07 julho 2010

Amar é preciso

Quando o grego se despediu de mim no aeroporto, fê-lo com três beijos. Não foram bem beijos, foi mais um encostar da face, que não sei se teve esse formato mais ligeiro por respeito à diferença cultural, ou se é mesmo assim. Em jeito de brincadeira pensei para mim: pois é, por isso tendes aquela loiça toda pintada com homens nús musculados. Mas a brincadeira esconde muitos preconceitos, e o facto é que a nossa sociedade não está preparada para o Amor entre os homens.

Virá alguém dizer, em bicos de pés, que isso é um reflexo da nossa cultura judaico-cristã, essa cartilha de valores castradores. Esclareça-se, primeiro, que o amor ao qual me refiro não é o amor romântico e/ou sexual, e, segundo, que essa mesma tal cultura judaico-cristã nunca nos impediu de demonstrar Amor a potes pelas mulheres. Especialmente pela mulher dos outros. Coisa que, numa cultura de forte influência religiosa, é matéria para ocupar o pódio em pecados graves.

O Amor sobre o qual penso aqui é um Amor que devia unir todas as pessoas. Com algumas delas é manifestamente difícil, compreendo. Mas devia tentar-se. É o Amor fraterno, aquele que julgo ser a cola do mundo, a única coisa que nos salva de existências tristes, dominadas pelo medo. Sermos capazes de Amar e de admitir esse Amor. Sermos capazes de dizer aos nossos amigos que os Amamos, sem o receio de sermos confundidos ou considerados inconvenientes ou gays. Se mesmo a uma mulher isso exige preparação, a um homem é muito mais complicado. Há mulheres – não muitas – a quem eu sou capaz de dizer que as Amo, e a quem já o disse. E, dizendo-o, não fui mal interpretado. Elas sabem que Amor é esse que lhes manifestei, e sentem-se confortáveis com isso, há reciprocidade. São mulheres com quem criei fortes amizades, pessoas que respeito e valorizo muito, e por quem nutro Amor. As amizades, quando puras, são tão só uma forma de Amor. Se assim é, porque não dizer-lhes que as Amo? Disse.

Mas com os homens é muito mais difícil. Somos machões, fomos criados machões. Tive a sorte, assim o entendo, de ter uma mãe muito espiritual e muito carinhosa para as pessoas. E como sou minhoto não é estranho ouvir as pessoas tratar-se por “meu amor”. Mas se da minha mãe recebi a capacidade de Amar, do meu pai herdei o lado machão. E é isso que predomina na nossa cultura. Uma cultura em que os homens não choram e em que o Amor é apenas um: o do sexo e mais nenhum (excluindo o Amor pelos filhos, que é aceite).

Já disse a talvez dois amigos meus que os Amava. E sei que eles me entenderam. Porque são pessoas que eu considero de bem, com bons sentimentos, capazes de entender o que isso é e sem medo. Sem medo de serem entendidos como gays. É importante, isto, porque também eles são machões e pouco receptivos à gayzice.

Precisamos avançar no Amor fraterno. Dizê-lo sem medo. Custa. Mas é preciso. Porque se nos fecharmos cada vez mais, descolamos e o mundo solta-se. Precisamos separar o Amor romântico do Amor fraterno. Precisamos entender as coisas como elas são. Quando o nosso mundo se abre ao Amor entre as pessoas, fica muito mais belo. Com menos tristeza e menos medo.

O meu Amor romântico é um exclusivo das mulheres, essa belíssima, ainda que por vezes complicada, criação de Deus. Mas o Amor fraterno é para todos, e tenho esperança de um dia o poder declarar sem receios a quem o mereça. Amar é preciso.

Mais uma placa motivacional


Há sim, um relógio na imagem.

Capinaremos.com

Irene Poema

E agora? Dizes-me tu como vou eu fazer isto agora?
Olha a neve, Irene, já cai branca, branca, lá fora;
e como ela, dizes-me tu porque tudo também cai?
Olha como se enrola, tão branca, nos cabelos de crianças
onde brilham ainda as luas; Irene. Irene, vem e sai
de casa, o escuro espreita que cresças, cobiça-te as tranças;
vem brincar, Irene, só perdes o tempo que se chama demora.
Vem comigo, fingirei que ainda nem sei a que chamam hora;
como vou fazer isso sem ti, agora que sei que o tempo se esvai?
Olha os laços, Irene, as nuvens nas mãos vão ser lembranças
e essas nos ficarão; a eternidade somente essas nunca trai.

Mordomo egício satisfaz a patroa - objecto articulado em prata

Quem sai aos seus...



HenriCartoon

06 julho 2010

terceiro termo


Quem sou eu?
(ora aí está uma pergunta interessante da tua parte. Talvez interesseira, também. Mas certamente interessada)
De dia, uma executiva irrepreensível. Gosto do meu trabalho. Com ele ganho o dinheiro suficiente para gastar naquilo que me deixa feliz: copos, roupa, sapatos, malas.
Assumo a futilidade do meu ser sem qualquer preconceito. E os meus dois mundos. Mesmo quando estes se cruzam.
(Dois mundos?)
À noite, sou aquela que deixa homens
(e mulheres!)
loucos, excitados, por me verem em palco a realizar as suas fantasias.

[continuem a ler... aqui!]

projecto Olhar a Palavra
texto de Joana Sousa
fotografia de João Paca

Descascar

Apetece-me descascar o que resta de mim
e tentar entender
se o que resta de mim
- tirando a casca eventualmente
existente -,
ainda me pertence.

Vou pensar.

Prometo que um dia,
a casca não será mais
do que uma ilusão estúpida:
a vida que nos corta
- tão bem -
as voltas.

Poesia de Paula Raposo

Uma foto de capa de revista... e a foto original

Vejam as diferenças, que são mesmo muitas:



Fonte: Sedentario.org

40 graus à sombra



HenriCartoon

05 julho 2010

Carta à Tusa

[Sento-me a escrever à Tusa, palavras, sensações, funduras, equações, numa conversa que fala entre si.
Do delírio, escrevo-te em exaltação, numa ida e volta]

«Tu, que eu não vejo e estás dentro de mim, que me rodeias. Pura e salgada. Uma cega Deusa, que te escondes na fluência dos meus maiores movimentos. No plural. Num momento intenso. Num plural. Raiando. Na minha mão viciada e aluada.
És fel em brasa, potente, nas veias corrente. Correndo. Uma loucura. Na substância elementar que enche, preenche e me delira. Diurna, crua no poema. Água profunda. Nua. Inocente, que debaixo da plaina, o meu macho, transfundes. O inspiras. Respiras e me inspiras, tanto de fora como dentro. Tu, tudo sabes. Tudo desejas, através da voz do meu grito que estala e embriaga todos os meus dedos, na ânsia queimados, nessa tua força absoluta. Arguta, que murmuras cegamente, no saltear que se desprende no meu despir, faminto, de botão em botão. No verbo amar. No verbo foder. No verbo comer. No verbo saber.
Tanto tens de imortal como de absoluta. Eu sou, em ti, uma pequena abertura, um continente oculto, onde as tuas labaredas me alcançam nos aromas, na minha carne fria, difícil.
Escrevo-te porque te amo, acima de tudo porque me amo, no toque, no beijo, num desejo.
Escrevo-te da minha inteligência exterior, da minha secretária quadrúpede, onde sou palavra de energia rápida, embora não tão quente como tu, num gozo...
Um beijo
Da tua sempre amiga
Sensualidade

PS. Responde-me um dia destes...»

[Blog Vermelho Canalha]