A coisa passa-se assim: mulher que é mulher tem de mexer comigo. Tem de haver ali alguma coisa entre a sugestão e o pecado, com laivos de poesia à mistura, que lhe deslize pelo corpo, que lhe escorra pelos dedos e que desabroche num sorriso.
Tem de haver curvas, claro, mas curvas de nível, como coisa inusitada mas persistente. Localizadas, certeiras, previsíveis e, ainda assim, contendo em si o mistério de um poema, deixando depois a cada um e a cada gosto o sentido da justa proporção das coisas.
E tem de haver, também, saboneteiras, como dizia o velho Vinícius de Morais, que mulher sem saboneteiras é senhora de menos graças. E os joelhos são fundamentais, de personalidade definida mas sem imporem a ossatura; tal como a curvatura interna da coxa, essa inefável raiz da coxa, – tem de se impor pela suavidade do contorno, mas é imperativo que ele marque presença. E aí então, ao toque, deve prevalecer um arrepio de veludo, apenas perceptível de olhos semicerrados.
No percurso dos seios até às nádegas, a óbvia e necessária sugestão de violoncelo. E as coxas, depois, devem ser pródigas, parideiras, mas nunca excessivas. Por isso as nádegas devem desenhar-se em espaços algures entre o pêssego e o sonho e afirmarem a sua presença gloriosa depois de uma cintura bem marcada.
Entre o umbigo, o ventre e o monte de Vénus deve existir uma cumplicidade de vales e colinas, onde cada elemento se complementa e se sequencia como regra constante do universo, como valsa impossível em vergel inventado.
Sempre a barriga da perna deve conter a simetria com a sua irmã gémea, num sobressalto claro do joelho, que a anuncia, e do artelho, que a remata, e com proporções tais que façam empalidecer de inveja as colunas gregas da antiguidade clássica.
E pode até haver marcas da guerra dos dias, refegos de parto ou de assim ser, vincadas, ténues ou profundas, como a Vida, mas tudo deve assumir a volúpia de ali estar apenas porque sim e serem assumidas e servidas, sempre em regime de profundo e assumido voluntariado, à mesa ou à cama ou, mesmo, no tapete da sala ou, ainda, no desconchavo anárquico de uma súbita urgência, no esplendor da relva de um jardim ou de um esconso discreto de escada, como no rebordo rumorejante da onda salgada, mas indubitavelmente como uma bandeira de carne e coração na explosão de um momento.
Tem de haver essa conjugação de sentir, de querer, de estar e de partilha, de se dar tanto ou mais de quanto se recebe, no turbilhão que afoga os corpos e os liquida em êxtases de volúpia. Mulher com reservas de pudor, mentais ou físicas, é – como acontece com o homem – o inevitável acto falhado, a infelicidade do desperdício, a comédia triste do melodrama.
Os fluidos devem fluir… fluidamente, na exacta apetência dos sentidos, no fulgor inexcedível da circunstância, na fruição da natureza em grito a plenos pulmões, nem que seja sob a forma de um murmúrio, de um espasmo gorgolejante, de um ai que mal se entoa.
E a mulher é feita também de cabelos. Curtos, compridos, lisos, ondeados, encarapinhados, fulvos, morenos, alourados, onde os nossos dedos se emaranham, se embaraçam na tepidez da nuca. E uma leve penugem, também, que sobrevenha em recônditos descobertos de um corpo, pode ser factor determinante.
Em tudo, aquela cadência de veludo, ao correr dos dedos e uma mistura de quente e de frio só decifrável nesse nível de impressão digital deixada muito levemente sobre a pele.
E depois há sorrisos, cúmplices de olhares, que só existem quando a mulher é.
E aí se realizará um momento perfeito.