21 agosto 2011
20 agosto 2011
O rio
Não é muito fácil querer
ultrapassar o tempo
se o tempo é o que julgamos.
Mas, mesmo assim:
porque o tempo não tem tempo, eu
ainda te beijo junto à foz do rio.
Quando o rio é grande
e tu te perdes
nos seus braços.
Poesia de Paula Raposo
19 agosto 2011
Banho-Maria (II)
Se ainda tenho o meu amor
é no eco das palavras
sussurradas,
ampliei-as no meu peito.
Se ainda tenho o meu amor
é no ninho das madrugadas
passadas,
enganei-as no meu leito.
Se ainda tenho o meu amor
é no segredo das carícias
abandonadas
recolho-as quando me deito.
Ao menos, meu amor
esse beijo será eterno;
esse, subi-o ao céu
e não o desço ao inferno.
O resto que se perdeu,
como o calor no Inverno,
era um milagre tão terno
que nos esqueceu.
E foi por isso que chorei
e, mesmo assim, foi muito pouco
talvez o grito fosse demasiado rouco
ou talvez a lágrima sulcada de espanto
tudo se perdeu no pranto,
e eu não te alcancei.
Se ainda tenho o meu amor
é nas ilusões perfeitas,
vendadas,
entrancei-as no meu cabelo.
Se ainda tenho o meu amor
é nas pernas despidas,
enroladas
na doçura aguda, cruel, do teu novelo.
é no eco das palavras
sussurradas,
ampliei-as no meu peito.
Se ainda tenho o meu amor
é no ninho das madrugadas
passadas,
enganei-as no meu leito.
Se ainda tenho o meu amor
é no segredo das carícias
abandonadas
recolho-as quando me deito.
Ao menos, meu amor
esse beijo será eterno;
esse, subi-o ao céu
e não o desço ao inferno.
O resto que se perdeu,
como o calor no Inverno,
era um milagre tão terno
que nos esqueceu.
E foi por isso que chorei
e, mesmo assim, foi muito pouco
talvez o grito fosse demasiado rouco
ou talvez a lágrima sulcada de espanto
tudo se perdeu no pranto,
e eu não te alcancei.
Se ainda tenho o meu amor
é nas ilusões perfeitas,
vendadas,
entrancei-as no meu cabelo.
Se ainda tenho o meu amor
é nas pernas despidas,
enroladas
na doçura aguda, cruel, do teu novelo.
Uma arma em riste exige prevenção.
Em tempo de Verão deve ter-se sempre a arma em condições. Para isso aqui ficam alguns cuidados a ter para que se esteja pronto a disparar.
"O soldado guardar-se há de tomar banho depois de ter comido; não usará de mulher, pelo menos nas primeiras três horas
(...)
As mulheres matriculadas oferecem mais segurança do que aquelas que o não são Pág. 36 e 37)"
"O soldado guardar-se há de tomar banho depois de ter comido; não usará de mulher, pelo menos nas primeiras três horas
(...)
As mulheres matriculadas oferecem mais segurança do que aquelas que o não são Pág. 36 e 37)"
Cartilha de higiene (1912)
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18 agosto 2011
Coabitação e um gato
Deitada na cama, Ana terminou o primeiro parágrafo da página 214 do livro que estava a ler e marcou-o com o indicador direito. Conferiu as horas no seu relógio de pulso, vinte e cinco para as dez, e decidiu que eram horas de parar de ler. Tacteou a cama com a mão esquerda à procura do marcador, que estava parcialmente debaixo da sua nádega esquerda, virou-se um pouco para o lado contrário e tirou-o. Abriu e fechou o livro, depois de deixar o marcador entre as páginas onde antes estivera o indicador, e pousou-o na cama, com a intenção de voltar a ler quando se deitasse – estava a gostar. Afagou o gato deitado ao seu lado, que arqueou as costas para melhor sentir a mão da dona, e levantou-se. Olhou para o computador portátil, ligado mas em modo de suspensão, que estava numa mesinha preta ao lado da cama, confirmou as horas no relógio da mesa-de-cabeceira, 21:34 e tornou a olhar para o computador, hesitando entre conferir os e-mails e o facebook ou ir comer imediatamente. Na dúvida, rodou a cabeça e olhou para o gato como se lhe pedisse ajuda para tomar uma decisão. O animal percebendo o olhar da dona, saltou prontamente da cama para o chão e dirigiu-se à porta encostada, transmitindo claramente os seus desejos. Ana sorriu, achava que mais do que desejos o gato transmitia ordens. Olhou para o computador como se se justificasse à máquina, apagou a luz do candeeiro e seguiu o animal. “Tens razão, já são mais do que horas de comermos”, transmitiu-lhe telepaticamente quando abriu a porta do quarto e o deixou passar.
O gato correu para a sala e ela olhou para aí de esguelha, sem ver mais do que a televisão acesa na Fox. “Como é que ele vivia antes de haver tantos canais? De haver séries e filmes a toda a hora?”, pensou Ana referindo-se ao marido, de quem se esqueceu imediatamente quando o gato a ultrapassou vindo da sala mas já sem correr. A mulher achou graça aos passos decididos e à cauda empertigada do animal, como se ele fizesse questão que ela o visse e a obrigasse a segui-lo, e ficou a pensar no descaramento aristocrático do animal e na sua sorte por ter comer já feito e até quem o servisse, ao contrário dela que não fazia ideia do que ia preparar e comer ou pior, deu um risinho que não passou de um suspiro, sem saber sequer se tinha alguma coisa em condições para preparar.
Inventariando mentalmente o conteúdo do seu lado do frigorífico, sem deixar de seguir a cauda do gato, Ana foi apanhada de surpresa quando viu os pés do marido junto ao fogão quando o animal se enroscou neles. Parou na ombreira da porta, puxando instintivamente para trás o pé direito que já estava dentro da cozinha.
Inventariando mentalmente o conteúdo do seu lado do frigorífico, sem deixar de seguir a cauda do gato, Ana foi apanhada de surpresa quando viu os pés do marido junto ao fogão quando o animal se enroscou neles. Parou na ombreira da porta, puxando instintivamente para trás o pé direito que já estava dentro da cozinha.
– Ah… Estás aí? – soltou Ana sem querer, incomodada pela presença do marido e pela ligeireza interesseira do gato; afinal estivera a ler para lá da hora de jantar para não se cruzarem e tinha vindo naquele momento principalmente por causa do gato.
O marido não lhe respondeu, não a ouviu ou fez que não a ouviu. Ela hesitou, voltou-se para trás mas olhou para o relógio e rodou sobre os calcanhares voltando-se de novo para o interior da cozinha, ainda sem entrar. Suspirou e esboçou um sorriso enfastiado na direcção do marido, que se voltara para ela sem expressão.
Alexandre, o marido, sem largar o cabo da frigideira, onde fritava dois ovos mexidos com um tomate e uma pequena cebola cortados em quartos, um dente de alho esmagado e folhas de orégãos frescos e pimenta preta, que agarrava com a mão esquerda, nem a espátula de madeira com que mexia o cozinhado, alternou, por segundos, o olhar entre os ovos e a mulher que parecia ter de vencer um campo de forças que ele emanava para entrar na mesma divisão da casa.
– Ainda não jantaste? – questionou Ana, sem se mexer nem disfarçar a censura que lhe moldava o tom, servindo-se de uma pergunta de resposta óbvia para esconder o aborrecimento de ver o gato enrolar-se nas pernas dele pedindo-lhe descaradamente mimo e comida, não necessariamente por essa ordem, e o facto de não ter voltado para trás enquanto tinha podido fazê-lo em silêncio.
Ana e Alexandre, casados, sem filhos mas com um gato, um sacaninha que parece ter verdadeiro e consciente prazer em provocá-los sempre que os apanha juntos, vivem num apartamento pequeno, com dois quartos, uma sala, uma cozinha, uma dispensa e uma casa de banho, que agora parece ter encolhido e em que eles parecem esbarrar continuamente um com o outro, apesar de não se quererem ver, como se a casa se voltasse contra eles e os quisesse levar ao confronto e ao fim do último dever conjugal que ainda cumprem: a coabitação.
Alexandre tornou a olhar para a mulher, baixando ostensivamente o olhar para os pés dela que não se moviam. Não conseguiu evitar um sorriso mas, quando se apercebeu que não o conseguiria esconder, virou-se para o fogão, evitando que Ana o visse. Então, apagou o lume, retirou a frigideira para um bico frio, baixou-se para afagar o gato ganhando tempo e perguntou com ar de quem não ouviu bem a pergunta da mulher:
– Se eu já jantei?
O casal olhou-se com ar sério, ela em pé junto à ombreira da porta, ele agachado ainda a fazer festas ao gato. Ana manteve a pergunta deixando descair a cabeça e proferindo um sim sumido. O marido olhava-a calado como se esperasse qualquer coisa. O gato parecia rir-se para ela, ainda que ela estivesse certa e segura que o gato não se ria para si mas de si, o pérfido.
– Sim, ainda não jantaste? – reforçou Ana, comprimindo o silêncio que a enervava.
– Já – mentiu Alexandre, passando uma última vez a mão pela cabeça do gato, antes de se levantar e se virar para o fogão, agarrar a pega da frigideira e completar a mentira em tom neutro: – Estava a fazer estes ovos para ti.
Ana, que recomeçara a andar lentamente, procurando, sem conseguir, desviar os olhos do gato, falhou um passo, o que ele percebeu pelo som dos chinelos no chão da cozinha. Alexandre sorriu e, satisfeito, imaginou-lhe a expressão surpreendida.
– Ainda não jantaste, pois não? – perguntou o homem, prolongando a farsa.
Ela aproximou-se do fogão e ficou ao lado dele, observando os ovos mexidos. Há muito tempo que não estavam tão próximos um do outro. O gato roçou-se na perna direita de Ana e na perna esquerda de Alexandre.
– Tem bom aspecto – reconheceu Ana, a quem a súbita visão da comida cozinhada, pronta a ser servida e a comer agravou a sensação de fome e vazio no estômago.
Entediado, faminto e desesperado, o gato esticou a cauda na horizontal e entrelaçou-se caprichosamente entre as pernas de ambos, levando-os a sorrir um para o outro, agoniando-o de tal maneira que, se pudesse, o gato lhes retraçava as pernas todas até chegar aos ossos e fazer um mar de sangue no chão da cozinha.
17 agosto 2011
postalinho de férias...
Sempre que passo por Vila do Bispo, no Algarve, nunca deixo de ir a um restaurantezinho simpático onde se podem comer dos melhores percebes (em inglês, understands, como sabeis) da região.
Imortalizadas no frontespício do edifício as figuras dos petiscos que por lá podemos degustar, é com enlevo que vos assinalo a segunda a contar da esquerda, que simboliza, como é evidente, um valentíssimo percebe, percebem? - Provavelmente apanhado nas Caldas da Rainha...
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