02 abril 2010

Hotel California

– Estás a trabalhar? – perguntou o homem, a quem podemos chamar Arnaldo, dirigindo-se à mulher, a quem chamaremos Sofia, depois de um olá e um contra-olá tão sumidos, quase clandestinos, que se diria serem uma espécie de senha obrigatória e automática mas sem qualquer significado para nenhum dos interlocutores.
Sofia olhou para Arnaldo de relance, procurando ainda assim formar uma opinião sobre o homem, e assentiu com uma ligeira vénia e um sorriso pretensamente sedutor.
– E quanto é que levas? – inquiriu Arnaldo, mostrando uma indiferença que não sentia.
– Sessenta – informou a mulher, como se escrevesse um sms.
– Sessenta – repetiu o homem, sopesando o número com ar comercial. – Sessenta… Tudo?
– Querias! – atirou Sofia, esganiçando a voz. – Sessenta, tudo?!... Estás a gozar comigo!
– Então… – Arnaldo hesitou e fez uma pausa, percorreu ostensivamente o corpo da mulher com os olhos, fixando-se apenas no recheio do decote e na linha das ancas, encolheu os ombros e continuou com ar enfadado de negociante experiente: – Sessenta… Sessenta é para quê?
– Oral reduzido e vaginal completo – esclareceu a mulher –, com garantia de prazer.
O homem mastigou o reduzido com uma careta de desagrado, apreciou a linguagem técnica utilizada com propósito e a estrutura apelativa em crescendo da frase e a ênfase no completo e na garantia de prazer.
– Quanto tempo? – inquiriu Arnaldo, a meia voz.
– O que aguentares, meu querido – adoçou Sofia, sorrindo sem mostrar os dentes.
– Até me vir?
– Sim, claro.
– E tu?
– Eu o quê?
– Quando te vieres, continuas?
A mulher olhou-o com ar trocista e soltou uma gargalhada descrente:
– Se isso acontecer – disse, sem retrair o sorriso –, não só continuo como te levo só quarenta: vinte para a casa, vinte para mim e vinte para ti.
– E se eu sofrer de ejaculação precoce? – perguntou Arnaldo de forma abrupta, não dando, por qualquer forma, continuidade ao ar solicito e simpático com que Sofia lhe havia dado as últimas respostas.
Sofia sentiu a pergunta fisicamente como uma pontada e embrulhou o sorriso. Olhou em volta, antes de se voltar a fixar em Arnaldo e lhe perguntar com ar sério e profissional:
– Estás a gozar comigo?
– Não – respondeu Arnaldo, no mesmo tom sério. – Estou só a definir as coisas – pigarreou. – Quando um homem se encontra com uma mulher tudo pode acontecer – completou.
– Eu não me vou encontrar contigo – replicou Sofia, prontamente. – Isto não é nenhum encontro! Eu estou a trabalhar, tu queres: pagas. Queres a minha boca no teu sexo: pagas. Queres o teu sexo no meu sexo: pagas. Acabado o serviço eu volto para aqui e tu vais à tua vida… se a tiveres – murmurou. – Não temos de beber um café antes ou almoçar ou jantar, nem temos de fumar depois ou de me abraçares ou dizeres-me seja o que for…
– O encontro que eu disse não era nesses termos – interrompeu Arnaldo. – Era o encontro físico entre um homem e uma mulher, entre um cliente e uma puta. Era desse encontro que eu estava a falar.
– Que fosse – consentiu a mulher. – Mas não são nestes encontros que tudo pode acontecer, são naqueles. Nos encontros entre um homem e uma mulher é que tudo pode acontecer, ainda que seja pouco provável que o mesmo homem possa ser ao mesmo tempo um extraordinário guru do sexo tântrico e um miserável ejaculador precoce e que, por acaso, lhe possa acontecer qualquer uma das duas situações: não se vir ou vir-se logo.
– Mas pode acontecer – insistiu Arnaldo, sem convicção.
Sofia encolheu os ombros concluindo aquela linha da conversa.
– Mas não é o nosso caso – disse. – Pelo que nos escusamos de perder tempo com hipóteses académicas. Aqui para nós o que interessa é que eu levo sessenta euros e precisamos de saber se queres pagar o preço, é tão simples como isso. Como é que a coisa vai correr depois é uma incógnita com que nós temos de viver mas cuja solução podemos conhecer facilmente. Queres?

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