– E ele disse que achava que o frio era esclarecedor, seguiu a conversa sem dizer nada e acabou a proclamar “Viva o sol", como se, realmente, não quisesse esclarecer nada. – A mulher fez uma pausa, repetiu o “viva o sol” num murmúrio a olhar para o céu (o sol estava lá e via-se da janela mas não no sitio para onde ela olhou), e completou: – E eu perguntei-lhe: “O frio é esclarecedor porquê?”
A mulher, que falava enquanto lia um ofício numa folha de papel, calou-se e deixou-se perder na elaboração da resposta, teclando como se a pressão que fazia nas teclas e a rapidez com que digitava as palavras pudesse dar colorido e tom ao texto.
– Vocês estavam onde? – perguntou a outra mulher, depois de desesperar pela continuação da história.
– Num... – A mulher hesitou. – A beber café.
– E ele não respondeu?
– Quem?
– O Saraiva, quem é que havia de ser?!
– Não faço ideia – concluiu a mulher, sem parar de escrever.
– Não fazes ideia?! – Insistiu a falsa loura, de calças de ganga justas e uma cerimoniosa blusa de amplo e vistoso decote, batendo com uma caneta no tampo da mesa onde se empoleirara de perna traçada.
– Ó doutora… – gemeu a escrevinhadora, olhando desesperada para o monitor à sua frente. – O doutor Cristino quer que eu lhe envie esta resposta antes das cinco, para ele a enviar a seguir.
A doutora olhou para o relógio de pulso e encolheu os ombros:
– Acabas a história e eu vou-me logo embora.
A assessora do presidente do Conselho de Administração cerrou as pálpebras com força enquanto suspirava, abriu-as e capitulou com uma careta resignada:
– Aproveito e bebo um chá.
A doutora, vogal executiva do Conselho de Administração mas sem grandes atribuições, sorriu e recomeçou imediatamente a conversa:
– Estavam a tomar café e?
– A tomar café?! – Espantou-se a assessora que se levantara e rodeava a secretária, passando em frente à doutora que mudara igualmente de expressão: olhavam-se as duas com ar surpreendido.
– Tu é que disseste – esclareceu a vogal.
A mulher de pé riu:
– Só se fosse café com leite, ou melhor, com natas, mas sem café. – A assessora tocou na perna da doutora, um toque suave, junto ao joelho e piscou-lhe o olho antes de retirar a mão. – Quer chá?
Sem perceber porquê – sem sequer pensar nisso, na verdade –, a doutora ficou a olhar para o sítio onde a assessora lhe tocara, sentindo uma impressão estranha e longínqua que irradiava um calor ténue para o resto do corpo. Passou as mãos pelo cabelo, num gesto nervoso e excitado que a apanhou desprevenida quando se apercebeu de o ter feito e, de olhos fixos no cadenciado movimento das nádegas da outra mulher, demasiado perfeito para ser espontâneo, acabou por perguntar apenas:
– Chá de quê?