23 maio 2010

passatempo...


Dilúvio


Perturbante.
Sensação que aflora
o meu corpo em dilúvio.
Estremeço.
Divago.
Entrego-me.
Já não sei regressar
ao canto escondido
dos nossos dias de pressa.
Aterrador: o tempo.
Não há memória que resista;
a ausência marca-nos;
dispersa-nos
e - talvez -
mata-nos o coração!


Foto e poesia de Paula Raposo

Mariana: conto das sombras

Agora que não te trais e que ninguém te trai, sabe que te trai a tua sombra: ela continua a colar-se à minha pele durante a noite, todas as noites. E depois trespassa-me. Uma e outra e outra vez. Mais tarde, enfraquecida pela aproximação da manhã que sabe sempre escura junto de ti, quer invadir a minha sombra e morar aqui. Mas eu não deixo; convido-a a sair pela janela e penduro-a no regaço da lua para que encontre o caminho de volta. Porque a minha sombra não me trai; porque eu vou com ela onde quero ir mesmo que a sombra do medo ou de qualquer outro sentimento escuro nos acompanhe; porque eu não quero ser uma sombra.

22 maio 2010

Prostituição: carta aberta - a realidade na sombra (Comentário "extraído" do facebook)

O texto que se segue é o comentário integral deixado no mural do meu facebook pelo José Daniel Nunes Dias:

"Posso ser polémico, mas possuo uma visão muito própria e que resumiria em poucas letras...

A relação sexual comercial habitual é uma relação rápida e, por norma, desprovida de afecto. Mas, às vezes, pode haver sentimentos e emoções passíveis de serem concretizados.
Muitas vezes, os clientes tornam-se habituais e começam a investir naquela relação, que passa a ser de amizade, de afecto e, caso a prostituta esteja disponível, pode até evoluir. Ou seja, apesar de, por regra, não haver afecto, é possível que ele exista. Tal como o prazer.

Antigamente, definia-se a prostituição como a ausência de escolha e de prazer; quanto à escolha, já vimos que existe; quanto ao prazer, embora não seja algo facilmente admitido pelas prostitutas, percebe-se que algumas acabam por tê-lo com os clientes. Ora, isto é polémico: dizer que a prostituta é activa, que escolhe, e, ainda por cima, que o faz porque pode ter prazer sexual, é mais um tabu para o que se julga ser o comportamento sexual adequado a uma mulher... É mais fácil vê-las como vítimas, e não como sexualmente activas, porque o comportamento esperado de uma mulher não é aquele – é o recato, a monogamia, a fidelidade, ideias que estas mulheres, de algum modo, vêem contrariar. Daí a sociedade não estar preparada e não aceitar muito bem esta profissão.

Assim, os clientes não são nenhuns pervertidos, são homens de todas as classes sociais, idades, estatuto civil e experiência de vida - os maridos, pais e irmãos de toda a gente. Os abolicionistas, que acham que a profissão é uma forma de violência sobre a mulher, chamam aos clientes “prostituidores”, porque, na sua óptica, a mulher é uma vítima passiva tanto do chulo como do cliente - a lógica é: se não houvesse clientes, não havia prostitutas. E fazem deles seres perversos. Não são.

Há que respeitar uns e outros e olhar para esta profissão como mais uma."



A minha resposta:


Bom comentário, muito bom mesmo. Eu apenas substituiria o "que o faz porque pode ter prazer sexual" por "quando o faz pode ter prazer sexual".

Não digo que não existam mulheres que se prostituem pelo gozo de se prostituírem mas não me refiro a elas quando escrevo. Não por criticar mas porque simplesmente não saberia o que dizer, não conheço nenhuma. Conheço algumas, num extremo, que decidiram prostituir-se por fome de comida e outras, noutro extremo, que decidiram por fome do último modelo da Nokia e todos os casos intermédios. Em todos, o ponto comum: motivação base - dinheiro; mesmo que depois 100 outros motivos se pudessem juntar a esse, o central - dinheiro.

Depois, se o prazer acontece? Claro que pode acontecer, afinal continuam a ser pessoas. Depende do homem, depende da mulher, depende do dia, da hora, do estado da lua; mas estas circunstâncias não fazem com que as pessoas deixem de ser seres humanos.

Se há aqui vítimas ou mulheres que não tiveram outra opção ou que outra opção seria insuficiente? Há... Mas também há quem esteja aqui porque escolheu estar. De qualquer forma falamos sempre, quando falamos em alternativas, de alternativas insuficientes. E sofremos todas o preconceito, as dificuldades de se ter uma vida dupla, a discriminação, o medo de sermos descobertas.. o dedo apontado.

Não, não é uma vida fácil, embora algumas possam achar mais fácil que outras, depende de cada uma a forma como se lida internamente com isto.

Infidelidade? A minha perspectiva romântica não me permite considerar infidelidade um encontro que não tem como motivação (da mulher) o desejo. Mas isto é teoria, na prática, o companheiro de uma prostituta tem dificuldades sérias para racionalizar a coisa dessa forma.


Não, os clientes não são nenhuns bichos papões e mauzões. :) Mas que os há, bichos papões e mauzões, há; mas isso não é porque são clientes, é porque há homens assim que por acaso são clientes.
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Agradeço ao José o comentário que "emprestou" aqui ao meu blogue. :) Obrigada! Quem quiser, pode "espreitar" o original aqui.

Viagem ao jardim das sombras

Recebi agora o meu exemplar do livro «voyage au jardin des ombres», com uma dedicatória da autora das ilustrações, Lulu Amere. Eu bem gostava de ter um salário que não fosse português, para comprar um dos desenhos originais dela...


A capa


A dedicatória


Tinha-lhe pedido para me fazer um pequeno desenho na dedicatória. Quando recebi o livro, fiquei triste por não ver lá o desenho que lhe tinha pedido. E ela perguntou-me se eu não tinha visto o "piscar de olho". Tinha visto, mas é um desenho tão perfeito que pensei que era uma ilustração do próprio livro. É este:


«le clin d'oeil»



Ginástica íntima

Ora vamos lá, meninas. Um, dois... um, dois... um..., dois... e...





Explicam no YouTube:
"Intimate gymnastics" é um programa patenteado por Tatyana Kozhevnikova. Tatyana é a única mulher do mundo que levantou 14 Kg com os seus (dela!) músculos íntimos - consta no The Guinness Book of Records (2003).

Se querem ver mais, é só pesquisar no YouTube por "Intimate gymnastics".

21 maio 2010

Não me peçam para assistir a um filme pornográfico em 4D!

"Rock in Rio arranca hoje também em 4D - os visitantes são convidados a assistir a um vídeo com aspecto tridimensional, mas ao qual se somam salpicos de água e acções sensoriais que fazem parte da experiência a 4D"
in Diário Económico

Carta aberta da Miss Joana Well - a realidade na sombra

[carta de Miss Joana Well eliminada pelo Blogger porque "o seu conteúdo violou a nossa política de atividades ilegais", mesmo sabendo-se que, em Portugal, o lenocínio (exploração da prostituição) é crime, mas não a prática da prostituição]

Os dedos

Solta-se da maresia
uma longa história:
entranha-se nos dedos.
Salgada, doce,
sabedora de segredos
uma infinita descoberta.
O poder de te saborear:
lamber as gotas
que escorrem do teu peito.
A maresia percorre-me
os sentidos,
no sentido inverso da realidade.

Foto e poesia de Paula Raposo

A primeira impressão é a que fica?

Nem sempre… Nem sempre…


Você pensaria o que? Apenas outro antílope morto por um cão selvagem?


Pois é, esse PitBull é Poodle!

Capinaremos.com

20 maio 2010

A «nossa» Bruna Real é uma santa!

"Aqui no Brasil, uma professora saiu pra balada. Isso foi lá na Bahia. Era professora de criancinhas. Olha o que ela aprontou.
Deu a maior polêmica.
Foi demitida e tudo.
Flávia Belo"

Quem ainda não aderiu ao grupo do facebook «Bruna Real a ministra da Educação»?

Será uma antestreia do Salão Erótico?!


Olh'ó grelinho liiiiiiiiindooooooooo!"

Tráficos

O funeral decorria dentro da tristonha normalidade que envolve a morte de um velho que já deve anos à terra, quando, de repente, descontrolando-se, o rapaz desatou num berreiro desalmado, repetindo num lamento aflitivo que condoeu todos os presentes:
– E agora, meu Deus?! E agora?! E agora?! E agora, meu Deus?! E agora?!
Primeiro os presentes estranharam e, ainda que incomodados, aceitaram o que podia ser uma legítima manifestação de dor. Depois, percebida a fonte da ladainha, o que podia ser, em qualquer outro, um compreensível e aceitável descontrole emocional foi rotulado como uma pouca vergonha e uma absoluta falta de senso e respeito pelo morto, a que acresceu, e não foi despicienda para a censura generalizada, a desinteressante repetição do monólogo que não ganhava motivos de interesse e o insuportável nível acústico a que, por vezes, era debitado, obrigando a que, enquanto o corpo do ancião descia à terra, dois amigos ladeassem o inesperado carpideiro, o amparassem e levassem quase de rojo para fora do pequeno cemitério.
Sem parecer notar a forçada remoção ou os olhares censórios que o acompanhavam, o rapaz continuava a soluçar a sua invariável lengalenga:
– E agora, meu Deus?! E agora?! E agora?! E agora, meu Deus?! E agora?!
Sensibilizado, como mais ninguém, o sacerdote que tinha a seu cargo dezassete freguesias e pouco tempo ou interesse para conhecer os paroquianos que não frequentavam a liturgia ou que não contribuíam para o bem-estar do rebanho e do seu pastor, inquiriu da identidade do jovem.
– É um amigo do neto do sr. Rebelo – explicaram-lhe, sem mais detalhes, ainda que (ou porque) lhe estranhassem a pergunta.
– Coitado do moço, está mesmo afectado. Pobre rapaz – ia comentando o sacerdote para quem o cumprimentava, prosseguindo na direcção do mais afectado dos presentes no funeral, ainda que o fizesse para se ir embora e não por algum desejo súbito de confortar o jovem.
Junto à porta do cemitério, o padre cumprimentou o neto do sr. Rebelo que amparava o inconformado mancebo, acenou com a cabeça para o rapaz que o suportava segurando-o com o seu braço direito, e, fitando o desesperado, dirigiu-lhe umas breves palavras de solidariedade, obtendo como resposta a mesma anterior ladainha, remoída num sussurro desesperado.
– Coragem, rapaz, coragem – despediu-se o padre, encaminhando-se para a sua viatura onde o esperava uma mulher. – É preciso é coragem. Muita coragem.

Sem olhar para trás, o padre aproximou-se do carro, abriu a mala, desparamentou-se, depois de constatar a ausência de qualquer movimento da acólita para o ajudar, vestiu um blaser, arrumou as vestes litúrgicas, fechou a mala e entrou no carro, sentando-se pesadamente ao volante.
– Já está? – perguntou a mulher, que se mantivera, até aí, quieta e calada.
– Já – respondeu o padre, de maus modos. – Podia ter saído – censurou, ligando a ignição.
– Para quê? – perguntou a mulher.
– Ajudava-me a tirar alba e as pessoas viam que era você… – O padre rodou o volante, para efectuar inversão de marcha.
– Porquê?! – disparou, com animosidade, a mulher e esperou que o padre a olhasse para completar a pergunta: – Porquê, costuma andar com outras mulheres no carro, é?
O padre não respondeu, cogitou sobre a forma de o fazer mas, não chegando a nenhuma opção satisfatória, preferiu mudar de tema aproveitando que o automóvel iria passar em frente ao portão do cemitério, onde estava o lamentoso jovem que havia perdido o rumo na vida com a morte do senhor Rebelo.
– Aconteceu uma coisa estranha no funeral – comentou o padre, terminando a manobra de inversão de marcha. – Está a ver aquele rapaz, ali no meio dos outros? – A mulher assentiu proferindo um som gutural quase inaudível. O padre continuou enquanto o automóvel se aproximava: – Não é da família mas era o mais afectado pela morte do velho… Era só – o padre caricaturou o tom choroso do rapaz, dando-lhe uma entoação de nasalado aparvalhamento: – “E agora? E agora, meu Deus? E agora?”
– Vá devagar – ordenou a mulher, quando o automóvel passou em frente do grupo. O padre abrandou a marcha e a mulher, levantando a voz, quase gritou: – Eu conheço-o. Eu conheço o ra… Ah!
– O que foi? – perguntou o padre e, espantado com o inesperado volume da voz e a súbita e inconclusiva interrupção da mulher, travou o automóvel, em frente ao portão do cemitério.
– Continue! Continue! – disse ela, reforçando a ordem com gestos nervosos. – Continue!
Sem pensar, o padre obedeceu e acelerou, ainda que de forma mais ruidosa que eficaz.
A mulher olhou-a desaprovadoramente mas nada disse.
Vexado, o padre esperou a normal e ácida censura à sua condução e, depois, a explicação quanto ao conhecimento do jovem choramingas mas, constatando o prolongamento do silêncio e a súbita turvação da expressão da mulher, avançou:
– Afinal, mas quem é o rapaz? O que é que aconteceu?
– Espero bem que não seja o que eu estou a pensar – ponderou a mulher, muito preocupada. – Espero bem que não… – A mulher olhou para o padre e perguntou-lhe compenetradamente: – E o que é que ele estava a dizer?
– Estava desesperado…
– Mas o quê? – insistiu a mulher. – Há bocado não o estava a imitar?
– Estava – admitiu o padre. – Ele só dizia “E agora, meu Deus?! E agora?! E agora?! E agora, meu Deus?! E agora?!”
– Que pouca sorte… – lamentou a mulher. – De certeza que é o que estou a pensar… Que pouca sorte…
O padre olhou-a intrigado e, preferindo não ir directo ao assunto, perguntou:
– Mas quem é o rapaz?
– É o filho do Santos.
– Qual Santos?
– Do enfermeiro.
– É?... É o filho do António? – admirou-se o padre. – Aquele é o Antoninho?
A mulher, de olhar perdido que acabou por pousar na braguilha do padre, anuiu desolada:
– É, é o Antoninho. É mesmo o Antoninho.

– E agora? – perguntou o Antoninho. – E agora, Alex?
– Mas tu só usavas o avô dele? – inquiriu o outro, em tom conspirativo.
– Agora era – murmurou Antoninho, passando a mão pelo rosto. – Na semana passada morreu o avô do Juca e na outra tinha morrido o velho Neves… – O Antoninho suspirou profundamente e recomeçou: – Ainda por cima os sacanas dos velhos morreram todos de repente, pá. E numa altura lixada…
– A Primavera… – troçou o neto do sr. Rebelo, abafando o riso. – Chega a Primavera e a natureza começa a desabrochar…
– Se fosse só a natureza… – acompanhou o Alex, rindo.
– Vocês riem-se mas eu é que estou todo lixado – lamentou o Antoninho. – Ainda por cima não tenho stock nenhum.
– Não?! – preocupou-se o Alex. – Nada?
– Quase nada – esclareceu o Antoninho. – Dá para três dias.
– Três dias?! – horrorizou-se o Alex. – Três dias?!
O Antoninho acenou que sim sem vislumbre de esperança.
– Meu Deus… – desabafou o Alex pondo as mãos na cabeça, sem esconder um sorriso trocista. – Vêm aí tempos maus… Tempos muito maus… Tempos de penúria e tédio… Então, e o que vais dizer… O que vais tu dizer… O que vais tu… – Alex colocou a voz como se estivesse a acusar o outro: – Tu, o fornecedor de substanciais alegrias aos habitantes e sólido consolo às habitantes das nossas freguesias; Tu, o dealer das maravilhosas noites azul-viagrosas e das deleitosas tardes cialis que suportam o ânimo das nossas gentes; Tu, o recuperador de auto-estimas, semeador de sorrisos e sustentáculo das alegrias conjugais e extra-conjugais de meio concelho… O que vais tu dizer aos teus clientes?
– Os meus clientes… – relativizou o Antoninho, encolhendo os ombros e espantando os outros. – Com os meus clientes posso eu bem… Que todos os males fossem os meus clientes…
– Então?
– O que me preocupa são as minhas clientes, pá, as minhas clientes – esclareceu o Antoninho, em pânico. – Com os homens posso eu bem: não há esta semana, há para a outra ou para a outra a seguir ou tem de se arranjar outra solução que ainda tem de ser estudada. Agora com as mulheres… Com as mulheres… Com as mulheres não sei se me safo… – O Antoninho abandonou-se ao desalento: – E agora, meu Deus, e agora?
– Agora?… Agora tens de arranjar outros velhos para darem o nome para as receitas – concluiu o neto do sr. Rebelo, alçando os ombros despreocupadamente.