25 abril 2010

Vem(e)vai

Sentada à beira mar
Com as pernas flectidas
Num gesto frequente,
Os cotovelos sobre os joelhos
E as mãos na cara.

Ela olha aquela imensidão
Sentindo nos pés
Uma frescura de mar
Que vem e vai suave,
Salpicando-a um pouco.

Exercício diário
Naquela praia
Olhando a imensidão
Não pensando em nada,
A boca salgada de plenitude
E as mãos plenas de sal,
Num vai e vem suave.

Foto e poesia de Paula Raposo

InVocações (V)

Acordei ontem quando já não era de manhã nos dias dos outros. Ao espelho tentei aumentar os olhos; os meus apareceram pequenos. A roupa está fria. Todos os dias cresce o corredor das horas penduradas na parede. Hoje falei com um homem nu. Acho que é um homem nu porque nasceu folha e cresceu árvore. Há poucos homens nus, muito poucos. Sentem mais o frio e sucumbem à tentação da roupa. Perdoa-me homem nu, eu disse tantas coisas e a verdade é que não sei nada. Mas sei que pode fazer muito frio, sei que o frio pode magoar e sei que as palavras mágicas são abrigos. As minhas ainda não são mágicas; ainda não chegam muito fundo no vosso corredor das horas penduradas na parede. E eu tenho muitos medos. Já te disse que tenho medo do escuro e dos barulhos estranhos? Já te disse que o mágico ainda não veio? Sabes, quando mudei de nome, estava sentada numa sala pequena, a luz era amarela e a janela estava fechada. À entrada tinha conhecido a recepcionista numa enorme secretária e esperei ver na saleta a cadeira de um dentista. Não! Um "almista". Extraía almas e inventava próteses. Vi mulheres que achei iguais a mim, surpreendentemente normais. Também entraram e saíram alguns homens; passaram por mim mas, estranhamente, não os vi, não tinham rosto nem corpo. Nessa noite, sentada no balcão de um café, olhei para muitos homens. Como seriam? Tentava percebê-los porque, doravante, todos me poderiam ter. Era melhor vê-los bem, antes. Era melhor ver um alguém do que um estranho a tocar-me. Era um mês, no máximo dois. Conseguiria se os visse bem. Consegui. Mas não consegui mais nada, ainda aqui estou. Nunca mais voltei ao teu mundo. Agora conheço três: o teu, o das casas de janelas fechadas que é a fronteira e o meu. O meu parece absurdo porque tem coelhos sem orelhas e jangadas que levam castelos na corrente; mas os outros também são tão mais estranhos - repara - andam sempre cheios de pressa mas, quando correm, raramente é para onde desejem ir. Entendes que acordem e se levantem ainda exaustos? Só falo disso, agora; mas há muito pouco que faça sentido; o absurdo do meu mundo faz todo o sentido: os coelhos tiram as orelhas porque o silêncio tem uma música única - as orelhas têm sempre vontade própria, ouvem o que querem, quando querem - e todos sabemos que os castelos, muitas vezes, têm que se soltar na corrente. Não tenho magia para te abrigar mas, se quiseres, mostro-te as minhas horas penduradas na parede. Pode ser que, um dia, entendas o outro sentido das coisas. Se vires o meu mágico, no teu mundo, dizes-lhe que não me ouve? Acho que ele pensa que ouve. Sabes, foi ele que fez as minhas palavras nascerem. Foi ele que as educou quando lhe caíram nas mãos que devolvia ao meu colo nu. Não, não era um toque, era um regresso. De vez em quando, perde-se mas, de vez em quando, sabe regressar.

«O Fauno e a Flora»

Já tenho vários desenhos originais do Laurent na minha colecção.
Este é mais um mimo:


«O Fauno e a Flora»
tinta da china sobre papel



Detalhe


E, por ser 25 de Abril, o OrCa dá-nos outro mimo:

"a Flora aflora o fulano
o Fauno desflora a Flora
e nesse vai-vem sem hora
cresce um Abril mais ufano"

Truque para não olhar para decotes


crica para visitares a página John & John de d!o

24 abril 2010

Se conseguires ver para lá da pornografia...

... há um mundo de design de interiores excelente para apreciarmos uma dada época.
É o que nos demonstra o d!o com uma página de 90 imagens retiradas de revistas porno dinamarquesas dos anos 70.
Aqui vos deixo alguns exemplos:



















Ema: conto de entender

Sim, amor. Eu entendo tudo, amor. Claro que entendo. O que eu não entendo, meu amor, é porque há sempre tanto para entender. As palavras a vaguear? Porque são vagas, essas tuas vagabundas que moram nas ruas de mulher em mulher. E tu moras nelas, nas tuas palavras. E as tuas palavras moram aqui. A pele de aluno só cresce quando reconhece o tecido secreto da palavra de um Mestre. A minha pele é um vestido tecido de tudo o que dizes. O vestido que teces em ruas de perder o tempo. Sim, amor. Eu entendo tudo, amor. Claro que entendo. O que eu não entendo, meu amor, é como é que julgas ter a armadura do tempo a prender-te as mãos e a soltar-te o corpo. Era uma pergunta? Era? Sim, amor.

Não tive coragem de cortar esta batata...

... vá-se lá saber porquê.
E vai para a minha colecção até ficar toda encarquilhada.

23 abril 2010

no dia mundial do livro...

de autor desconhecido, mas muito a propósito:

Tudo depende da posição...


Fazê-lo parado fortalece a coluna,
de barriga para baixo estimula a circulação do sangue,
de barriga para cima é mais agradável,
fazê-lo sozinho é enriquecedor, mas egoísta,
em grupo pode ser divertido,
no w.c. é muito digestivo,
no automóvel pode ser perigoso…

Fazê-lo com frequência desenvolve a imaginação,
a dois, enriquece o conhecimento,
de joelhos, torna-se doloroso…

Enfim, sobre a mesa ou sobre a secretária,
antes de comer ou à sobremesa,
sobre a cama ou numa rede,
despidos ou vestidos,
na relva ou sobre o tapete,
com música ou em silêncio,
entre lençóis ou no roupeiro:

Fazê-lo é sempre um acto de amor e de enriquecimento.

Não importa a idade, nem a raça, nem o credo, nem o sexo, nem a
posição económica... o que importa é que...
.
.
.
.
.
.
Ler é um prazer!

Quem me oferece...


... esta Nossa Senhora de Fátima em cristal, da Atlantis, para a minha colecção?
Obrigada, MN!

Sex Crime (1984)

O rapaz atirou-se para o chão logo da primeira vez que os nós de uns dedos se encontraram com a madeira da porta do quarto.
– Sim? – conseguiu a rapariga dizer, concentrando-se para que o som saísse.
O pai abriu a porta, viu a cama desmanchada como num cenário de filme e a filha pudicamente tapada com o lençol quase até ao pescoço, olhando-o desorbitada e afogueada mas com um livro na única mão visível.
– Ah… – O pai sonorizou assim a sua surpresa e embaraço e, sem largar a porta, nem entrar no quarto, comunicou em tom pastoso mas sem baixar as sobrancelhas que se colaram à franja: – É só para avisar que eu e a mãe vamos sair agora. Se precisares de alguma coisa, liga-nos, a mãe deixou o número ao pé do telefone.
– Está bem – respondeu a filha, tentando que se definisse um sorriso normal no seu rosto. – Se for preciso eu ligo – confirmou, no meio de esgares e caretas indefinidas.
– Não vais sair? – perguntou o pai, começando a fechar a porta do quarto.
– Não, hoje não – disse prontamente a filha, com ar angelical.
– Até amanhã, então – despediu-se o pai e fechou a porta.
O namorado ergueu a cabeça com lenta cautela e ela sorriu-lhe luminosamente:
– Eu bem te disse que devíamos ter esperado que eles saíssem.
– Achas que ele desconfiou? – perguntou o rapaz, num sussurro, ainda deitado ao lado da cama.
– Achas?! – respondeu ela, já segura de si e troçando do ar apavorado dele. – Achas que eles se iam assim embora se desconfiassem que estavas aqui?
Ele concordou com a cabeça mas não se mexeu. Viu-lhe o livro na mão e olhou para a porta fechada.
– Só saio daqui quando ouvir a porta e o portão da rua – declarou e, voltando a fixar o livro, perguntou: – Que livro é esse que estás a fingir que lês?
– 1984 de George Orwell – disse a rapariga, levantando o livro. – E não estou a fingir, estou mesmo a ler!
O rapaz abriu um sorriso em resposta ao tom sério e quase sentido da última frase e gracejou:
– Mas hoje não... – O rapaz calou-se ao ouvir a porta da rua bater.
Olharam-se e, entre sorrisos silenciosos, esperaram e ouviram o portão e o automóvel a arrancar.
– Não, esta noite não – concluiu ela, largando o livro. – Esta noite não é noite de leituras!

E este ditirambo?!

É grosso, longo e furado,
Pinga mas não se derrete,
Enxuto e duro se mette,
Tira-se molle e molhado;
É à cobra assimilhado,
Mas tem seu que com a espiga;
Penetra até à barriga,
Sacia a vontade à gente;
Porém, ser cousa indecente.
Não se creia nem se diga.

E não se creia, não, senhores.
Tudo isto quer dizer mui simplesmente
??????

Publicado originalmente por Belchior Manuel Curvo de Semedo em Composições Poéticas e citado por BARATA, António Francisco (1894) Viagem na minha livraria - Barcelos: Typ. Aurora do Cavado, pág. 40.

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O Mano 69, depois de todos vermos só caralhos nisto, dizia "frio, frio....". Quando perguntei se era um caralho frio, esclareceu do que se trata:
"E não se creia, não, senhores.
Tudo isto quer dizer mui simplesmente macarrão!"

Banal


Banais silêncios
(se os silêncios são banais)
do outro lado do mar
trazidos pelas vagas
da tempestade
enquanto os meus braços
te envolvem
de ternura azul
(se a ternura é azul)
no cinzento mesclado
dos beijos
que não damos
(se cinzentos são os beijos não dados)
do outro lado do mar
as palavras banais
(se as palavras são banais)
agora é o tempo inacabado
do nosso amor
(se o amor acaba em tempo).

Foto e poesia de Paula Raposo

Cancela

A moldura da nossa janela
aperta os rins da noite;
de lençol vestiu-se uma estrela,
a estrela chamada Cadente.
Na dobra azul da saia dela
guarda gotas de um velho poente
espera-o, mais ninguém consente;
a dobra agora chama-se Cancela.

Na moldura da nossa janela
a chuva passa entre os teus espaços;
de gotas vestiu-se uma estrela
o seu nome reflecte os teus traços.
Nos botões azuis da blusa dela
guarda casas dos teus olhos,
na porta espera os teus passos;
ao azul, chamou Cancela.