12 março 2012
«A Imaginação Pornográfica» - livro de Susan Sontag
Neste pequeno ensaio (34 páginas) de 1967, Susan Sontag aborda a pornografia vista como "modalidade ou uso menor no interior das artes". Mais especificamente, "o género literário para o qual, na falta de um nome melhor, estou disposta a aceitar (na privacidade do debate intelectual autêntico, não nos tribunais) o duvidoso rótulo de pornografia".
Segundo Susan Sontag, "a avalancha de obras artísticas comerciais vendidas ilegalmente por dois séculos e, agora, cada vez mais, fora de mercado, não impugna a condição de literatura" de livros pornográficos como "Trois Filles de leur Mère, de Pierre Louys, Histoire de l’Oeil e Madame Edwarda, de George Bataille, e as pseudónimas História de O e A Imagem", por exemplo. E adianta: "A proporção de literatura autêntica em relação ao refugo, na pornografia, talvez seja um pouco menor que a proporção de romances de genuíno mérito literário face a todo o volume de ficção subliterária produzida para o gosto popular".
Susan Sontag alerta que "a pornografia é uma doença a ser diagnosticada e uma ocasião para julgamento. É alguma coisa frente à qual se é contra ou a favor". E em que os extremos se tocam: "a mesma abordagem fundamental do tema é partilhada por eloquentes defensores recentes do direito e da obrigação da sociedade em censurar livros sujos e por aqueles que antevêem as consequências perniciosas de uma política de censura, muito piores que qualquer dano causado pelos próprios livros. Tanto os libertários como os presumidos censores concordam em reduzir a pornografia a um sintoma patológico e a uma mercadoria social problemática".
Constata que "a pornografia raramente é vista como mais interessante que textos que ilustram uma interrupção deplorável no desenvolvimento sexual do adulto normal". "A crescente produção de livros “sujos” é atribuída a um legado maligno da repressão sexual cristã e à mera ignorância psicológica", ao "impacto dos drásticos deslocamentos nos modos tradicionais da família e da ordem política" e à "mudança anárquica nos papéis sexuais".
Susan Sontag identifica quatro razões apontadas pelos que excluem a pornografia da literatura:
1) "a maneira completamente unívoca em que os livros de pornografia se dirigem ao leitor, propondo-se a excitá-lo sexualmente, é antitética à complexa função da literatura";
2) "nas obras de pornografia falta a forma de começo-meio-e-fim característica da literatura. Uma peça de ficção pornográfica mal inventa uma indisfarçada desculpa para um início e, uma vez tendo começado, avança às cegas e termina nenhures";
3) "o texto pornográfico não é capaz de evidenciar nenhum cuidado com seu meio de expressão enquanto tal (a preocupação da literatura), uma vez que o propósito da pornografia é inspirar uma série de fantasias não-verbais em que a linguagem desempenha um papel secundário, meramente instrumental";
4) "o tema da literatura é a relação dos seres humanos uns com os outros, seus complexos sentimentos e emoções; a pornografia, em contraste, desdenha as pessoas plenamente formadas (a psicologia e o retrato social), é desatenta à questão dos motivos e de sua credibilidade, e narra apenas as transações infatigáveis e imotivadas de órgãos despersonalizados"...
... e rebate-as nas páginas seguintes deste estudo, acusando os padrões e a hipocrisia existentes: "os valores usualmente aplicados à pornografia são, afinal, os pertencentes à psiquiatria e aos estudos sociais, mais que à arte. (Desde que a cristandade elevou a fasquia e se concentrou no comportamento sexual como a raiz da virtude, tudo aquilo que pertença a sexo tem sido um “caso especial” na nossa cultura, provocando atitudes peculiarmente inconsistentes)". E faz uma comparação nada católica: "a pornografia que é autêntica literatura visa “excitar” da mesma forma que os livros que revelam uma forma extrema de experiência religiosa têm como propósito “converter”".
Defende "que “o obsceno” é uma noção primal do conhecimento humano, algo muito mais profundo que a repercussão de uma aversão doentia da sociedade ao corpo".
Em algumas constatações, Susan Sontag assusta-me. Por exemplo, esta: "Por domesticada que possa ser, a sexualidade permanece como uma das forças demoníacas na consciência do homem – impelindo-nos, de quando em quando, para perto de proibições e desejos perigosos, que abrangem do impulso de cometer uma súbita violência arbitrária contra outra pessoa ao anseio voluptuoso de extinção da consciência, à ânsia da própria morte". E defende que "o tema da pornografia não é, em última instância, o sexo, mas a morte". A morte "é o único fim para a odisseia da imaginação pornográfica quando ela se torna sistemática; vale dizer, quando ela se centra nos prazeres da transgressão, e não no mero prazer". Mas depois, sinto algum alívio: "A pornografia, considerada como uma forma artística ou criadora de arte na imaginação humana, é uma expressão daquilo que William James chamou “mentalidade mórbida”. Mas James, sem dúvida, estava correto quando propôs, como parte de sua definição de mentalidade mórbida, que essa abrangia “uma escala mais ampla” de experiência que a mentalidade saudável".
Susan Sontag conclui: "Se há tantos que oscilam à beira do assassinato, da desumanização, da deformidade e do desespero sexuais, e se devêssemos agir de acordo com esse pensamento, então uma censura que jamais imaginaram os inimigos indignados da pornografia pareceria adequada. Se é esse o caso, não somente a pornografia mas todas as formas de arte e conhecimento autênticas – em outras palavras, todas as formas de verdade – são suspeitas e perigosas".
O texto está disponível para descarregar aqui, em formato pdf.
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