20 maio 2010
Tráficos
– E agora, meu Deus?! E agora?! E agora?! E agora, meu Deus?! E agora?!
Primeiro os presentes estranharam e, ainda que incomodados, aceitaram o que podia ser uma legítima manifestação de dor. Depois, percebida a fonte da ladainha, o que podia ser, em qualquer outro, um compreensível e aceitável descontrole emocional foi rotulado como uma pouca vergonha e uma absoluta falta de senso e respeito pelo morto, a que acresceu, e não foi despicienda para a censura generalizada, a desinteressante repetição do monólogo que não ganhava motivos de interesse e o insuportável nível acústico a que, por vezes, era debitado, obrigando a que, enquanto o corpo do ancião descia à terra, dois amigos ladeassem o inesperado carpideiro, o amparassem e levassem quase de rojo para fora do pequeno cemitério.
Sem parecer notar a forçada remoção ou os olhares censórios que o acompanhavam, o rapaz continuava a soluçar a sua invariável lengalenga:
– E agora, meu Deus?! E agora?! E agora?! E agora, meu Deus?! E agora?!
Sensibilizado, como mais ninguém, o sacerdote que tinha a seu cargo dezassete freguesias e pouco tempo ou interesse para conhecer os paroquianos que não frequentavam a liturgia ou que não contribuíam para o bem-estar do rebanho e do seu pastor, inquiriu da identidade do jovem.
– É um amigo do neto do sr. Rebelo – explicaram-lhe, sem mais detalhes, ainda que (ou porque) lhe estranhassem a pergunta.
– Coitado do moço, está mesmo afectado. Pobre rapaz – ia comentando o sacerdote para quem o cumprimentava, prosseguindo na direcção do mais afectado dos presentes no funeral, ainda que o fizesse para se ir embora e não por algum desejo súbito de confortar o jovem.
Junto à porta do cemitério, o padre cumprimentou o neto do sr. Rebelo que amparava o inconformado mancebo, acenou com a cabeça para o rapaz que o suportava segurando-o com o seu braço direito, e, fitando o desesperado, dirigiu-lhe umas breves palavras de solidariedade, obtendo como resposta a mesma anterior ladainha, remoída num sussurro desesperado.
– Coragem, rapaz, coragem – despediu-se o padre, encaminhando-se para a sua viatura onde o esperava uma mulher. – É preciso é coragem. Muita coragem.
Sem olhar para trás, o padre aproximou-se do carro, abriu a mala, desparamentou-se, depois de constatar a ausência de qualquer movimento da acólita para o ajudar, vestiu um blaser, arrumou as vestes litúrgicas, fechou a mala e entrou no carro, sentando-se pesadamente ao volante.
– Já está? – perguntou a mulher, que se mantivera, até aí, quieta e calada.
– Já – respondeu o padre, de maus modos. – Podia ter saído – censurou, ligando a ignição.
– Para quê? – perguntou a mulher.
– Ajudava-me a tirar alba e as pessoas viam que era você… – O padre rodou o volante, para efectuar inversão de marcha.
– Porquê?! – disparou, com animosidade, a mulher e esperou que o padre a olhasse para completar a pergunta: – Porquê, costuma andar com outras mulheres no carro, é?
O padre não respondeu, cogitou sobre a forma de o fazer mas, não chegando a nenhuma opção satisfatória, preferiu mudar de tema aproveitando que o automóvel iria passar em frente ao portão do cemitério, onde estava o lamentoso jovem que havia perdido o rumo na vida com a morte do senhor Rebelo.
– Aconteceu uma coisa estranha no funeral – comentou o padre, terminando a manobra de inversão de marcha. – Está a ver aquele rapaz, ali no meio dos outros? – A mulher assentiu proferindo um som gutural quase inaudível. O padre continuou enquanto o automóvel se aproximava: – Não é da família mas era o mais afectado pela morte do velho… Era só – o padre caricaturou o tom choroso do rapaz, dando-lhe uma entoação de nasalado aparvalhamento: – “E agora? E agora, meu Deus? E agora?”
– Vá devagar – ordenou a mulher, quando o automóvel passou em frente do grupo. O padre abrandou a marcha e a mulher, levantando a voz, quase gritou: – Eu conheço-o. Eu conheço o ra… Ah!
– O que foi? – perguntou o padre e, espantado com o inesperado volume da voz e a súbita e inconclusiva interrupção da mulher, travou o automóvel, em frente ao portão do cemitério.
– Continue! Continue! – disse ela, reforçando a ordem com gestos nervosos. – Continue!
Sem pensar, o padre obedeceu e acelerou, ainda que de forma mais ruidosa que eficaz.
A mulher olhou-a desaprovadoramente mas nada disse.
Vexado, o padre esperou a normal e ácida censura à sua condução e, depois, a explicação quanto ao conhecimento do jovem choramingas mas, constatando o prolongamento do silêncio e a súbita turvação da expressão da mulher, avançou:
– Afinal, mas quem é o rapaz? O que é que aconteceu?
– Espero bem que não seja o que eu estou a pensar – ponderou a mulher, muito preocupada. – Espero bem que não… – A mulher olhou para o padre e perguntou-lhe compenetradamente: – E o que é que ele estava a dizer?
– Estava desesperado…
– Mas o quê? – insistiu a mulher. – Há bocado não o estava a imitar?
– Estava – admitiu o padre. – Ele só dizia “E agora, meu Deus?! E agora?! E agora?! E agora, meu Deus?! E agora?!”
– Que pouca sorte… – lamentou a mulher. – De certeza que é o que estou a pensar… Que pouca sorte…
O padre olhou-a intrigado e, preferindo não ir directo ao assunto, perguntou:
– Mas quem é o rapaz?
– É o filho do Santos.
– Qual Santos?
– Do enfermeiro.
– É?... É o filho do António? – admirou-se o padre. – Aquele é o Antoninho?
A mulher, de olhar perdido que acabou por pousar na braguilha do padre, anuiu desolada:
– É, é o Antoninho. É mesmo o Antoninho.
– E agora? – perguntou o Antoninho. – E agora, Alex?
– Mas tu só usavas o avô dele? – inquiriu o outro, em tom conspirativo.
– Agora era – murmurou Antoninho, passando a mão pelo rosto. – Na semana passada morreu o avô do Juca e na outra tinha morrido o velho Neves… – O Antoninho suspirou profundamente e recomeçou: – Ainda por cima os sacanas dos velhos morreram todos de repente, pá. E numa altura lixada…
– A Primavera… – troçou o neto do sr. Rebelo, abafando o riso. – Chega a Primavera e a natureza começa a desabrochar…
– Se fosse só a natureza… – acompanhou o Alex, rindo.
– Vocês riem-se mas eu é que estou todo lixado – lamentou o Antoninho. – Ainda por cima não tenho stock nenhum.
– Não?! – preocupou-se o Alex. – Nada?
– Quase nada – esclareceu o Antoninho. – Dá para três dias.
– Três dias?! – horrorizou-se o Alex. – Três dias?!
O Antoninho acenou que sim sem vislumbre de esperança.
– Meu Deus… – desabafou o Alex pondo as mãos na cabeça, sem esconder um sorriso trocista. – Vêm aí tempos maus… Tempos muito maus… Tempos de penúria e tédio… Então, e o que vais dizer… O que vais tu dizer… O que vais tu… – Alex colocou a voz como se estivesse a acusar o outro: – Tu, o fornecedor de substanciais alegrias aos habitantes e sólido consolo às habitantes das nossas freguesias; Tu, o dealer das maravilhosas noites azul-viagrosas e das deleitosas tardes cialis que suportam o ânimo das nossas gentes; Tu, o recuperador de auto-estimas, semeador de sorrisos e sustentáculo das alegrias conjugais e extra-conjugais de meio concelho… O que vais tu dizer aos teus clientes?
– Os meus clientes… – relativizou o Antoninho, encolhendo os ombros e espantando os outros. – Com os meus clientes posso eu bem… Que todos os males fossem os meus clientes…
– Então?
– O que me preocupa são as minhas clientes, pá, as minhas clientes – esclareceu o Antoninho, em pânico. – Com os homens posso eu bem: não há esta semana, há para a outra ou para a outra a seguir ou tem de se arranjar outra solução que ainda tem de ser estudada. Agora com as mulheres… Com as mulheres… Com as mulheres não sei se me safo… – O Antoninho abandonou-se ao desalento: – E agora, meu Deus, e agora?
– Agora?… Agora tens de arranjar outros velhos para darem o nome para as receitas – concluiu o neto do sr. Rebelo, alçando os ombros despreocupadamente.
Para pensarem...
um cu novo por apenas 39 eur!
um cu, um rabo, umas nalgas empinadas...
'tá comprar, minha gente! 'tá comprar!
e depois «afalfar» aquilo é que... enfim!
_________________________
O OrCa ode ao logro:
"que chatice
que tolice
que canseira
tanto engano para algum nabo empinar
e depois quando afoito
chega o coito
vai-se a ver e de nalgas é só ar
e o nabo
coitadito
deprimido
está fodido por se deixar enganar
não é tanto mais bonito
e expedito
encontrar amante certo e perspicaz
que aprecie mais a frente
que o atrás?
é que há gostos para tudo
minha gente
e do tudo há-de sempre alguém gostar
o pior é quando assim de repente
quando alguém espera um cu
só lá ter ar..."
19 maio 2010
vai fermosa e bem segura...
descalça saiu à praça
Bruna Real professora
vem fermosa e com tal graça
que traz tudo o mais de fora
a pauta nas mãos de prata
mas também um vira-lata
disfarçado de decote
ou de sedoso saiote
mais inocente não fora
vai fermosa e professora
descobre os pés e a garganta
e pelo meio dourado
o corpo todo mostrado
tão linda que o mundo espanta
chove nela a fúria santa
e tanta cabeça à nora
vai fermosa e professora
- que me perdoe o Luís Vaz, mas acabei agorinha mesmo de pedir autorização ao Camões…
O fenómeno de Mirandela
Sabendo quem me lê que sou Católico, poderia esperar de mim uma forte condenação, uma posição firme de apoio à rejeição desta senhora como professora que deveria dar o exemplo, um exemplo (não sei qual, mas um exemplo), e manter uma conduta regrada, adequada à sua condição de professora que influi na formação de crianças que amanhã serão adultas e farão com as suas vidas muito daquilo com que foram crescendo. Podia, podia assumir essa posição. Mas não a assumo.
O sexo (muito mais o sexo do que o erotismo) está em todo o lado. As crianças levam com o sexo desde muito cedo. Quem é que não viu, já, filmes na televisão, durante o fim-de-semana em horas familiares, com cenas de sexo, insinuação de sexo ou algum tipo de nudez? Quem não passou já na rua, com crianças pela mão, em frente a outdoors publicitários que procuram vender algum tipo de produto com mensagens mais ou menos descaradas de carácter sexual? Pergunto ainda: mesmo assumindo que a Playboy não é uma revista que se tenha em cima da mesa ao lado da TVGuia ou da Science, quantas das pessoas que se dizem chocadas com esta situação, não se incomodam de ter, nas suas casas, ao acesso das suas crianças, revistas daquelas de "dona-de-casa" (para que saibam quais são, que não me apetece referi-las pelo nome) que, nas secções de aconselhamento, referem coisas porventura mais complicadas de explicar a uma criança do que a nudez de uma pessoa?
Não consigo ter uma ideia formada sobre isto. Não está provado, para mim, que a nudez desta professora a torne pior profissional, incapaz de dar aulas e formar bem as crianças. Não está provado, para mim, que ser professora é incompatível com nudez. Mas também não está provado, para mim, que isto não suscite, em algumas crianças, uma curiosidade acrescida pelo sexo, numa altura em que talvez não lhes seja benéfico. Mas, se assim acontecer, talvez já aconteça por muitas outras coisas, sendo isto apenas a gota final que transborda.
Mais. Não será isto, para as gentes de Mirandela, uma boa oportunidade para contextualizar as coisas? Para fazer um esforço em quebrar as dificuldades do diálogo sobre sexo e fazer as criancinhas entender a nudez, entender a sexualidade, o erotismo, e como estas coisas podem estar (ou não) e devem estar (ou não) associadas a outros sentimentos de alguma nobilidade?
Espero que o benefício financeiro obtido com estas fotografias tenha sido, para a professora, minimamente compensador. Porque enquanto o tal alarme social não passa, vai precisar aguentar-se. Tenho mais dúvidas que certezas. Uma coisa não faço: não a condeno nem julgo. Nem como pessoa, nem como profissional.
Blenorragia ou Gonorréia
1. A blenorrhagia ou esquentamento apega-se com muita facilidade, é uma doença muito contagiosa. Um individuo atacado desta doença, em nome da moral social, não deve ter relações sexuaes.
2. O doente terá cuidado de lavar as mãos sempre que tocar no membro, deve evitar, chegá-las aos olhos; o pus blenorrhagico produz uma inflammação nos olhos tão forte que já muitas pessoas têm ficado cegas, por ignorancia ou descuido deste preceito de hygiene.
3. O doente deve abster-se de carne de porco, comidas salgadas e apimentadas ou fortemente condimentadas, bebidas alcoolicas (vinhos finos, cognac, cerveja, aguardente, etc.). Pode beber às refeições um pouco de vinho tinto traçado com muita agua.
4. O doente não deve andar a cavallo, não deve dançar, não deve andar em bicycleta nem de automovel.
5. É muito conveniente usar um suspensorio para os testiculos.
(..)
8. A blenorrhagia que merece pouco cuidado da gente moça, póde ser causa de muitos desgostos para o individuo e para a familia. (…) Um individuo que se case, tendo a gota militar (blenorrhagia ou esquentamento chronico) contagiará fatalmente a esposa. (…) Muitas doenças próprias das mulheres reconhecem como causa a gota militar dos maridos que estes desprezaram ou não quizeram tratar em solteiros. (…) Nos casos chronicos favoraveis, o marido fica sujeito a ser reinfectado a cada passo pela mulher, na occasião das relações sexuaes.
(…)
10. É de maxima urgencia que os individuos, atacados de blenorrhagia, procurem um medico, única pessoa competente para os tratar não com drogas maravilhosas e secretas, mas com remedios conhecidos pelos médicos de todos os paizes.
Prophylaxia sanitaria e moral: II Blenorrhagia
Porto: Typographia Santos, 1913 – 2.ª Edição, pp.1-7
Ouvir é andar o discurso dos passos
18 maio 2010
E por falar em (in)docente
Sim, porque é que a Playboy não tinha uma edição portuguesa no tempo das aulas com a minha professora de Inglês do décimo primeiro ano?
Porquê, digam-me?!
______________
Joao: "Em complemento à pergunta do Shark, tenho igual interrogação acerca da minha professora de matemática do 5º ano, em cujas aulas havia um disparate de lápis e canetas a cair ao chão apenas para um vislumbre daquelas pernas, das minhas professoras de Francês, do 8º e 9º anos, e, finalmente, da minha professora de informática, no 10º ano. Teria sido interessante.
Quase me esquecia da professora de Educação Visual, no 5º ano.
Só teria precisado de 5 números da Playboy para resolver estas curiosidades. Todos estes anos volvidos, pergunto-me se alguma delas ainda guardará os seus predicados. (...) Apercebi-me, de repente, que assumindo que elas teriam, naquela altura, trinta e poucos anos, já serão todas cinquentonas ou muito perto disso. Bolas, que o tempo passa... e se tiver errado na estimativa, pode até acontecer que alguma delas já tenha cruzado os 50 muito a caminho dos 60. Caramba."
Gomalaca: "«É quando começam a ter rugas que as uvas são mais doces» - Confúcio"
PortugalEstáFodido: "Esta professora é uma «lasca», aquilo que chamo de verdadeira mulher, daquelas que enchem o olho e não só! Esta mulher é um monumento à beleza feminina, até me dá vontade de chorar.
Deviam era substituir aquela figura triste e deprimente que nas procissões levam nos andores, por esta mulher de carne e osso, capaz de fazer milhares de crentes percorrer imensos quilómetros de joelhos!"
OrCa: "Ah... e a minha professora de Ciências Naturais, do 4º ano liceal, que apoiava o ventre à esquina da minha carteira - era assim que se chamava - na primeira fila, sempre que se dirigia aos galfarros... E eu fiquei sempre sem saber se aquelas aulas lhe davam mais gozo a ela ou a nós... E quando levantava os braços para pendurar o mapa do esqueleto do coelho ou do pombo, a bata e a saia, já de si curtas, alçavam-se a esplendores anatómicos que produziam um incontrolável bru-á-á na rapaziada que seria impossível não ouvir... Chegaram a oferecer-me dinheiro para trocar de lugar comigo, na aula de Ciências Naturais!"
shark: "É bom, uma pessoa ter assim memórias do tempo de escola em que éramos tão sedentos de aprendizagem e assim..."
São Rosas: "Eu hei-de sempre lembrar-me de uma professora, de cabelos compridos, que passava a aula enrolar os cabelos e depois deixava-os cair soltos pelo corpo todo.
Se na altura já eu era lésbica assumida, depois disso assumi a irreversibilidade e assim..."
Santoninho: "Olha, eu tive um professor que partia nozes com a piça em cima do tampo da secretária e nunca ninguém o chamou à atenção por isso..."
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Entretanto, criei no Facebook o grupo Bruna Real a ministra da Educação». Quem vota a favor?
da professora toda despida e desta apagada e vil tristeza que nos veste a todos...
O director do Agrupamento de Escolas da Torre de Dona Chama, clarinho como a água de tanta ribeira poluída deste País, nos afiançou: "Aparecer numa revista sem roupa não é compatível com a função de professora e de educadora". E daí a anunciar a rescisão do respectivo contrato foi um ápice.
E logo sequenciado por pudibunda e pressurosa vereadora que de pronto retirou a senhora da escola e catrafiou-a num arquivo, a bem da moral e dos bons costumes, quiçá ao abrigo dos olhares concupiscentes, protegendo-a a ela da gula dos concidadãos e aos concidadãos do pecado da gula (para além de outros menores, claro). Fica-me, confesso, a inveja dos bichinhos-de-prata, useiros e vezeiros nestas coisas dos livros e papéis velhos e que poderão desfrutar à vontade de quanto ao comum cidadão foi sonegado…
Precisamente
Precisamente hoje:
embala-me, abraça-me,
aguça-me o apetite;
volta, meia volta,
volta e meia
preciso que venhas
e me aguces assim.
Um verbo, um delírio,
o som e o gemido audível,
preciso - precisamente - hoje
que me perturbes o sono.
Foto e poesia de Paula Raposo