23 fevereiro 2012

O doutor

O doutor repetiu, simplificando:
– Se são casados em separação de bens, caso se divorciem, os bens dele são dele e os seus são seus.
– Mesmo os que tivermos comprado durante o casamento?
– Sim, desde que efectivamente se comprove quem os comprou…
– Bonito serviço!... Eu não posso ter nada em meu nome, nem tenho conta nem nada. Está tudo em nome dele. Foi tudo comprado em nome dele, com cartão ou cheques em nome dele, por isso é tudo dele, é isso?
– Em principio…
– Em principio e no fim!
– Provavelmente.
– E se ele morrer?
– Tem de o enterrar.
– Ah! Não é isso! – A mulher deu uma gargalhada nervosa. – O doutor está a brincar mas até nisso ele é do contra: o homem não quer ser enterrado. Diz que quer ser cremado e que as cinzas têm de ser lançadas no jardim da casa dos pais.
– Da casa dos pais? Qual é a casa dos pais?
– Não é dele! – A mulher abanou a cabeça com veemência, desesperada por antecipação. – Calhou em partilhas a um tio com quem ele não se fala há mais de trinta anos. Não fala com ninguém dessa parte da família!
– E quer as cinzas lá?
– Mesmo por isso! – A mulher riu-se. – Ele é um retorcido do pior, doutor, até já me disse que quer que eles saibam que ele está lá. E acho que também já disse ao filho. – A mulher recolocou a expressão séria e formal do início da reunião e, pousando as mãos na mesa, fixou o advogado com um olhar vítreo, concentrado, e disse: – Mas isso agora não interessa nada, doutor, o que eu preciso de saber é se ele morrer quais são os meus direitos. Tenho direito a alguma coisa ou, como estamos casados em separação de bens, não vejo nada?
– Se ele morrer é herdeira dele…
– De todos os bens?
– Sim.
As pálpebras afastaram-se e os olhos da mulher brilharam mas o rosto continuou tão formalmente impassível como antes.
– Mas se me divorciar não? – perguntou, com a voz ligeiramente trémula de comoção.
– Se se divorciar deixa de ser herdeira.
– Sim e não apanho nada. – Os olhos da mulher continuavam a brilhar e os dedos entrelaçavam-se e separavam-se em movimentos nervosos, calculistas.
– Para usar a sua expressão, sim, não apanha nada.
– Mas se ele morrer, herdo tudo! – A mulher não conseguiu disfarçar um sorriso, que camuflou com um providencial ataque de tosse e consequente movimento da mão a tapar a boca.
– Tudo não. O seu marido tem um filho, não é?
– É, tem um.
– Então são os dois herdeiros.
– Eu e ele…
– Sim.
– Quer dizer que o doutor é da opinião de eu não me divorciar.
– Eu não sou de opinião nenhuma. Isso é uma decisão pessoal e, parece-me, nem deve ser uma decisão exclusivamente económica.
A mulher soltou uma gargalhada genuinamente divertida.
– Desculpe mas essa foi boa!
– É o que eu penso.
– E se o casamento tiver sido uma decisão económica? – A mulher lançou a pergunta ainda acompanhada do anterior ar de riso e satisfação que, no entanto, se começou a esbater logo que se ouviu fazê-la e, ainda a sorrir, acrescentou: – Dos dois.
– Sendo assim…
– Foi assim – interrompeu a mulher, concludente, enquanto lhe passava uma sombra pela expressão que lhe levou o sorriso e o brilho no olhar. Depois de uma pausa, ela disse como se se confessasse: – Eu queria mudar de vida e ele queria ter-me com exclusividade. Achámos os dois que ficávamos a ganhar. E… – A mulher falava para as mãos, entrelaçadas pelos dedos e pousadas em cima da mesa. – E, na realidade, naquela altura, eu gostava dele e ele de mim. – A mulher levantou a cabeça e cruzou o olhar com o do advogado, procurando aferir da expressão dele o que dizer e o que calar. Calou-se: – Mas isso não é importante.
O doutor ensaiou um sorriso que não chegou a estrear, percebendo, na frase curta e no olhar duro da cliente, que esta tinha captado a expressão de entediado desinteresse que deixara escapar enquanto ela falava. Censurou-se por ter sido apanhado e isso poder influir nos honorários a pedir, e decidiu remediar a situação:
– A nossa vida, para nós que estamos dentro dela, é sempre importante. Muito importante. – O doutor gostou do som cheio com que dissera uma frase tão vazia e continuou: – Todavia, por vezes, temos de tomar decisões… – Lembrou-se a tempo das dúvidas que assaltavam a mulher para quem falava e acrescentou: – De fazer ou não fazer. Decisões que podem parecer exactamente como se não decidíssemos quando, na verdade, é isso que fazemos…
E o doutor continuou, com empáfia e presunção, a martelar frases como se as fizesse ressoar num bombo, frases com tanto conteúdo como o instrumento. Deixara a lei, a doutrina e a jurisprudência e seguia deleitado a ouvir-se falar sobre a vida e o seu sentido. A mulher ouvia-o apenas por cortesia, decidida não só a não lhe dizer mais nada, como em deixá-lo masturbar-se à vontade à sua frente com o seu longo e oco monólogo – quanto mais o ouvia e via mais lhe parecia que ele estava a ter prazer físico em ouvir-se falar.
Dormente, a cliente esperava apenas que ele concluísse as redondas e ocas “alegações finais” e não lhe cobrasse o tempo extra que estas estavam a demorar, no entanto, não se conseguiu conter quando, depois de arengar mais uns minutos, o advogado repetiu:
– E é isso, há decisões que podem parecer exactamente como se não decidíssemos quando, na realidade, é isso que fazemos. São decisões difíceis, quantas vezes incompreendidas…
– Se é isso que realmente fazemos – interrompeu a mulher, ácida –, então não estamos a decidir nada. – O advogado olhou para ela, incomodado pela interrupção. A mulher pensou que ele não tinha percebido mas que a estava a ouvir e explicou: – Se as decisões se parecem com a ausência de decisões e, na realidade, como o doutor disse, foi isso mesmo que fizemos, então o que fizemos foi não decidir e a aparência e a realidade são uma e a mesma coisa, apesar de nós próprios podermos depois imaginar a não decisão como uma decisão por uma razão qualquer, de conforto ou de auto-ilusão, ou outra, e, provavelmente, sem termos sequer a noção disso. Não decidimos ponto final mas como a vida não espera pelas nossas decisões…
– Ah! – O doutor olhou para o relógio que lhe ocupava o pulso todo e ainda sobrava. A mulher achou o relógio apalhaçado mas não disse nada. – A nossa conversa… – o advogado riu-se – sim, porque isto já não é uma consulta, nem sequer uma reunião, é uma conversa – o doutor tornou a olhar para o relógio, que fez questão de mostrar explicitamente de forma sub-reptícia em todo o seu esplendor. – A nossa conversa alongou-se e eu tinha uma outra reunião às seis e já são seis e catorze. Não sei se ainda a posso ajudar em mais algum assunto.
– Não, estou esclarecida, doutor.
O advogado levantou-se e ficou em pé a olhar para o decote da cliente que, ainda sentada, guardava o telemóvel e a carteira na mala.
– Muito bem, muito bem – apreciou o doutor. A mulher olhou-o e ele completou, subindo um palmo o alvo do seu olhar: – É sempre importante que as pessoas tomem decisões esclarecidas. Sempre importante. E pode contar com os meus serviços para o que entender… Para o que entender.
A mulher levantou-se, abanando a cabeça para cima e para baixo. O doutor sorriu e deu-lhe passagem, procurando vê-la de outros ângulos, o que fez com milimétrico cuidado. Satisfeito, passou-lhe à frente, roçando-se descaradamente no seu braço e, agarrado à maçaneta da porta que não abriu, chilreou:
– A sua situação não é nada fácil: há questões pessoais, claro que há, mas também há questões legais de fulcral e decisiva importância; por essa razão parece-me que há uma manifesta e aguda necessidade de ponderação e de um acompanhamento abrangente que permita enquadrar, a todo o tempo, as várias vertentes em conflito. A precipitação é um erro trágico e, muitas vezes, irremediavelmente caro mas que se pode prevenir com um mero telefonema ou um mero encontro… Mesmo fora de horas. – O doutor largou a maçaneta e tirou um cartão e uma caneta do bolso do casaco. – Vou-lhe dar o meu número pessoal e a senhora não hesite em contactar-me. – O doutor escreveu no cartão e entregou-o à cliente, com um sorriso oleoso, peganhento. – Podemos encontrar-nos quando quiser. Quando quiser.
A mulher recebeu o cartão e o sorriso com o mesmo asco. Agradeceu como se realmente agradecesse e estendeu a mão para se despedir.
– Liga-me? – insistiu o doutor, sem lhe largar a mão, enquanto abria a porta. – Eu gostava muito… – A mulher não conseguiu esconder uma careta de espanto e reprovação. O doutor, com o sorriso mais angelical que conseguiu, completou: – De a ajudar, claro… Eu gostava muito de a ajudar.

Brushstrokes 009

É natural, confundir vagem com vagina

Crica para veres toda a história
Serapilheira sensual


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oglaf.com

22 fevereiro 2012

Peito tamanho... 38KKK?!

«conversa 1873» - bagaço amarelo

(ao telefone, depois de uns minutos de conversa)


Eu - Desculpa lá interromper-te, mas estou cheio de dores de cabeça e preciso dormir. Dá para falarmos amanhã?
Ela - Dói-te a cabeça?
Eu - Sim.
Ela - Não costumas ter dores de cabeça...
Eu - Acho que é por não ter tomado café. Importas-te? Preciso dormir...
Ela - Ah! Sei que dor de cabeça é essa. Tomas um café e pronto, está resolvido.
Eu - Mas é que eu ando com a tensão muito alta e estou a tentar deixar o café.
Ela - Ah! Então não tomes. É perigoso ter a tensão alta.
Eu - Eu sei. Beijinho e até amanhã. Depois ligo-te...
Ela - Estás a despachar-me?
Eu - Não, é que preciso mesmo de dormir porque estou mal disposto.
Ela - Ah! Já podias ter dito.

bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Fruta 72 - Fruta cinzenta e a cores

Frases do Ricardo Esteves - está aqui mesmo na ponta...



O Ricardo Esteves está no Facebook, no YouTube, no blog Quotidiano Hoje e no Tumblr

21 fevereiro 2012

De fita métrica na mão

- Olha, só sobram dez centímetros!

Mal pude acreditar. Uma ponta da fita métrica no meu lábio superior e os tais dez centímetros era o que ia daí até à base do Ambrósio.

Não se fala com a boca cheia, porque é feio, senão tinha-o mandado a outro sítio. Mas só me apeteceu nessa altura fechar a boca com força e dar-lhe uma grande dentada.

Estou a falar a sério. Mesmo!

Tem dias...

Eva portuguesa - «Demagogia/Pragmatismo»

Eu sei que costumo usar este meu blog para desabafar, filosofar e pensar.
Mas agora apetece-me ser prática!
Antes de mais, o que eu faço é um trabalho, uma profissão, com hora de entrada e hora de saída.
Como em todas as profissões, tem momentos melhores e outros menos bons.
Tenho direito a dias de folga, dos quais por vezes abdico. Faço horas extraordinárias que por vezes não me são pagas e tiro férias. Tal e qual como qualquer outro trabalho.
Tenho um local de trabalho, uso farda (neste caso lingerie/nudez total) e recebo o meu pagamento.
É bem dito por profissionais da área de saúde, bem como é do conhecimento do senso comum, que as questões de trabalho não se devem levar para casa, e vice-versa.
Ora, eu tenho bastante facilidade em fazê-lo.
Quando o meu dia de trabalho termina, visto a minha roupa, faço as minhas contas, desligo o telefone e saio do apartamento (o meu local de trabalho).
A partir daí, acabou a Eva e aparece a mãe e a... que fala e sai com os amigos, faz compras para a casa, põe os seus telefonemas pessoais em dia, combina saídas, faz o jantar, brinca com o filho, sonha com o príncipe encantado, paga contas, preocupa-se com a falta de dinheiro,oferece um mimo a si própia e ao seu filhote quando as coisas correm bem... Uma mulher normal,que, independentemente da sua profissão, vive o seu dia-a-dia como tantas outras mulheres que também são mães solteiras.
E não deixo que estes dois mundos se misturem.
Claro que tive clientes que se tornaram amigos, mas são apenas dois, e agora são amigos da... A Eva foi o meio através da qual se conheceram. E em boa hora isso aconteceu!
Outra coisa: eu não sou nenhuma coitadinha. Mediante os diversos acontecimentos que ocorreram ao longo da minha vida, fui tomando opções, umas certas, outras nem por isso; mas sempre lutei para seguir o meu caminho da melhor forma possível, às vezes caindo para me levantar de seguida, por vezes errando para depois acertar; mas sempre sem me violentar nem prejudicando (pelo menos conscientemente) quem me rodeia.
Ser Acompanhante foi uma solução que me pareceu acertada em determinada altura e da qual não me arrependo.
Como qualquer pessoa que trabalhe por conta própria, é constante a preocupação do que se ganha diariamente. Se não se ganha, não há como pagar as coisas. E esta situação agrava-se para pessoas que, como eu, têm um filho para sustentar sozinhas e não têm família. Mas isto acontece a quem se encontre nas mesmas condições que eu, independentemente da sua profissão...
Tenho, muitas vezes, uma vantagem enorme que outras pessoas não têm na sua vida profissional: eu gosto de sexo! E, sempre que posso, tenho prazer no trabalho...
Assim, deixando de lado a demagogia, enquanto houver trabalho e clientes satisfeitos sou uma mulher profissionalmente realizada.
Nesta área, ou noutra, desejo o mesmo a todos vós.

Eva
blog Eva portuguesa - porque o prazer não é pecado

Chakra Sambara - Nepal

Estatueta em metal pintado e ouro.
"Chakra Sambara é o principal deus de Sambara. É também visto como uma manifestação de Heyvajra, figura central do Budismo Vajrayana. A sua consorte, Vajrabarahi, abraça-o numa posição mística. É uma união simbólica entre a sabedoria e o método, que leva à felicidade derradeira."
Isto era o que estava escrito no papelinho que me deu o senhor do Nepal que me vendeu esta estatueta, na Expo 98. E também está explicadinho aqui.