27 março 2011

Sai da frente ou ainda te fura um olho!

«Atracção na cidade» - por Rui Felício


Há anos que sou cliente daquela loja de pronto a vestir para homem, na Av. do Uruguai.
Não é que seja barata, mas os fatos são de boa qualidade, a confecção é perfeita e consigo sem dificuldade encontrar o tamanho adequado sem necessidade de serem feitos arranjos, nem nas calças, nem nas mangas.
Já lá conheci várias empregadas. Tanto as que saem como as que as vêm substituir, são sempre de uma extrema simpatia, cordiais, solícitas, eficazes, competentes e, normalmente, muito bonitas. Com corpos esculturais, mulheres jovens mas já maduras e de grande beleza, não se lhes consegue ficar indiferente...
Mesmo que não tencione comprar nada, às vezes passo por lá só para ver se há novas colecções. Porém, de há um mês para cá, tenho-a visitado com maior frequência do que o habitual.
Bem...porquê escondê-lo? Confesso que tenho ido à loja só por causa dela. Está na loja há pouco tempo, é nova, trigueira, salpicada por umas quase imperceptíveis manchas acastanhadas, que fazem lembrar pequenas sardas, e que lhe dão um atractivo especial, inexplicável, de sonho.
É a sensação de uma maciez aveludada, aquilo que sinto, quando, casualmente, os meus dedos lhe tocam, provocando-me um arrepio incontrolável no corpo. Suspiro baixinho, disfarço, as ideias atropelam-se-me em turbilhão e tento controlar o desejo louco de a ter. Evito que se perceba. Se calhar, sem sucesso...
Mas...
Um choque, um aperto no coração, foi o que senti no outro dia.
À porta, ainda não tinha entrado, vejo-a pendurar-se no pescoço de um homem jovem, bem constituído, que lhe sorria, que a afagava. Pelo vidro translúcido da porta, espreitava-os e adivinhava-lhes, com inveja, um ar de grande felicidade!
Nem cheguei a entrar. Dei meia volta e regressei a casa roído de ciúmes, recriminando-me pelo meu feitio inseguro e indeciso.
Pelo caminho tentei desvalorizar o inesperado episódio. Nos tempos modernos essas atitudes são triviais, as mudanças são comuns, as aparências nem sempre traduzem a realidade e, portanto, não devia preocupar-me demasiado.
Ontem decidi-me! Venci aquela estúpida indecisão, aquele marasmo, e resolvi passar pela loja ao fim do dia. Ganharia coragem e diria a verdade! Revelaria aquilo que me trazia o coração apertado. Não perdia nada com isso, monologava eu comigo mesmo... Assim acabaria com o sofrimento que me atormentava e que não tinha razão de ser!
Cheguei lá, procurei-a avidamente com os olhos. Mas não a vi!
Perguntei por ela, ansioso.
A empregada que me atendeu disse-me que aquela bela e cara gravata de seda italiana, de um padrão invulgar, era exemplar único e que a tinham vendido no dia anterior...

Rui Felicio
Blog Encontro de Gerações

Não-Despoema

E se chegar a manhã que devora os meus sonhos,
que fere e tomba as árvores nos meus caminhos,
meu amor, tu ainda serás o rio da noite
(mesmo que eu não grite, mesmo que eu não grite)
que se lança, em pranto, contra os ácidos que se espalham
no mar de luz angustiante, impiedosa, dos que acordam
apenas para o centro do pesadelos
nos olhos de princesas roubadas dos castelos;

e voltarás a adormecer--me
e a acordar-me
uma e outra e outra vez, voltarás
enquanto o meu pesadelo não for capaz
porque a noite não se dilui
(nunca termina o que não se conclui)
no frio, no medo, no calor que arde numa luz bruta
que fere os dias mais do que a dor, mar
que fere tudo o que não conseguiu levar
e pára e luta;

escuta,
e ao parar do coração, assim,
quando eu morro um bocadinho,
voltarás, tu voltarás
a bater contra o meu corpo
a cada instante do grito
voltarás pelo meu caminho
ao lado de bem dentro de mim
para me puxares até ao lado de fora do tempo.

Encontros imediatos do Chatroulette

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26 março 2011

«One Night Stand»

Meu amor

Cubro-te de beijos, meu amor,
No dia que desperta em mim
Neste desejo imparável
Que acorda em cada manhã,
Me alvoroça, me perturba
Nos braços que não são teus.

Aqueço-me ao longo do teu corpo
À volta do teu peito,
Neste abraço sem fim
Com que te adormeço cada noite,
Zelando os teus sonhos
Nestes meus olhos cansados,

Ser feliz é não olhar o tempo,
Saber que ele não passa por nós,
Saber que te posso amar
Em cada momento da minha vida.
Ser feliz é ser presente,
Nesta ausência física,
Saber que te posso beijar,
Saber que o meu amor és tu.

Ser feliz é ter-te inteiro,
Neste amor louco que te tenho
Enquanto te sentir em mim.

Poesia de Paula Raposo

Shooting Well #5

Numa pausa para tabaco, ainda assim, o obturador dispara.

Puberdade num minuto


One Minute Puberty from bitteschön.tv on Vimeo.

25 março 2011

O Chá

– E ele disse que achava que o frio era esclarecedor, seguiu a conversa sem dizer nada e acabou a proclamar “Viva o sol", como se, realmente, não quisesse esclarecer nada. – A mulher fez uma pausa, repetiu o “viva o sol” num murmúrio a olhar para o céu (o sol estava lá e via-se da janela mas não no sitio para onde ela olhou), e completou: – E eu perguntei-lhe: “O frio é esclarecedor porquê?”
A mulher, que falava enquanto lia um ofício numa folha de papel, calou-se e deixou-se perder na elaboração da resposta, teclando como se a pressão que fazia nas teclas e a rapidez com que digitava as palavras pudesse dar colorido e tom ao texto.
– Vocês estavam onde? – perguntou a outra mulher, depois de desesperar pela continuação da história.
– Num... – A mulher hesitou. – A beber café.
– E ele não respondeu?
– Quem?
– O Saraiva, quem é que havia de ser?!
– Não faço ideia – concluiu a mulher, sem parar de escrever.
– Não fazes ideia?! – Insistiu a falsa loura, de calças de ganga justas e uma cerimoniosa blusa de amplo e vistoso decote, batendo com uma caneta no tampo da mesa onde se empoleirara de perna traçada.
– Ó doutora… – gemeu a escrevinhadora, olhando desesperada para o monitor à sua frente. – O doutor Cristino quer que eu lhe envie esta resposta antes das cinco, para ele a enviar a seguir.
A doutora olhou para o relógio de pulso e encolheu os ombros:
– Acabas a história e eu vou-me logo embora.
A assessora do presidente do Conselho de Administração cerrou as pálpebras com força enquanto suspirava, abriu-as e capitulou com uma careta resignada:
– Aproveito e bebo um chá.
A doutora, vogal executiva do Conselho de Administração mas sem grandes atribuições, sorriu e recomeçou imediatamente a conversa:
– Estavam a tomar café e?
– A tomar café?! – Espantou-se a assessora que se levantara e rodeava a secretária, passando em frente à doutora que mudara igualmente de expressão: olhavam-se as duas com ar surpreendido.
– Tu é que disseste – esclareceu a vogal.
A mulher de pé riu:
– Só se fosse café com leite, ou melhor, com natas, mas sem café. – A assessora tocou na perna da doutora, um toque suave, junto ao joelho e piscou-lhe o olho antes de retirar a mão. – Quer chá?
Sem perceber porquê – sem sequer pensar nisso, na verdade –, a doutora ficou a olhar para o sítio onde a assessora lhe tocara, sentindo uma impressão estranha e longínqua que irradiava um calor ténue para o resto do corpo. Passou as mãos pelo cabelo, num gesto nervoso e excitado que a apanhou desprevenida quando se apercebeu de o ter feito e, de olhos fixos no cadenciado movimento das nádegas da outra mulher, demasiado perfeito para ser espontâneo, acabou por perguntar apenas:
– Chá de quê?

ovos... bom, e depois o galo canta, né?

D'escrever-te

Gosto de te escrever
quando digo que é literatura
tu pensas que é mentira
quando digo que é verdade
tu pensas que a fantasia arde
Percorres todo o poema
cada verso, palavra, rima
sem nunca me conseguires percorrer
lês cada riso, sonho, lágrima
sem nunca me conseguires ler
Eu gosto de te escrever
porque nas linhas, estou segura,
não saberás o tamanho da ternura
(sim, é mesmo verdade
mas eu sou tímida e sou cobarde)
que faz escrever uma mulher

Postalinho da Quinta

A São Patrício está sempre a mandar-me miminhos. Este é dedicado especialmente ao Nelo.


Mas em lado algum se pode estar seguro. Por exemplo, alguém pode ir à «Quinta do Sardanito de Trás»...

24 março 2011

Uma moda com éfe maiúsculo

Uma coisa que me chateia é a falta de opções no guarda-roupa quando o gajo agarrado a mim me leva a sair. Ou a entrar, bem vistas as coisas.
É injusto que eu me veja oprimido por calças de todos os tipos e feitios, uma variedade imensa de peças de roupa, e quando toca a minha vez de poder usar uma roupita é sempre a mesma coisa. Enfia-me numa coisa horrível da cabeça aos pés (isto dos pés é em sentido figurado, claro), com um cheiro a borracha, ignorando o facto de eu ser um nadinha claustrofóbico e pronto. Acha o gajo que assim tá bem, veste-me (plastifica-me) com aquela fatiota e deve julgar que lá por haver daquilo com diversas texturas e sabores já é uma indumentária variada.
E tem a lata de lhe chamar camisa. Camisa? Onde estão as mangas? E os botões? E alguém tem a lata de chamar colarinho ao enrolamento na entrada daquela dedeira? Já nem falo de uma gravata ou assim, que pudesse dar um ar decente à farda que o gajo me impinge naquilo que deviam ser dias de festa...

Eu posso parecer um bocado rezingão, mas é que me falta a respiração enfiado naquilo e não há maneira de conseguir achar-me bonito com tal farpela.
E a porra é que dá ideia que a cena é quase um traje de cerimónia e há passarinhas que quando me apanham despido comportam-se como porteiros de discoteca...