12 março 2012

«respostas a perguntas inexistentes (194)» - bagaço amarelo

sobre a decisão de Amar

O maior equívoco sobre o Amor é acreditar que ele acontece sem mais nem menos. Não acontece. O Amor é sempre uma decisão, tal como o é deixar de pôr açúcar no café, fazer uma viagem à América do Sul ou ficar a dormir num Domingo à tarde. Decidimos aquilo que vai modelar em grande parte os nossos dias, e normalmente as pessoas que andam sempre mal de Amor são aquelas a quem falta a coragem de tomar uma decisão.
O problemas das decisões é que nem sempre estão certas, e isso deve-se à nossa condição humana. Errar é humano, dizem. Pois nesse aspecto eu devo ser o mais humanos de todos. Passei a vida a tomar decisões erradas das quais, no entanto, não me arrependo. Foram decisões que, apesar de tudo, me foram permitindo Amar. É verdade que talvez tenha tomado algumas decisões menos boas porque, em vez da solidão, sempre fui preferindo os Amores possíveis. À falta de melhor era por eles que me decidia. Ainda bem que o fiz, no entanto, pois foi com eles que aprendi isso mesmo: que o Amor é uma decisão.
Sempre que me acreditava apaixonado por alguém, o meu primeiro pensamento era o de ter esse Amor que estava ali à mão de semear. Foi assim toda a vida, e só percebi esse meu grande erro quando me apaixonei pela Raquel. Quero que este Amor me tenha, pensei. Nessa noite ela ensinou-me que o Amor é maior do que eu e tomei a decisão de a Amar.
A diferença entre um Amor que temos, por muito bom que seja, e um Amor que nos tem a nós, tem exactamente a ver com a capacidade de decidir sobre ele. Perdemos o controle sobre tudo o que nos tem a nós e, por isso, também a capacidade de decidir o seu fim. É que o fim de um Amor também é sempre uma decisão.
Percebem?


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

«A Imaginação Pornográfica» - livro de Susan Sontag


Neste pequeno ensaio (34 páginas) de 1967, Susan Sontag aborda a pornografia vista como "modalidade ou uso menor no interior das artes". Mais especificamente, "o género literário para o qual, na falta de um nome melhor, estou disposta a aceitar (na privacidade do debate intelectual autêntico, não nos tribunais) o duvidoso rótulo de pornografia".
Segundo Susan Sontag, "a avalancha de obras artísticas comerciais vendidas ilegalmente por dois séculos e, agora, cada vez mais, fora de mercado, não impugna a condição de literatura" de livros pornográficos como "Trois Filles de leur Mère, de Pierre Louys, Histoire de l’Oeil e Madame Edwarda, de George Bataille, e as pseudónimas História de O e A Imagem", por exemplo. E adianta: "A proporção de literatura autêntica em relação ao refugo, na pornografia, talvez seja um pouco menor que a proporção de romances de genuíno mérito literário face a todo o volume de ficção subliterária produzida para o gosto popular".
Susan Sontag alerta que "a pornografia é uma doença a ser diagnosticada e uma ocasião para julgamento. É alguma coisa frente à qual se é contra ou a favor". E em que os extremos se tocam: "a mesma abordagem fundamental do tema é partilhada por eloquentes defensores recentes do direito e da obrigação da sociedade em censurar livros sujos e por aqueles que antevêem as consequências perniciosas de uma política de censura, muito piores que qualquer dano causado pelos próprios livros. Tanto os libertários como os presumidos censores concordam em reduzir a pornografia a um sintoma patológico e a uma mercadoria social problemática".
Constata que "a pornografia raramente é vista como mais interessante que textos que ilustram uma interrupção deplorável no desenvolvimento sexual do adulto normal". "A crescente produção de livros “sujos” é atribuída a um legado maligno da repressão sexual cristã e à mera ignorância psicológica", ao "impacto dos drásticos deslocamentos nos modos tradicionais da família e da ordem política" e à "mudança anárquica nos papéis sexuais".
Susan Sontag identifica quatro razões apontadas pelos que excluem a pornografia da literatura:
1) "a maneira completamente unívoca em que os livros de pornografia se dirigem ao leitor, propondo-se a excitá-lo sexualmente, é antitética à complexa função da literatura";
2) "nas obras de pornografia falta a forma de começo-meio-e-fim característica da literatura. Uma peça de ficção pornográfica mal inventa uma indisfarçada desculpa para um início e, uma vez tendo começado, avança às cegas e termina nenhures";
3) "o texto pornográfico não é capaz de evidenciar nenhum cuidado com seu meio de expressão enquanto tal (a preocupação da literatura), uma vez que o propósito da pornografia é inspirar uma série de fantasias não-verbais em que a linguagem desempenha um papel secundário, meramente instrumental";
4) "o tema da literatura é a relação dos seres humanos uns com os outros, seus complexos sentimentos e emoções; a pornografia, em contraste, desdenha as pessoas plenamente formadas (a psicologia e o retrato social), é desatenta à questão dos motivos e de sua credibilidade, e narra apenas as transações infatigáveis e imotivadas de órgãos despersonalizados"...

... e rebate-as nas páginas seguintes deste estudo, acusando os padrões e a hipocrisia existentes: "os valores usualmente aplicados à pornografia são, afinal, os pertencentes à psiquiatria e aos estudos sociais, mais que à arte. (Desde que a cristandade elevou a fasquia e se concentrou no comportamento sexual como a raiz da virtude, tudo aquilo que pertença a sexo tem sido um “caso especial” na nossa cultura, provocando atitudes peculiarmente inconsistentes)". E faz uma comparação nada católica: "a pornografia que é autêntica literatura visa “excitar” da mesma forma que os livros que revelam uma forma extrema de experiência religiosa têm como propósito “converter”".
Defende "que “o obsceno” é uma noção primal do conhecimento humano, algo muito mais profundo que a repercussão de uma aversão doentia da sociedade ao corpo".
Em algumas constatações, Susan Sontag assusta-me. Por exemplo, esta: "Por domesticada que possa ser, a sexualidade permanece como uma das forças demoníacas na consciência do homem – impelindo-nos, de quando em quando, para perto de proibições e desejos perigosos, que abrangem do impulso de cometer uma súbita violência arbitrária contra outra pessoa ao anseio voluptuoso de extinção da consciência, à ânsia da própria morte". E defende que "o tema da pornografia não é, em última instância, o sexo, mas a morte". A morte "é o único fim para a odisseia da imaginação pornográfica quando ela se torna sistemática; vale dizer, quando ela se centra nos prazeres da transgressão, e não no mero prazer". Mas depois, sinto algum alívio: "A pornografia, considerada como uma forma artística ou criadora de arte na imaginação humana, é uma expressão daquilo que William James chamou “mentalidade mórbida”. Mas James, sem dúvida, estava correto quando propôs, como parte de sua definição de mentalidade mórbida, que essa abrangia “uma escala mais ampla” de experiência que a mentalidade saudável".
Susan Sontag conclui: "Se há tantos que oscilam à beira do assassinato, da desumanização, da deformidade e do desespero sexuais, e se devêssemos agir de acordo com esse pensamento, então uma censura que jamais imaginaram os inimigos indignados da pornografia pareceria adequada. Se é esse o caso, não somente a pornografia mas todas as formas de arte e conhecimento autênticas – em outras palavras, todas as formas de verdade – são suspeitas e perigosas".

O texto está disponível para descarregar aqui, em formato pdf.

Saber perdoar

É algo que nosso amigo Jesus Cristo ensinou.




Meninas estão permitidas para fazer cagadas no trânsito.

Capinaremos.com

11 março 2012

"um filme, uma foda"


No dia combinado encontrávamos-nos à porta do cinema que exibia o filme escolhido muito limpinhos e perfumados como manda o manual da sedução e de mão dada mergulhávamos na sala ainda iluminada para o primeiro ritual em que ele retirava os óculos da respectiva caixinha e os ajeitava às orelhas com ambas as mãos.

Saíamos da sala em risinhos cúmplices a debulhar as primeiras impressões do filme e a correr para a saída para acalmar a minha necessidade de acender um cigarro e seguir para outras quatro paredes onde a película aderente fosse o seu corpo no meu. Despi-lo era o grande plano do espanto de uma pele macia à luz coada da tarde pelos cortinados e o suspense do momento em que as suas mãos apalpadeiras de nalgas se intrometeriam entre as minhas coxas percutindo cada milímetro de superfície alagadiça. Talvez as minhas mãos firmadas na cómoda a empinar-me lhe permitissem um melhor enquadramento da sequência em que as suas ancas imprimiam o andamento ronceiro.

O beijo quase sufocante dos seus lábios a desmaiarem nos meus era o prenúncio da última cena em que aproximava o cinzeiro e de uma assentada eu acendia dois cigarros espetando um na boca dele para retomar a crítica do filme que se eu fosse dada à escrita intitularia como "um filme, uma foda".


[Imagem: Cartaz de
O pecado mora ao lado, de 1955]

«Diário de um nudista» - filme (1h11m)


diary_of_a-nudist por crazedigitalmovies

«Cocktail» - por Rui Felício


Passadas dezenas de anos, voltou naquele fim de tarde ao Bar Procópio às Amoreiras.
No ano anterior ao 25 de Abril tinha sido frequentador habitual. Desde então, a vida tinha-o levado para outros locais da cidade.
Em noites de amena cavaqueira e utópicos planos conspirativos, em frente a um cocktail de advocaat e peppermint, numa colorida miscelânea de dourado e verde, sob a tépida luz esmaecida do candeeiro da mesa, coada pelo abat-jour com desenhos de Lautrec, tinha ali travado conhecimento com figuras que viriam, umas, como ele, a permanecerem anónimas, outras a destacarem-se, anos mais tarde, na politica, nas artes, na literatura.
Ali estava agora, no cocktail de lançamento do livro “Colectânea de retalhos beirões”, da autoria de um seu amigo de Coimbra, há anos a viver na Beira Baixa, escritor de traço neo-realista, temperado por uma profunda sensibilidade humana.
Com um copo de whisky na mão, petiscando um bolo de bacalhau, depois uma chamuça, ia cumprimentando com um sorriso ou uma frase de circunstância, quem se lhe dirigia ou o abordava, perguntando-lhe se estava tudo bem, por onde tinha andado, que nunca mais fora visto.
Na obscuridade do Bar, um olhar fugaz, inesperado, semelhante a um raio laser trespassando a nebulosidade do ambiente, fixou-se nos seus olhos por breves instantes.
A dona do olhar era uma bela mulher madura, elegante, bonita, que a sua memória lhe garantia ser ela, a Zélia. Seria mesmo? Tinham namorado há muitos anos, numa época em que fazer amor só devia acontecer depois do casamento, ou, quando muito, se o noivado já estivesse comprometido. Fora disso, tudo se resumia a uns abraços, uns beijos, mais ou menos profundos, levados aos ,limites do convencionalismo, sem os ultrapassar.
O namoro tinha-se desfeito já não sabia porquê.
Aproximaram-se. Sentiu a mão dela agarrar a sua, abraçando-o, e assim ficar longos minutos.
Olhou em redor, receoso que algum dos jornalistas presentes o fotografasse numa situação de intimgidade comprometedora. Ele sabia que se tal viesse a público, a sua mulher não iria tolerar que continuassem a viver juntos. Era certo que a perderia a ela e, ainda pior, perderia o seu cão Buba por quem nutria uma grande amizade. Seria impensável viver sem aquele afável cachorro!
Interrompeu estes pensamentos quando a Zélia o arrastou para fora do Procópio, o fez entrar no carro e o levou para o seu apartamento do Principe Real, dizendo-lhe que, desta vez não iria perder de novo a oportunidade, como aconteceu há tantos anos atrás, de fazer amor com ele. Desta vez ela ia entregar-se-lhe, dar-lhe todo o seu calor, até à completa saciedade de ambos.
Quando acordou ao amanhecer, transpirado, ofegante, cansado, achou-se o homem mais feliz do mundo, no momento em que sentiu a mão a ser lambida pelo seu cão Buba que abanava o rabo ao lado da cama.
Não iria perdê-lo! Tudo não passara de um sonho…

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações


«Au lit, le baiser» - Henri de Toulouse-Lautrec

Um passo adiante


Ricardo - Vida e obra de mim mesmo
(crica na imagem para abrir aumentada numa nova janela)

09 março 2012

«coisas que fascinam (138)» - bagaço amarelo

vaivém

Tomamos café. A Sónia pergunta-me como estou. Que estou bem, respondo. A Sónia pergunta-me se ainda estou apaixonado. Faço silêncio com os olhos e ela insiste. E tu, ainda estás apaixonado? Abano a cabeça afirmativamente e sem determinação. Sei que ela não quer saber a resposta, que apenas que eu saiba que ela não está. Então e tu? O Amor foi-se? Ela abana os ombros também afirmativamente.
Fico a pensar na minha pergunta. O Amor foi-se? É a assumpção de que o Amor se vem e se vai como se fosse um passageiro na nossa vida. Na vida de duas pessoas, porque o Amor é sempre isso, a vida de duas pessoas. O meu não se foi, mas também eu tenho medo que um dia destes ele se despeça de mim e saia num apeadeiro qualquer deste tempo que é o meu. Sorrio, talvez nervoso, e digo-lhe que a vida é assim.
Dizemos sempre que a vida é assim quando lhe perdemos o rasto; quando, de facto, nos apercebemos que não sabemos como ela é. Dizendo que ela é assim parece que a estamos a agarrar, mas não estamos. Estamos a escapar-lhe. Sabemos apenas como ela devia ser. Mais nada. E agora sorri a Sónia, talvez nervosa, e abana os ombros, desta vez negativamente. A vida não é assim.
Quando um Amor se vai a vida vai-se com ele. Da mesma forma que quando um Amor se vem a vida vem-se com ele. É assim, no sexo e fora dele, com o alívio de que a vida nunca se vai toda. Vai-se uma parte dela, talvez quase toda, talvez nervosa abanando os ombros esmorecidos. A que resta fica, às vezes, num amigo a quem se pergunta se ainda está apaixonado mesmo que não se queira saber a resposta. Quer-se só dizer que já não se está. E tomar um café.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Paródia Musical ▶ Princesa (Faz Dieta Outra Vez)


Princesa (Faz Dieta Outra Vez)
Versão original por Boss AC
Música parodiada por Ricardo Esteves
Letra e vozes por Ricardo Esteves
© Ricardo Esteves Entertainment

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