03 abril 2010

Boneca de plástico

Acordou de olhos azuis no tecto rosa. Chamou-os de volta por chamar, já sabia os dias de cor; quando os dias são iguais aos dias somos sempre cegos. Era um pouco desengonçada, mas o movimento diário de erguer o tronco formava sempre um perfeito ângulo recto. Na hora certa, subia como um ponteiro dos segundos até à hora certa, içada pelos fios do mundo. Afastou a cama de si. Endireitou com cuidado a perna direita e sentiu o frio do plástico nos dedos, embora os dedos fossem igualmente frios; era por isso que raramente gostava de tocar nos humanos, não gostava que pensassem que estava morta, como eles; só os que a aqueciam primeiro lhe podiam tocar. Tomou banho sem sentir a água. Vestiu-se sem sentir a roupa. Usou os dedos para puxar os cantos dos lábios em direcção às orelhas e acenou um até logo ao amante semi-adormecido. Tomou um café sem sabor que escaldava e viveu mais um dia frio sem gosto, com pressa sem motivo para voltar a casa, misturada na multidão que era de gente tão igual a si.


Sem comentários:

Enviar um comentário

Uma por dia tira a azia