16 julho 2010

A noite chuvosa

Quando a mulher que se anunciava a si própria como Georgia lhe prometeu uma maravilhosa e inesquecível rainy night, trauteando ao telefone, enquanto acertavam o preço, a duração e os serviços incluídos no contrato, uma versão acústica e muito pessoal de “A Rainy Night in Georgia”, substituindo em voz languidamente rouca o in por with, ele primeiro estranhou a cantoria mas depois, enlevado e convencido, aceitou os termos do negócio e, risonho e já excitado, deixou as expectativas crescerem desmesuradamente, nunca imaginando, no entanto, que havia de acabar a tal rainy night sob os efeitos de um quente e dourado aguaceiro.

Helena Poema

Nas estradas do meu corpo, à luz de bocejos,
passeiam as memórias fracas de desejos
dos que se acendem sem as saber iluminar.
Beijos, meu amante, não me fales mais de beijos
não faças só das palavras cortejos
sozinhas elas não me conseguem beijar.

Nas estradas do meu corpo, à luz de bocejos,
passeiam as memórias por esconderijos
onde os teus beijos não souberam passear.

O Meu Frigo

Esta fotografia fez-me lembrar o blog O Meu Frigo.

Há por aí alguém interessado em presentear-me com as fotografias do vosso frigorífico?! Sejam originais e criativos.

O frigorífico da São Rosas é o número 155: vejam como ela tem o material sempre fresquinho...



Via IsoparaMetric

Crises conjugais



HenriCartoon

15 julho 2010

Letras

Na loucura absoluta dos meus actos escritos, a mente e a sede tornam-se em mim num acto absoluto de poesia.

Letras;

As letras atravessavam-me as mãos. O luxo é somente um pequeno espaço, um talento húmido que cresce entre os nós dos dedos, dos meus, em golfadas obsessivas da noite gira, rápida e espaçosa.
A loucura está tão perto do meu braço que a sinto tão pura, nas entranhas, na boca, ao sal exposta, na múltipla assimetria que me une à escrita.
Fecha-se a página na vagina. E o meu poema passa a ser uma ilha, galvanizado pela minha mão...

[Blog Vermelho Canalha]

Flechas

Escuta-me;
no fim só terei falado do que escutares.

Eu, aqui, faço do peito arco; um lançar não é tão fraco
quanto um peito franco é assim lançado em arco
nas palavras flechas; nelas ouves-me que me montei?

Sim, é certo, tão certo, dizes-me, que me arqueei
mas, escuta-me agora, que tudo foi para me escutares.

No fim, saberás: apenas do que ouviste eu falarei
ou de peito fraco,
franco dobrado em arco,
apenas flechas perderei
que do nada quando nada ouvires nada eu nunca te direi
e em tudo o que me perderei sou tão eu que me perco
de peito em arco, dobrado fraco,
lançado franco.

Agora é que vão ser elas!


Máscara japonesa revela casal feliz

14 julho 2010

it takes three (maybe more...) to tango

Sempre gostei de te ver dançar. A sensualidade dos teus movimentos tem um efeito sufocante na minha respiração. Mas eu gosto que me sufoques, como só tu sabes.

Apetece-me tirar-te a camisa, rasgá-la com as minhas próprias mãos e permitir que a dança continue. Tu e ela.

E eu, observadora atenta dos teus passos, qual predador que se aproxima cautelosamente da sua presa (na verdade, das duas presas) deixo que o calor percorra a minha alma.

Hoje sou eu quem vai dominar. Sou eu quem vai conduzir o tango dos três corpos que se querem e se desejam; que vibram, que trocam prazer sem fim.

O tango que também é das almas. Almas que buscam o acontecer da sua fantasia. A três.

Quem diria que os nossos caminhos se cruzariam desta forma tão prazenteira? Que ambos (os três) nos iríamos embrulhar em suor ilustrado com pedidos de quem não se satisfaz facilmente? De quem quer mais?

Sempre gostei de te ver dançar. Tu e ela. A dançar em mim.

[para ler ao som de Alejandro]

Tabaco de desenrolar

Um cigarro, último por hoje.

Vou dormir sem tentar demorar a noite; talvez nos próximos meses acorde muitas vezes para dias que me vão assustar; tenho sempre medo porque basta somente que os dias nos consigam ver e as lâminas também o conseguirão: toda a gente sabe que andam sempre aguçadas à espreita especialmente de quem ousa pisar margens. Mas não vou demorar a noite...

Mas não vou demorar a noite. Nunca mais nada será em vão, nem sequer se for apenas um só golpe fundo. Não importa; nada em vão porque dos meus golpes já não sai sangue, saem-me palavras. (Saem, doem... Continuo a estranhar muito este roubo dos iii nas palavras que os deviam ter.)

Não vou demorar a noite; aterroriza-me - mais que as lâminas que me possam ver - que os dias não me vejam. Quando os dias não nos podem ver, é-nos concedida a imunidade do alheamento. Sim, evitamos os golpes; porém, essa espécie de redoma dos adormecidos é completamente estanque.

Um cigarro mas, por hoje, último.