria preferido que a esbofeteasse. Mas não. Ele estendeu a mão e acariciou-lhe o rosto como nunca antes o fizera. E sorriu.
Desarmada, conseguiu suster a custo as lágrimas e entretanto apaixonou-se um pouco mais.

pode repetir? uma bolsa com...?


... broche?
ah com ce'teza!

Boneca de plástico

Acordou de olhos azuis no tecto rosa. Chamou-os de volta por chamar, já sabia os dias de cor; quando os dias são iguais aos dias somos sempre cegos. Era um pouco desengonçada, mas o movimento diário de erguer o tronco formava sempre um perfeito ângulo recto. Na hora certa, subia como um ponteiro dos segundos até à hora certa, içada pelos fios do mundo. Afastou a cama de si. Endireitou com cuidado a perna direita e sentiu o frio do plástico nos dedos, embora os dedos fossem igualmente frios; era por isso que raramente gostava de tocar nos humanos, não gostava que pensassem que estava morta, como eles; só os que a aqueciam primeiro lhe podiam tocar. Tomou banho sem sentir a água. Vestiu-se sem sentir a roupa. Usou os dedos para puxar os cantos dos lábios em direcção às orelhas e acenou um até logo ao amante semi-adormecido. Tomou um café sem sabor que escaldava e viveu mais um dia frio sem gosto, com pressa sem motivo para voltar a casa, misturada na multidão que era de gente tão igual a si.


Novo sinal de trânsito


Postalinho enviado pela Dina

Mulher na fonte - escultura em bronze de Baryz

Acho que já vos disse que tenho orgulho na minha colecção de arte erótica e que não desisto enquanto não conseguir que esteja exposta num local aberto ao público (em rigor, será mais... aberta ao púbico).
Pois esta é a peça mais recente da minha colecção e acho-a uma delícia.
É uma escultura em bronze com base em mármore negro, assinada por Baryz, com 35 cm de altura e 6,4 Kg de peso.





02 abril 2010

Ora papa lá uma limpeza total

O Sumo Pontífice andou a lavar pés, cumprindo a tradição, e depois aproveitou para limpar passados apontando o discurso para as crianças mortas pelos abortos em vez de o apontar para as que nasceram para serem abusadas pelo clero católico.

Hotel California

– Estás a trabalhar? – perguntou o homem, a quem podemos chamar Arnaldo, dirigindo-se à mulher, a quem chamaremos Sofia, depois de um olá e um contra-olá tão sumidos, quase clandestinos, que se diria serem uma espécie de senha obrigatória e automática mas sem qualquer significado para nenhum dos interlocutores.
Sofia olhou para Arnaldo de relance, procurando ainda assim formar uma opinião sobre o homem, e assentiu com uma ligeira vénia e um sorriso pretensamente sedutor.
– E quanto é que levas? – inquiriu Arnaldo, mostrando uma indiferença que não sentia.
– Sessenta – informou a mulher, como se escrevesse um sms.
– Sessenta – repetiu o homem, sopesando o número com ar comercial. – Sessenta… Tudo?
– Querias! – atirou Sofia, esganiçando a voz. – Sessenta, tudo?!... Estás a gozar comigo!
– Então… – Arnaldo hesitou e fez uma pausa, percorreu ostensivamente o corpo da mulher com os olhos, fixando-se apenas no recheio do decote e na linha das ancas, encolheu os ombros e continuou com ar enfadado de negociante experiente: – Sessenta… Sessenta é para quê?
– Oral reduzido e vaginal completo – esclareceu a mulher –, com garantia de prazer.
O homem mastigou o reduzido com uma careta de desagrado, apreciou a linguagem técnica utilizada com propósito e a estrutura apelativa em crescendo da frase e a ênfase no completo e na garantia de prazer.
– Quanto tempo? – inquiriu Arnaldo, a meia voz.
– O que aguentares, meu querido – adoçou Sofia, sorrindo sem mostrar os dentes.
– Até me vir?
– Sim, claro.
– E tu?
– Eu o quê?
– Quando te vieres, continuas?
A mulher olhou-o com ar trocista e soltou uma gargalhada descrente:
– Se isso acontecer – disse, sem retrair o sorriso –, não só continuo como te levo só quarenta: vinte para a casa, vinte para mim e vinte para ti.
– E se eu sofrer de ejaculação precoce? – perguntou Arnaldo de forma abrupta, não dando, por qualquer forma, continuidade ao ar solicito e simpático com que Sofia lhe havia dado as últimas respostas.
Sofia sentiu a pergunta fisicamente como uma pontada e embrulhou o sorriso. Olhou em volta, antes de se voltar a fixar em Arnaldo e lhe perguntar com ar sério e profissional:
– Estás a gozar comigo?
– Não – respondeu Arnaldo, no mesmo tom sério. – Estou só a definir as coisas – pigarreou. – Quando um homem se encontra com uma mulher tudo pode acontecer – completou.
– Eu não me vou encontrar contigo – replicou Sofia, prontamente. – Isto não é nenhum encontro! Eu estou a trabalhar, tu queres: pagas. Queres a minha boca no teu sexo: pagas. Queres o teu sexo no meu sexo: pagas. Acabado o serviço eu volto para aqui e tu vais à tua vida… se a tiveres – murmurou. – Não temos de beber um café antes ou almoçar ou jantar, nem temos de fumar depois ou de me abraçares ou dizeres-me seja o que for…
– O encontro que eu disse não era nesses termos – interrompeu Arnaldo. – Era o encontro físico entre um homem e uma mulher, entre um cliente e uma puta. Era desse encontro que eu estava a falar.
– Que fosse – consentiu a mulher. – Mas não são nestes encontros que tudo pode acontecer, são naqueles. Nos encontros entre um homem e uma mulher é que tudo pode acontecer, ainda que seja pouco provável que o mesmo homem possa ser ao mesmo tempo um extraordinário guru do sexo tântrico e um miserável ejaculador precoce e que, por acaso, lhe possa acontecer qualquer uma das duas situações: não se vir ou vir-se logo.
– Mas pode acontecer – insistiu Arnaldo, sem convicção.
Sofia encolheu os ombros concluindo aquela linha da conversa.
– Mas não é o nosso caso – disse. – Pelo que nos escusamos de perder tempo com hipóteses académicas. Aqui para nós o que interessa é que eu levo sessenta euros e precisamos de saber se queres pagar o preço, é tão simples como isso. Como é que a coisa vai correr depois é uma incógnita com que nós temos de viver mas cuja solução podemos conhecer facilmente. Queres?