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09 novembro 2013

«Enlevo» - João

"Numa fila onde me detenho, observo um casal que alguns metros à frente se abraça e beija. Vejo-me tomado por um sorriso, e sem saber exactamente porquê, bebo dessa cena e deixo-me enlevar pelos sorrisos deles, pelo beijo que partilham, pelos corpos que se aquecem. Ou, noutro momento, vejo uma mulher bonita, com umas coxas de que gosto e que me despertam memórias, e novamente sorrio. Porque não sorrir, afinal. O sorriso começa fraco, mas eis que noto que se expande, que a boca se alonga, que os dentes espreitam, e a dado instante estou quase mergulhado nas minhas ideias, nas coisas que pulam em mim, as sinapses rebeldes.
Observo um copo de Gin, vejo os barcos ondulantes, o sol nas águas azuis, eu na sombra e o gelo que derrete devagar, as gotas que escorrem no copo, e penso no outro lado da esquina, nas pernas das mesas, deixo-me embalar pelos ruídos das gentes que falam longe, da brisa que me beija os ouvidos, e sossego. Percebo que não há tempo, que o relógio é só adorno, mecânica vazia, que importa sempre chegar, nem que seja em último. Mas chegar, chegar lá, cruzar mesmo a linha, saber que se conseguiu.
Das dificuldades vamos encontrando maneiras de respirar. As portas que se fecham, ou que ficam entreabertas, dão lugar a janelas, a olhares comprometidos que se lançam a coberto de finas cortinas. O sol abafado do Verão dará lugar aos dias curtos, aos amores de Inverno, aqueles que começando no frio prometem durar, porque não foram facilidades de corpos desnudos e quentes em olhares libidinosos de Verão. Os amores de Inverno são mais fortes, porque cortaram o frio, porque brilharam nas tardes cedo escuras e não derreteram nas chuvas das madrugadas levadas solitárias nas estradas de regresso, galgando quilómetros vazios.
E, furando o nosso enlevo, o mundo diz-nos que pensemos bem em tudo, que ponderemos tudo muito bem. O mundo faz isso em relação a tudo. Às coisas grandes e às pequenas. E quanto mais se pensa mais o parafuso se enrosca em direcção ao núcleo do planeta, mais fundo vão as âncoras. As nossas cabeças são computadores paradoxais. Complexos, mas limitados. Damos nós facilmente. Quanto mais processamos, menos vemos. Quanto mais procuramos explicar, mais camadas fósseis encontramos. Tentar ver para lá do vidro fumado é incrivelmente difícil, e as cartas do jogo nunca param de cair sobre a mesa, e os dados nunca deixam de lançar-se, e sempre que um degrau se sobe, outro surge. Estar vivo é muito bom, sentir coisas e saber que são verdade é muito bom, mas bom não equivale a fácil. E parte daquilo para o que cá andamos é conseguir responder “para quê?”. “Porquê?”. No dia em que conseguirmos responder a isso, saberemos se foi justo ou desperdício. Mas, mais que tudo isso, saberemos abrir as portas, as janelas, expulsar os fumos, e viver o enlevo, como tudo, como sempre."

João
Geografia das Curvas

30 setembro 2013

«respostas a perguntas inexistentes (255)» - bagaço amarelo

Just in case

Tenho saudades da Sandra. Não sei porquê, mas tenho. Muitas. Já não a vejo há tantos anos que lhes perdi a conta. Na verdade, não faço a mínima ideia se alguma vez a vou ver até ao fim dos meus dias. Perdi-lhe totalmente o rasto e só sei que emigrou para outro país qualquer. Nem sequer a encontro nas redes sociais. O mais provável é ela já não se lembrar de mim.
Eu ouço-lhe a voz, sinto-lhe o cheiro e principalmente ouço-a chamar-me. A Sandra não era apenas uma amiga. Era A Amiga. O pior disto tudo é que nem sequer me despedi dela na última vez que a vi. Não sabia que ela ia desaparecer para sempre e limitei-me a dizer-lhe: "telefono-te um dia destes". Uns dias depois alguém me disse que ela tinha ido viajar por impulso. Uma chatice familiar ou coisa parecida. Nunca mais voltou. Que merda.
Quando ando mais triste é dela que me lembro. Aliás, hoje já confundi quatro ou cinco transeuntes com ela. Abri os olhos e, por um milésimo de segundo, senti a alegria enorme desse improvável encontro. Não era ela, mas deu para perceber o que me vai acontecer se um dia a encontro mesmo. Vou-me sentir feliz. Estou ansioso.
Entretanto despedi-me agora duma amiga que me deu boleia para casa. Parou o carro sem desligar o motor mesmo em frente a minha casa e eu disse-lhe: "telefono-te um dia destes". Depois saí e ela arrancou no seu carro preto que se fundiu na noite escura. Eu subi o elevador, entrei em casa e liguei o computador. Entretanto mandei-lhe uma mensagem pelo telemóvel: "gosto de ti, sabias?". Just in case.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

22 setembro 2013

Escorregar no tapete


Aos primeiros raios do sol de verão acordámos com os corpos enlaçados um no outro e os nossos vizinhos dos andares lateral e inferior puderam ouvir os clamores da nossa massagem matinal.

E com o dever cumprido e a minha preguicite virada para o outro lado, ele escorregou da cama, chinelos e cuecas apanhados do chão e pé ante pé, lá foi escarrapachar os seus slipes pretos na cadeira almofadada ao seu cu e de dedo em riste, zás, ligou o computador acomodado à Microsoft.

Cada dia ele dedicava mais tempo ao computador, ora com olhos embevecidos, ora com esgares interrogativos como se estivesse a partilhar uma discussão com aquele amontoado suave de metais e circuitos integrados. Na ocasião pensei que seria mais preocupante caso se dedicasse a esticar o seu corpinho no sofá para as sessões contínuas da SporTv ensopadas em cerveja branca ou uísque com gelo.

Mas as refeições passaram a ser mudas e sem comunicação visual e até o contacto da pele se tornou um passeio de bicicleta fixa para cumprir os horários de exercício, inodoros e insonorizados. E assim me vi impelida a aprofundar a raiz da questão: comprei um portátil e mergulhei no mundo digital. O fascínio dos pixels, das letras a brilhar como que impressas, o poder de criar imagens sem saber um boi de desenho, a facilidade da comunicação à distância nas velhinhas BBS e depois nos chat's e MSN, tornou-o meu companheiro inseparável.

Sabe Senhor Doutor, ter um pc é ter um orgão excitante e eréctil, sempre ao alcance da mão e afinal, com o tempo, o amor acaba por ser ficção.

17 março 2013

A pecha


Sou um gajo aberto e sem teias de aranha na cabeça que até fui capaz de mostrar o rabo na frente da distinta escadaria da Assembleia da República na época das lutas estudantis. Grandes tempos esses em que até catrapisquei a minha moça entre manifestações e imperiais fresquinhas.

Hoje já a posso laurear como minha esposa por todo o sítio e ela merece que passa os dias a mimar-me com os meus pratos favoritos em cada jantar como fazia a minha mãezinha e nunca se queixa de dores de cabeça naquelas alturas em que queremos dar vazão à folia do nosso animalzinho de estimação. E assim faz sentido gastar o dinheiro que ganho como trabalhador temporário de uma empresa que me coloca noutra para lhe carregar os dados nos computadorezecos.

Apenas uma pequenita coisa me anda a inquietar e nem sequer é a fidelidade dela que nunca me deu motivos para pensar tal nem me parece galar os outros gajos pelo canto do olho, julgo eu. É que ela tem um cuzinho mesmo bem feitinho, tão redondinho e embaloado e com umas nádegas todas rijinhas e tão lisas e macias que quando se apalpam é logo um frenesim no piçaralho que se estica todo como o gajo da gávea quando via terra. Só que ela não se demove da teimosia de que ali nem supositórios entram.

16 março 2013

«respostas a perguntas inexistentes (225)» - bagaço amarelo

Fiz um chá de hortelã esta manhã. Antes de o beber, sentei-me no sofá a aquecer os dedos das mãos na chávena fumegante. Em silêncio total. A Raquel não sabe, mas por um momento apeteceu-me que ela estivesse ali ao meu lado só para encostar a cabeça no ombro dela por uns segundos.
As cortinas da sala estavam corridas e filtravam a luz do Sol que entrava, tingindo de vermelho o início do meu dia. Liguei o computador para começar a trabalhar assim que os ovos cozessem, e perdi-me numa floresta de pensamentos e associações de ideias. Desemprego, projectos pessoais e profissionais a realizar, compromissos políticos para cumprir, uma filha para educar e uma mãe que foi operada pela segunda vez em pouco tempo.
A água estava a ferver. Saí dessa floresta para ir buscar os ovos que, ao bater na panela, emitiam um som inquieto. Os meus dedos aquecidos mergulharam então na água fria com que os arrefeci. Tirei a casca a um deles e comi-o em apenas duas dentadas. Guardei os outros no frigorífico. Estalei os dedos, confusos por dois choques térmicos seguidos, e sentei-me a trabalhar. Não consegui.
Peguei no telefone e liguei à Raquel para um número cujo tarifário é, para mim, gratuito. Falámos um minutos ou dois e desliguei. Trabalhei quatro horas seguidas. As mulheres têm a mania de não perceber o quão importantes são no funcionamento na vida dum homem, na ignição dos seus pensamentos e acções. É por isso que parecem sempre tão longe, mesmo quando estão perto.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

20 fevereiro 2013

«respostas a perguntas inexistentes (223)» - bagaço amarelo

jackpot

Existem uma bolachas negras com um creme branco no meio, tipo sanduíche, a que as crianças costumam lamber o creme primeiro e comer as bolachas depois. Sim, passe a publicidade, são as Oreo, embora também haja algumas marcas brancas a imitar, mais baratas e parecidas.
Eu estava no computador a tentar trabalhar quando um dos meus enteados surgiu na sala totalmente excitado com uma dessas bolachas. Abriu-a e mostrou-ma com um brilho anormal nos olhos.

- Que foi? - perguntei.
- Esta bolacha tem muito mais creme do que o normal! - respondeu.

De repente senti um nó no estômago. Não sei quando é que perdi esta capacidade de ficar feliz com pouco, mas sei que, sem dar por ela, a deixei algures. Talvez numa notícia de televisão sobre uma guerra qualquer, talvez na morte dum amigo, talvez num Amor terminado. Já não me lembro. Talvez em vários sítios, um bocadinho de cada vez.
O miúdo ainda ali estava, a segurar a bolacha na minha direcção, à espera dum sinal qualquer que confirmasse a sorte grande que lhe tinha saído.

- Espectacular! - disse.

Vi-o a sair novamente da sala, aos saltos, numa corrida louca em direcção ao quarto. Estava a escrever um conto para crianças e parei, fechei o computador e os olhos. Procurei com urgência, nas memórias dos meus últimos dias, algo que me pudesse fazer assim feliz. O quotidiano desfilou à minha frente como se estivesse a jogar na máquina dum casino qualquer. Tomar café, beber uísque, pôr-me à janela, ver um filme, ler um livro, ouvir música ou comer chocolate. Nada me faz ter aquele brilho nos olhos.
Depois veio um beijo da Raquel, uma mão que lhe dou enquanto passeamos, um abraço quando chegamos a casa ao fim da tarde. Três lembranças em linha. Saiu-me o jackpot.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

13 dezembro 2012

Luís Gaspar lê «Entre Ciência e Paixão» de Leonor Nascimento

"Espantoso mal me atingiu
um dia, quando não esperava;
tudo o que é Lei infringiu,
toda a Razão me fugiu
e hoje, do Amor sou escrava.

Vou entrar em confidências:
resposta para este Amor
fui procurar nas Ciências;
interrogar sapiências
de físico e pensador.

Ai de mim! Para mal meu,
não explicam esta paixão
nem Freud, nem Galileu,
nem Einstein, nem Ptolomeu,
nem mesmo o próprio Platão!

Corri então os poetas,
li romances com afã;
vidas de heróis e ascetas;
teatro de marionetas,
de Molière e de Rostand…

Continuei, pressurosa;
li Voltaire, li Descartes,
Nietzsche, Cervantes, Espinoza…
Qualquer poesia ou prosa,
filosofia ou arte.

Corri todos os museus,
exposições e concertos.
Vi Picasso, admirei Zeus,
ouvi Wolfgang Amadeus -
obras completas e excertos…

Estudei as religiões,
tantas quantas achar pude;
e fiz peregrinações,
jejuns e meditações…
Li a Bíblia e o Talmude.

O Alcorão li também,
e, para salvar a alma,
dei esmolas, fiz o bem;
mas não pude encontrar quem
me restituísse a calma…

Procurei na Biblioteca,
do Mar Morto, os manuscritos;
mas, mesmo virada a Meca,
não me surgiu um Eureka!
da leitura desses escritos…

Estudo a Pedra de Roseta,
já sei Sânscrito e Latim,
vão correndo a ampulheta
e a clépsidra obsoleta
nesta pesquisa sem fim…

Quer de noite, quer de dia,
devoro, afincadamente,
Matemática, Poesia…
História e Antropologia
leio até ficar doente…

Já ninguém me reconhece,
nem pais, nem primos, nem tias.
O tino já me falece,
já tenho a espinha em s
e subi dez dioptrias!

Ao microscópio analiso
as lágrimas que chorei…
E um relatório conciso
cada noite realizo
das penas que suportei.

E, telescópio na mão,
noite alta, no firmamento,
procuro a constelação
que se encontra em conjunção
com Vénus, nesse momento…

Infelizmente, porém,
não ponho fim neste enigma;
não resolvo esta equação;
e, nem por integração,
acho alfa, gama ou sigma…

Desde a Relatividade
à Teoria do Eu,
procurei com ansiedade
descobrir uma Verdade
que me tirasse do breu.

Já vi no televisor
tudo o que é curso em cassette;
sei operetas de cór;
fui para o computador
e liguei-me à Internet…

Apesar desta procura,
continuei ignorante;
de Amor, o mal não tem cura
e eu, que era tão segura,
vivo hoje periclitante…

E, fartas do turbilhão
que me avassala por dentro,
a Cabeça e a Razão
ordenam ao Coração
que mate este sentimento.

O Coração, no entanto,
responde: “Procurai mais!
Apesar desse quebranto
não me tireis deste encanto
em que também navegais…”

E presa nestes dilemas,
vasculho as Enciclopédias,
equaciono problemas,
demonstro leis, teoremas,
leio farsas e tragédias…

Com tanto estudo, afinal,
tirei três licenciaturas:
Quântica Medieval,
Genética Sideral
E Fisio-Literaturas!!!

E, apesar de não achar
para meu mal solução,
vou, para me graduar,
em breve, tentar tirar
Doutoramento em Paixão…

1994"

Leonor Nascimento

Ouçam este poema na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa

08 dezembro 2012

Tapete ergonómico para rato de computador

Já tinha na minha colecção um tapete de rato com umas mamocas em relevo. Este vai fazer-lhe uma excelente companhia.




04 dezembro 2012

Uma entrevista com a malta do Webcedário, que me deixa molhadinha...

Uma das várias publicações das letrinhas neste blog.
Para verem tudo,  é pesquisarem pela etiqueta
"Webcedário" (tem lógica, não tem?)
A página i-Tech publicou uma entrevista com a malta amiga do Webcedário. Se quiserem ver uma foto com as carinhas larocas dos quatro Dários, é irem .
Deixo-vos alguns excertos... que me deixam ensopadinha:
"É um dos grandes fenómenos dos últimos anos da Internet. O Webcedário começou de forma discreta, com João Cóias e Miguel Velhinho em 2005 mas passado algum tempo começou a avalanche de visitas. O Webcedário teve o apoio de outros blogues amigos (Blogotinha e A Funda São) e chegou ao topo. A realidade escrita por letras com personalidade caiu no goto nos cibernautas e o Facebook só veio dar ainda mais dimensão a esta sopa de letras virtual (...).
iTech: Quantas visitas é que tiveram quando o Webcedário esteve no Blogspot?
ABC Dário: Com o apoio de dois blogs de topo: ‘Blogotinha’ e ‘A Funda São’, começámos a ser visitados e linkados por uma grande maioria, atingindo em Maio de 2005 várias centenas por dia e nos dias do All Day Party – em que convidávamos os leitores a partilharem connosco a sua criatividade – 1500 pessoas, mais ou menos.
iTech: Com a popularidade do Facebook, esta é a plataforma ideal para manter vivo o Webcedário? Ou seja, com as possibilidades que a rede social oferece, justifica-se manter um site ou um blog com a mesma informação?
ABC Dário: O formato do Webcedário adapta-se bem ao Facebook. A ideia era continuarmos a atingir um número alargado de leitores. Com a perda de audiência dos blogs e o crescimento do Facebook, a transição foi um passo natural.
iTech: Há um ano lançaram o livro na Amazon, para Kindle. Qual é o balanço que fazem desta experiência?
ABC Dário: Muito positiva, foi a forma de chegar a uma audiência mais vasta e internacionalizar o conceito Webcedário. E está praticamente pronto o segundo volume, a lançar também pela mesma via.
O livro Webcedario está disponível apenas em formato digital e tem um preço de 3,44 euros na Amazon.
iTech: Além de português, o livro tem uma versão em inglês. Como foi a recepção do público estrangeiro?
ABC Dário: Há dois livros distintos. O que nasceu primeiro foi o livro em Português, em papel (as letrinhas também têm gostos mais clássicos e uma letra escrita em papel será sempre uma letra escrita em papel), que editámos com a Bizâncio. Na Amazon, lançamos um “best of” dos nossos cartoons, traduzidos para Inglês. A recepção foi muito boa.
iTech: Têm algumas novas ideias para acrescentar ao vosso projecto nos próximos tempos?
ABC Dário: Sim, claro! Ideias novas surgem todos os dias e para além dos cartoons que vão surgindo diariamente no Facebook, estão em preparação novos livros em papel e digital, para o mercado nacional, para o Brasil e em Inglês. Aliás, o segundo volume em Inglês para lançar na Amazon está praticamente terminado. Estamos também a pensar fazer uma versão em alemão, para agradar à sra. Merkel (e assim estaríamos a fazer a nossa parte na tentativa de ajudar Portugal).
Mas não só. Sempre achámos que as letras poderiam fazer mais do que falar umas com as outras. Por exemplo, olhando para elas não parece… mas nós somos capazes de jurar que elas podem mexer-se. Num ecrã de computador, de smartphone ou tablet, por exemplo.
Ou até em objectos do dia-a-dia, que usamos no nosso quotidiano e/ou levamos para todo o lado. O universo das letrinhas permite pensar em tanta coisa para além dos cartoons… ou seja, desde a animação até ao merchandising, e com outras tantas coisas pelo meio, quase tudo é possível."
A entrevista completa está nesta página da i-Tech.

08 setembro 2012

«coisas que fascinam (145)» - bagaço amarelo

a galope

O símbolo dos correios era (acho que ainda é) um homem a cavalo com uma corneta. Fazia jus às cartas de Amor que se escreviam. Entre Aveiro e Setúbal, por exemplo, eram dois dias a cavalgar para lá e dois dias a cavalgar para cá. Escrevia-se uma carta e, quando se estava mais ansioso, escrevia-se outra ainda antes de ter recebido a resposta da anterior. Eram cartas que levavam tudo de quem as escrevia. Suores, nervos, medos e sobretudo saudade. Não admira que o cavaleiro fosse a abrir caminho e levasse uma corneta para anunciar a sua chegada.
As cartas de Amor encolheram-se com o tempo. Ficaram reduzidas a mensagens de telemóvel ou emails escritos à hora do almoço, naqueles dias em que se fica a comer uma sanduíche em frente ao computador do escritório. É uma pena. Uma carta de Amor era um investimento total numa paixão que se tinha, um sms é uma espécie de aposta no casino. Se der deu, se não der não deu. Gastou-se a moeda.
Eu decidi montar um cavalo e galopar de novo. Há uns dias, durante umas arrumações lá em casa, a Raquel mostrou-me uma pilha de cartas de Amor que recebeu durante a vida. Não as li, mas gostei de as ver ali arrumadinhas numa caixa colorida, como se alguém as tivesse deitado e ajustado o lençol para que dormissem bem. Não é possível guardar assim um email. Mesmo que se imprima, falta-lhe o cheiro, a cor, o nervo, a vida.
A galope, portanto.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

09 junho 2012

Ratos de computador

Par de ratos de computador com mulheres em lingerie vermelha cujos seios são os botões do rato. Um dos ratos tem uma camisola amarela em tecido, amovível, com a bandeira e a palavra Brasil.


29 maio 2012

Eva portuguesa - «Pena...»

Conheci-te hoje.
Numa marcação prévia mais ou menos dentro do normal e após muita conversa pelo msn.
Senti que te conhecia antes...
A química foi brutal e imediata!
Já éramos quase amigos de todas as confidências que fizemos um ao outro em forma de letras num écrã de computador... tu deste-te a conhecer sem preâmbulos, medos ou hesitações...
Contaste-me a tua história e a história dentro da história...
E eu dei-te a conhecer não só a Eva, mas também a...
Na tua inteligência e humildade de pecador, não as separaste, bem pelo contrário, descobriste a mulher que é a soma das duas, aceitaste-a e por ela te encantas-
te... não só pela Eva, nem só pela..., mas pelas duas juntas.
Começaste por me contactar porque querias alguém na tua vida que preenchesse a tua solidão, acalmasse os teus desejos, saciasse os teus instintos... tudo isto sem pressões, nem controlo, nem compromisso.
Ainda mal curado de um recente desgosto de amor, não querias correr esse risco novamente...
Sentiste-te usado nessa relação que te roubou a paz de espírito e noites de sono.
E assim, sentiste-te protegido ao procurar uma relação mais ou menos fixa com uma Prostituta de luxo (desculpa, sei que não gostas que fale assim de mim!), onde poderias ser tu a usar, ser servido e não sofrer... não o disseste bem assim, mas li-o nas entrelinhas.
Mas a conversa franca e liberta que podíamos ter um com o outro nas pontas dos nossos dedos, e depois este nosso encontro em que desejaste ter-me beijado e eu desejei que o tivesses feito; toda a tua teoria caiu por terra, arrastando-me nessa lama de confusão, desejo e algo mais...
Perguntas-me se podes ser meu amigo... respondo-te que sim, quando queria era perguntar se era só isso que querias...
Quando chegaste ao pé de mim estavas nervoso, tímido e não te senti relaxar naquela hora que estivémos juntos... percebi que o que te dava protecção não era a roupa, nem o dinheiro, nem o emprego bem sucedido... era o anonimato de um teclado, o estar perto sem estar junto, o desconhecido e a ausência física...
Parece-me que te queres dar, sem no entanto teres bem a certeza se o queres realmente, ou se o consegues... macaquinhos no sótão, foi como lhe chamaste. E sim, meu querido, também eu tenho os meus....
Abalaste as minhas prioridades e os alicerces da Eva...
Fizeste-me desejar ter uma vida "normal",em que poderia arriscar numa relação sem os medos do que isso possa fazer à minha profissão, ao meu sustento...
Mas não tenho...
E hoje fizeste-me ter pena de não o ter...


Eva
blog Eva portuguesa - porque o prazer não é pecado

06 maio 2012

NOVO: Linda vai a noiva


A língua dele a bordar-me espirais num mamilo enquanto dedilhava o outro fazia-me gotejar e, procurar afincadamente apanhar-lhe o animal para o agitar, para lhe garrotear a glande em espasmos, até nas voltas desta dança de acasalamento o conseguir engolir, com o prévio cuidado de o lamber todinho até à linha mediana dos testículos. Ou para abreviarmos caminho senhor Doutor, sempre lhe digo que o homem sabia de preliminares e era bom todos os dias.

Ora acontece que depois de uma conversa com um amigo, tão adúltero e experiente na matéria como ele e, a bem dizer, oitenta por cento da população portuguesa mas, nisso o especialista é o senhor Doutor, não lhe pareceu aconselhável estar comigo não sendo eu casada porque, digo eu, ainda me poderia dar o desejo peregrino de querer ocupar o lugar da legítima para lhe limpar a casa enquanto ele vê os jogos de futebol no computador, para todos os dias lhe preparar a roupinha para o dia seguinte como se faz aos miúdos pequenos, para fingir docemente que não sabia que era encornada amiúde e não lhe pagar da mesma moeda e, para ganhar todas as partes chatas de uma relação.

É que senhor Doutor, com todo o respeito pelo Trio Odemira e por igrejas engalanadas e festas para inglês ver, quero mesmo é a si pedir encarecidamente que me revele qual é a probabilidade estatística de encontrar em Portugal homens com mais de uma vintena de neurónios e que, não obstante, conseguem satisfazer mulheres sexualmente.

23 janeiro 2012

«lamechices» - bagaço amarelo

Ela pergunta-me porque é que os homens nunca falam de Amor, mas não é sobre os homens que ela quer saber seja o que for. É sobre mim. Quer saber porque é que eu nunca lhe digo que gosto dela, que a Amo ou pelo menos que eu defina verbalmente a importância dela para mim. Não sou capaz de o fazer e, pior do que isso, nem sequer sou capaz de lhe dizer que sou incapaz de o fazer. Sou homem, é isso, e portanto espero que ela adivinhe tudo o que eu sinto por ela. Não sei como, mas tenho esperança que o consiga fazer. Afinal de contas é mulher.

Ser homem é difícil porque um homem tem que parecer o mais forte a vida toda, e todos sabem que parecer uma coisa é bem mais difícil do que sê-lo. Ainda noutro dia fomos passear na praia que o Inverno limpou de gente. Ela descalçou-se e abraçou-me. Eu descalcei-me e deixei-me abraçar. Caminhámos durante largos minutos com os pés enterrados no seu silêncio, e eu sabia que ela estava à espera que eu lhe dissesse qualquer coisa. Um "Amo-te tanto!", por exemplo. Mas eu não consegui. Nunca consigo. Cheguei a elaborar uma frase qualquer com as palavras "gosto" e "sorte", mas os meus dentes bloquearam-na quando ela estava prestes a sair da boca. Demos meia volta e regressámos mais distantes, com as mãos enfiadas nos bolsos, eu com a sensação que estava a esconder o que sentia num deles.
Foi a semana passada que me contou a história dum filme qualquer que viu na televisão, numa noite dessas em que eu fico horas seguidas sentado em frente ao computador sem concluir nada do que começo a fazer. Era sobre um homem incapaz de falar de Amor e que acabava um alcoólico solitário por causa disso. Eu percebi onde ela queria chegar mas respondi-lhe que o argumento me parecia "mais uma lamechice qualquer". Vi-a sorrir com a minha resposta mas com um sorriso triste, como se engolisse duma só vez a réstia duma esperança qualquer. E eu, que pareci mais uma vez o mais forte, na realidade senti-me mais fraco.

Agora estamos aqui num café dos subúrbios da cidade, onde algumas dezenas de pessoas preenchem boletins do totoloto como se isso lhes pudesse salvar a vida, e ela pergunta-me porque é que os homens nunca falam de Amor. Eu sei que responder pode salvar a minha vida, mas as ideias enrolam-se no meu cérebro como um áspero novelo de lã. Os olhos dela pousaram no meus como o pé dum vencedor que pisa o corpo imóvel do morto, e o meus parecem insectos à procura dum local para descansar. "Eu Amo-te", digo-lhe baixinho. Depois concluo que não faço a mínima ideia porque é que os homens não falam de Amor. Ela levanta-se e dá-me um beijo na testa antes de sair a correr para o trabalho. Pareço mais fraco mas sinto-me mais forte.

bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

11 dezembro 2011

«A surpresa» - por Rui Felício


Faz agora um mês…
Depois de 3 semanas fora do País, regressou a casa. Saiu do aeroporto de Lisboa, chamou um táxi que o levou até ao carro que deixara perto do Campo Grande antes de ter viajado.
Já a caminho de casa, enquanto guiava pela auto estrada, ansiava pelo momento da chegada. Imaginava a lareira já acesa, o jantar pronto, o abraço saudoso da Gabriela que devia estar impaciente para o beijar, para o encher de carícias, para recuperar da tristeza deste tempo de separação. De manhã, antes de tomar o avião para Lisboa, tinha-a avisado da hora de chegada, dizendo-lhe que não valia a pena ela ir esperá-lo ao aeroporto.
Ligou-lhe logo que o avião se imobilizou na pista e repetiu a chamada mais algumas vezes durante o percurso.
Estranhamente a Gabriela não atendia! Certamente queria fazer-lhe uma surpresa. Claro, só podia ser isso, pensou para consigo, com um meio sorriso compreensivo.
Só não conseguia adivinhar que surpresa seria. Mas, fosse ela qual fosse, essa era a prova de que, finalmente, tinha encontrado a mulher da sua vida.
Ela sabia estar atenta a estes pormenores…
Tinham-se conhecido casualmente num restaurante há pouco mais de três meses e a empatia surgira forte, indisfarçável, num simples lampejo de olhares. Viveram dias de rara felicidade, o amor tão glosado nos romances estava ali, constante, nos mais insignificantes actos, indestrutível, eterno!
Envolto na revisitação mental desses momentos, quase nem se apercebeu da chegada. Quando deu por si, estava à porta de casa.
Ansioso por abraçar a Gabriela, deixou a bagagem no carro, saiu apressado, meteu a chave à porta e preparou-se para a surpresa.
Tacteou o interruptor, pressionou-o e a luz jorrou. Semicerrou os olhos, adaptando-os à claridade. O hall de entrada estava completamente despido de móveis. Deu uns passos, intrigado. A sala estava vazia também. Nem sofás, nem quadros, nem candeeiros de pé, nem televisão, nem a pequena mesa, nem o computador habitualmente em cima dela, a lareira apagada…
Estugou o passo. Quase a correr, foi abrindo portas. Todas as restantes divisões estavam completamente vazias, despojadas de móveis, de livros, de objectos decorativos.
Na cozinha não havia frigorífico, nem fogão, nem máquina de lavar louça, nem microondas. Das gavetas e armários tinham sido retirados os talheres, os panos, os pequenos utensílios eléctricos, os pratos,os copos, as travessas, as panelas e os tachos.
Nos roupeiros não havia um único fato. Até as gravatas com as quais ele tinha uma relação quase imaterial, tinham desaparecido todas. E eram umas largas dezenas, todas elas ligadas a episódios, a memórias. Perdidas!
A excepção, encontrou-a no seu quarto. Ali, a cama tinha ficado. Só com o colchão, sem roupa, sem lençóis, sem edredon. Mas pelo menos não dormiria no chão.
Agora, prostrado, tem passado os dias a pensar na falta que lhe faz o computador.
Escrever era o seu vício. Sem ele, não conseguiria dar largas à sua imaginação, à sua vontade de escrever pequenas histórias para mandar para o blog onde costumavam ser publicadas…
Ainda tentou escrever com a caneta de tinta permanente que trazia sempre consigo e que, por isso, tinha escapado.
Mas até o tinteiro lhe levaram!

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações

18 agosto 2011

Coabitação e um gato

Deitada na cama, Ana terminou o primeiro parágrafo da página 214 do livro que estava a ler e marcou-o com o indicador direito. Conferiu as horas no seu relógio de pulso, vinte e cinco para as dez, e decidiu que eram horas de parar de ler. Tacteou a cama com a mão esquerda à procura do marcador, que estava parcialmente debaixo da sua nádega esquerda, virou-se um pouco para o lado contrário e tirou-o. Abriu e fechou o livro, depois de deixar o marcador entre as páginas onde antes estivera o indicador, e pousou-o na cama, com a intenção de voltar a ler quando se deitasse – estava a gostar. Afagou o gato deitado ao seu lado, que arqueou as costas para melhor sentir a mão da dona, e levantou-se. Olhou para o computador portátil, ligado mas em modo de suspensão, que estava numa mesinha preta ao lado da cama, confirmou as horas no relógio da mesa-de-cabeceira, 21:34 e tornou a olhar para o computador, hesitando entre conferir os e-mails e o facebook ou ir comer imediatamente. Na dúvida, rodou a cabeça e olhou para o gato como se lhe pedisse ajuda para tomar uma decisão. O animal percebendo o olhar da dona, saltou prontamente da cama para o chão e dirigiu-se à porta encostada, transmitindo claramente os seus desejos. Ana sorriu, achava que mais do que desejos o gato transmitia ordens. Olhou para o computador como se se justificasse à máquina, apagou a luz do candeeiro e seguiu o animal. “Tens razão, já são mais do que horas de comermos”, transmitiu-lhe telepaticamente quando abriu a porta do quarto e o deixou passar.
O gato correu para a sala e ela olhou para aí de esguelha, sem ver mais do que a televisão acesa na Fox. “Como é que ele vivia antes de haver tantos canais? De haver séries e filmes a toda a hora?”, pensou Ana referindo-se ao marido, de quem se esqueceu imediatamente quando o gato a ultrapassou vindo da sala mas já sem correr. A mulher achou graça aos passos decididos e à cauda empertigada do animal, como se ele fizesse questão que ela o visse e a obrigasse a segui-lo, e ficou a pensar no descaramento aristocrático do animal e na sua sorte por ter comer já feito e até quem o servisse, ao contrário dela que não fazia ideia do que ia preparar e comer ou pior, deu um risinho que não passou de um suspiro, sem saber sequer se tinha alguma coisa em condições para preparar.
Inventariando mentalmente o conteúdo do seu lado do frigorífico, sem deixar de seguir a cauda do gato, Ana foi apanhada de surpresa quando viu os pés do marido junto ao fogão quando o animal se enroscou neles. Parou na ombreira da porta, puxando instintivamente para trás o pé direito que já estava dentro da cozinha.
– Ah… Estás aí? – soltou Ana sem querer, incomodada pela presença do marido e pela ligeireza interesseira do gato; afinal estivera a ler para lá da hora de jantar para não se cruzarem e tinha vindo naquele momento principalmente por causa do gato.
O marido não lhe respondeu, não a ouviu ou fez que não a ouviu. Ela hesitou, voltou-se para trás mas olhou para o relógio e rodou sobre os calcanhares voltando-se de novo para o interior da cozinha, ainda sem entrar. Suspirou e esboçou um sorriso enfastiado na direcção do marido, que se voltara para ela sem expressão.
Alexandre, o marido, sem largar o cabo da frigideira, onde fritava dois ovos mexidos com um tomate e uma pequena cebola cortados em quartos, um dente de alho esmagado e folhas de orégãos frescos e pimenta preta, que agarrava com a mão esquerda, nem a espátula de madeira com que mexia o cozinhado, alternou, por segundos, o olhar entre os ovos e a mulher que parecia ter de vencer um campo de forças que ele emanava para entrar na mesma divisão da casa.
– Ainda não jantaste? – questionou Ana, sem se mexer nem disfarçar a censura que lhe moldava o tom, servindo-se de uma pergunta de resposta óbvia para esconder o aborrecimento de ver o gato enrolar-se nas pernas dele pedindo-lhe descaradamente mimo e comida, não necessariamente por essa ordem, e o facto de não ter voltado para trás enquanto tinha podido fazê-lo em silêncio.
Ana e Alexandre, casados, sem filhos mas com um gato, um sacaninha que parece ter verdadeiro e consciente prazer em provocá-los sempre que os apanha juntos, vivem num apartamento pequeno, com dois quartos, uma sala, uma cozinha, uma dispensa e uma casa de banho, que agora parece ter encolhido e em que eles parecem esbarrar continuamente um com o outro, apesar de não se quererem ver, como se a casa se voltasse contra eles e os quisesse levar ao confronto e ao fim do último dever conjugal que ainda cumprem: a coabitação.
Alexandre tornou a olhar para a mulher, baixando ostensivamente o olhar para os pés dela que não se moviam. Não conseguiu evitar um sorriso mas, quando se apercebeu que não o conseguiria esconder, virou-se para o fogão, evitando que Ana o visse. Então, apagou o lume, retirou a frigideira para um bico frio, baixou-se para afagar o gato ganhando tempo e perguntou com ar de quem não ouviu bem a pergunta da mulher:
– Se eu já jantei?
O casal olhou-se com ar sério, ela em pé junto à ombreira da porta, ele agachado ainda a fazer festas ao gato. Ana manteve a pergunta deixando descair a cabeça e proferindo um sim sumido. O marido olhava-a calado como se esperasse qualquer coisa. O gato parecia rir-se para ela, ainda que ela estivesse certa e segura que o gato não se ria para si mas de si, o pérfido.
– Sim, ainda não jantaste? – reforçou Ana, comprimindo o silêncio que a enervava.
– Já – mentiu Alexandre, passando uma última vez a mão pela cabeça do gato, antes de se levantar e se virar para o fogão, agarrar a pega da frigideira e completar a mentira em tom neutro: – Estava a fazer estes ovos para ti.
Ana, que recomeçara a andar lentamente, procurando, sem conseguir, desviar os olhos do gato, falhou um passo, o que ele percebeu pelo som dos chinelos no chão da cozinha. Alexandre sorriu e, satisfeito, imaginou-lhe a expressão surpreendida.
– Ainda não jantaste, pois não? – perguntou o homem, prolongando a farsa.
Ela aproximou-se do fogão e ficou ao lado dele, observando os ovos mexidos. Há muito tempo que não estavam tão próximos um do outro. O gato roçou-se na perna direita de Ana e na perna esquerda de Alexandre.
– Tem bom aspecto – reconheceu Ana, a quem a súbita visão da comida cozinhada, pronta a ser servida e a comer agravou a sensação de fome e vazio no estômago.
Entediado, faminto e desesperado, o gato esticou a cauda na horizontal e entrelaçou-se caprichosamente entre as pernas de ambos, levando-os a sorrir um para o outro, agoniando-o de tal maneira que, se pudesse, o gato lhes retraçava as pernas todas até chegar aos ossos e fazer um mar de sangue no chão da cozinha.

27 maio 2011

Movimentos do rato do computador

Não adianta dizer que não, eu sei que com você é assim também.




E provavelmente em visita a uma página de entretenimento adulto.

Capinaremos.com

20 abril 2011

A posta apreensiva

Recebi um dos maiores chuveiros de humildade no dia em que percebi que uma mulher, uma paixão, preferia dedicar o seu tempo a um jogo de computador do que ao contacto comigo.

Julgava-me apelativo, interessante, arrebatador. Pura ilusão. Um simples computador bastou para me bater aos pontos no confronto directo e eu senti essa derrota como uma goleada em casa, como uma humilhação.

Claro que essa experiência apenas desnudou a minha arrogância, exposta ao ridículo perante os factos que evidenciaram, na altura, o deslumbramento excessivo que me permiti por me julgar capaz de conquistas como as do passado, esse sim, recheado de vitórias que me resta recordar com saudade mas com os pés bem assentes no chão.

Hoje o meu Glorioso joga na Luz com o Porto.

E eu decidi que não gosto nada de associações de ideias palermas.

03 abril 2011

«Top Spin 4» - jogo de ténis de computador

Com Serena Williams - apresentada como a jogadora de ténis mais sexy do mundo - e Rileah Vanderbilt - apresentada como a jogadora de ténis em computador mais sexy do mundo...

01 abril 2011

A impossibilidade


Estava sentado a trabalhar enquanto o Sol do final de dia me banhava a face. Laranja e quente, como sempre naquele local, à medida que o Sol desce a Oeste e recorta a Serra. Devia estar perdido na resolução de problemas para não a ouvir entrar na sala. Chegou até mim pelas minhas costas, e só me dei conta de não estar sozinho quando a mão esquerda dela me tocou o ombro, e lá ficou por uns instantes. Não me assustei, apenas me recostei e inclinei a cabeça um pouco até tocar o seu braço.
Puxou a cadeira para trás e veio para a minha frente. O laranja do Sol já não recortava apenas o topo da Serra. Recortava as coxas e a cintura de quem ali se apresentava, nua, perante mim. Ajeitou-se numa das minhas pernas e assim se manteve, em movimentos de fricção ritmada, enquanto o seu entumescimento se enervava no contacto com a minha perna. Cresceram os sons das articulações da cadeira, guinchando como que contrariada, aumentou o movimento, até ficar ritmicamente descontrolado e expirar, baixinho, recompondo os cabelos com uma mão e com a outra segurando algum suor que queria escorrer-lhe pelo peito.
E depois levantou-se. Ficámos a olhar-nos nos olhos enquanto ela se levantava, enquanto se erguia, e eu atónito. Recuou, e voltou a empurrar-me para junto da mesa. Sorriu, quase trocista, e correu em direcção à porta. E eu fiquei ali, estupefacto, com as calças, numa das pernas, humedecidas e exalando como que incenso, de novo a olhar o cursor a piscar no monitor do computador, de novo com o Sol laranja a banhar-me parte do rosto, ainda com adrenalina a correr-me no sangue, e suor, como se tivesse corrido encosta acima. Incapaz de me mover.