Tenho vestidas três camisolas desalinhadas na zona do pescoço. A Raquel diz-me, em tom de brincadeira, que podia ter arranjado um namorado que se vestisse melhor. Rio-me. Penso, em tom mais sério, que eu não podia ter arranjado nenhuma outra namorada. Nem mais nenhuma.
O Amor duma mulher é suficiente? Sei que há quem discuta isto consigo mesmo desta maneira. A mim, a palavra "suficiente" nunca me chegou para adjectivar o Amor. Prefiro dizer que há homens para quem o Amor duma mulher é tudo. A palavra "tudo" é mais certeira que a "suficiente" para definir um Amor, pelo menos se for mesmo assim.
Há homens que procuram simultaneamente o Amor de várias mulheres. Esses, por estranho e contraditório que possa parecer, são os homens sós. O Amor duma mulher nunca é suficiente, o que quer dizer que nunca se chega ao tudo. Sofre-se mais, mesmo que pareça que se sofre menos. Estes são os homens mais injustiçados pela herança judaico-cristã da nossa cultura. As mulheres chamam-lhes invariavelmente sacanas porque não percebem que eles são sofredores. Nunca sentem que têm tudo e nada lhes é suficiente.
Fecho os olhos nesta floresta densa em que penso, aquecido pelo frágil frio dum Inverno que teima em não se fazer notar. Sei que já fui um pouco dos dois. Abro-os novamente. Por um momento percebo que tenho tudo e que a suficiência me seria insuficiente.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
16 março 2012
15 março 2012
As Caldas em grande
Os meus confrades da Confraria do Príapo aproveitaram a cerimónia de entrega de prémios, menções honrosas e diplomas de participação do Concurso de Ideias para a Identidade Visual da Confraria do Príapo, para inaugurarem no dia 3 de Março uma escultura fálica composta por vários materiais, desde a cerâmica, ao ferro e ao azulejo, com mais de 2 metros de altura, instalada no Casal da Eira Branca, aos Infantes, Caldas da Rainha.
A escultura fálica e os seus autores: Vítor Reis, Carlos Enxuto, Paulo Óscar, Mário Reis e Eduardo Pereira, com Edgar Ximenes, presidente da Confraria do Príapo e?... - foto Confraria do Príapo
Os ceramistas caldenses, autores da monumental escultura cerâmica fálica - foto «Jornal das Caldas»
Ver aqui um artigo no «Jornal das Caldas»
A escultura fálica e os seus autores: Vítor Reis, Carlos Enxuto, Paulo Óscar, Mário Reis e Eduardo Pereira, com Edgar Ximenes, presidente da Confraria do Príapo e?... - foto Confraria do Príapo
Os ceramistas caldenses, autores da monumental escultura cerâmica fálica - foto «Jornal das Caldas»
Ver aqui um artigo no «Jornal das Caldas»
A Fisioterapia
– Hum… Já não nos encontrávamos desde o ano passado, David.
– Pois não. Bom ano, Lucília!
– Obrigado, bom ano para ti também.
– Ah!... Muito obrigado.
– Estás bom?
– Bom?! Bom?! Tu estás a gozar comigo, não estás?... Só podes!
– Não… eu…
– Como é que queres que eu esteja bom, Lucília? Como?... Eu não posso estar bom!...
– Não sabia… Desculpa.
– A gaja não te disse nada?
– Quem, a Cristina?
– Sim, essa gaja cujo o nome eu não vou repetir, não te disse nada?
– Não, acho que não.
– A gaja não te contou nada?!...
– Não. O quê?
– A gaja pôs-me fora de casa…
– Não posso… Quando?
– Na semana passada…
– A Cristina pôs-te fora de casa na semana passada?!
– Foi. A seguir à passagem de ano.
– Porquê?
– Sei lá porquê!... Porque é doida!
– Hum… Alguma coisa deves ter feito.
– Qual feito, qual carapuça. A gaja é doida. Não estás bem a ver…
– Doida?
– Sim, completamente doidinha.
– E pôs-te fora de casa?
– Foi mas eu voltei.
– Voltaste?
– Sim, dois dias depois.
– E não me disseste nada?
– Achei melhor não. E tu tinhas ido com o Leandro à terra.
– Pois foi, e ela?
– Ela não.
– Ela não, o quê?
– Não foi à terra contigo e com o Leandro.
– Isso sei eu, parvo!... O que é que ela fez?
– Não fez nada. É doida!
– Mas ela acusou-te de alguma coisa?
– A mim?
– Não, a mim!...Ó David, toda a gente sabe que tu não és nenhum santo…
– Eu nunca disse que sou!
– E até te digo mais, se eu fosse a ela já te tinha posto na alheta ao tempo.
– Mas eu não fiz nada, foi tudo um mal-entendido!
– Ah!... Sempre houve alguma coisa.
– Houve que a gaja é doida.
– E que mal-entendido foi esse?
– O mal-entendido é que a gaja é doida!
– Isso não é um mal-entendido, ou é ou não é.
– É!
– É a tua opinião e olha que eu trabalho com ela quase todos os dias e não me parece.
– Ela disfarça.
– E, afinal, do que é que ela te acusou?
– Que eu andava metido com uma gaja na fisioterapia.
– Tu andas na fisioterapia?!
– Não te disse?
– Não.
– Ando.
– Andas?
– Ando.
– A fazer o quê?
– Ando lá.
– Sim, isso já me disseste, mas andas lá exactamente para quê?
– Por causa da baixa. O seguro mandou-me e eu ando lá.
– E a gaja?
– Qual gaja?
– A gaja que a Cristina diz que tu andas metido.
– Deslocou um ombro.
– Um ombro?
– Sim, teve um acidente e deslocou um ombro, uma coisa simples mas depois imobilizaram-na como se tivesse partido e a seguir tiveram de partir para que ficasse deslocado e se pudesse curar. E agora tem de andar na fisioterapia…
– Coitadinha… Olha que, para quem não anda metido com ela, tu sabes muito sobre a gaja com quem não andas metido.
– A fisioterapeuta é a mesma.
– Sim, claro e foi ela que te contou.
– Foi.
– Porque tu não andas metido com ela.
– Eu não ando metido com ninguém, Lucília! Também tu, bolas?!
– Andas metido comigo.
– Mas tu não andas na fisioterapia.
– Pois não.
– E a Cris... E a gaja não sabe, nem desconfia.
– Esperemos que não. E a da fisioterapia sabe que tu andas comigo?
– Bolas, Lucília! Não há ninguém na fisioterapia! A gaja é doida, já te disse.
– Deixa lá, eu depois esclareço isso com a Cristina. Agora chega aqui, para eu ver se a fisioterapia te tem feito bem.
– Pois não. Bom ano, Lucília!
– Obrigado, bom ano para ti também.
– Ah!... Muito obrigado.
– Estás bom?
– Bom?! Bom?! Tu estás a gozar comigo, não estás?... Só podes!
– Não… eu…
– Como é que queres que eu esteja bom, Lucília? Como?... Eu não posso estar bom!...
– Não sabia… Desculpa.
– A gaja não te disse nada?
– Quem, a Cristina?
– Sim, essa gaja cujo o nome eu não vou repetir, não te disse nada?
– Não, acho que não.
– A gaja não te contou nada?!...
– Não. O quê?
– A gaja pôs-me fora de casa…
– Não posso… Quando?
– Na semana passada…
– A Cristina pôs-te fora de casa na semana passada?!
– Foi. A seguir à passagem de ano.
– Porquê?
– Sei lá porquê!... Porque é doida!
– Hum… Alguma coisa deves ter feito.
– Qual feito, qual carapuça. A gaja é doida. Não estás bem a ver…
– Doida?
– Sim, completamente doidinha.
– E pôs-te fora de casa?
– Foi mas eu voltei.
– Voltaste?
– Sim, dois dias depois.
– E não me disseste nada?
– Achei melhor não. E tu tinhas ido com o Leandro à terra.
– Pois foi, e ela?
– Ela não.
– Ela não, o quê?
– Não foi à terra contigo e com o Leandro.
– Isso sei eu, parvo!... O que é que ela fez?
– Não fez nada. É doida!
– Mas ela acusou-te de alguma coisa?
– A mim?
– Não, a mim!...Ó David, toda a gente sabe que tu não és nenhum santo…
– Eu nunca disse que sou!
– E até te digo mais, se eu fosse a ela já te tinha posto na alheta ao tempo.
– Mas eu não fiz nada, foi tudo um mal-entendido!
– Ah!... Sempre houve alguma coisa.
– Houve que a gaja é doida.
– E que mal-entendido foi esse?
– O mal-entendido é que a gaja é doida!
– Isso não é um mal-entendido, ou é ou não é.
– É!
– É a tua opinião e olha que eu trabalho com ela quase todos os dias e não me parece.
– Ela disfarça.
– E, afinal, do que é que ela te acusou?
– Que eu andava metido com uma gaja na fisioterapia.
– Tu andas na fisioterapia?!
– Não te disse?
– Não.
– Ando.
– Andas?
– Ando.
– A fazer o quê?
– Ando lá.
– Sim, isso já me disseste, mas andas lá exactamente para quê?
– Por causa da baixa. O seguro mandou-me e eu ando lá.
– E a gaja?
– Qual gaja?
– A gaja que a Cristina diz que tu andas metido.
– Deslocou um ombro.
– Um ombro?
– Sim, teve um acidente e deslocou um ombro, uma coisa simples mas depois imobilizaram-na como se tivesse partido e a seguir tiveram de partir para que ficasse deslocado e se pudesse curar. E agora tem de andar na fisioterapia…
– Coitadinha… Olha que, para quem não anda metido com ela, tu sabes muito sobre a gaja com quem não andas metido.
– A fisioterapeuta é a mesma.
– Sim, claro e foi ela que te contou.
– Foi.
– Porque tu não andas metido com ela.
– Eu não ando metido com ninguém, Lucília! Também tu, bolas?!
– Andas metido comigo.
– Mas tu não andas na fisioterapia.
– Pois não.
– E a Cris... E a gaja não sabe, nem desconfia.
– Esperemos que não. E a da fisioterapia sabe que tu andas comigo?
– Bolas, Lucília! Não há ninguém na fisioterapia! A gaja é doida, já te disse.
– Deixa lá, eu depois esclareço isso com a Cristina. Agora chega aqui, para eu ver se a fisioterapia te tem feito bem.
14 março 2012
«Ned sem Nel - ou de ginjeira» - por Daniel Abrunheiro
Por uma destas frias, áridas e maninhas noites de sexta-feira, fui a um baile-das-velhas. Vocês sabem: aquelas matinées de lázaros & lázaras que parecem ressuscitar os passamentos geriátricos través o milagre simples do organista-vocalista.
Mandei vir uma ginja e um pires de tremoços, acalentando durante um arremedo de esperança quanto a encontrar alguma avó divorciada que comigo aceitasse merengar um bocadito de Nelson Ned ou de Nel Monteiro. A bola-de-espelhos tinha a translacção avariada, pelo que as estrelas eram fixas no céu de popelina do estaminé.
Lá fora, as motorizadas e os táxis enregelavam à lua triste na antemão de cópulas só dérmicas, que a idade não doa nem perdoa, só dói.
Derredor, cavalheiros encanecidos como cisnes anacrónicos faziam pé-de-alferes (que o mesmo é cortejar d’arrastão) a araras aramaicas de rugas as mais cuneiformes. Havia botelhas de malvasia à base de beterraba sacarina (daquela que dizem vai voltar a haver em Coruche). Também havia tremoços. E mais próteses dentárias do que milímetros de asfalto na Rua das Manteigas da freguesia de S. Nicolau. Deixei-me estar naquele transe de melancolia atenta que confere a um pré-cinquentão, no referido contexto, toda uma aura de efebo o mais púbere, o mais sumarento e o mais acamável, se o ponto de vista fosse o de uma septuagenária comichosa ainda e ainda com dinheiro para o táxi, que eu nem motorizada tenho.
A septuagenária lá acabou por vir e chegar e pedir-me o obséquio (aos anos que eu, tirando a leitura do Altino Tojal de Os Putos, não ouvia o pedido, e aliás a fineza, de um “obséquio”!) de uma moda do Nelson Ned. Acabei a quarta ginja, palitei o interstício frontal e acrílico da placa de cima, levantei-me e fiz-me à pista.
Já manteiguenternecida, a dama (que era Ivone e reformada dos Correios, para mais com um netinho aviador nos alemães de Beja), perguntou-me que fazia eu. Eu disse-lhe que nada, que só escrevia no Ribatejo. Vai daí, diz-me ela assim: - Ah, então o senhor é aquele que escreve muito bem, o coiso, ai!, o Moita Flores?”
E eu rosnei-lhe que não, que quando escrevo é mesmo a sério e sem auto-beatificação, e sem projeto ou sem “projétil”, e que quando eu escrevo é mesmo mesmo a sério para ninguém. De modo que a seguir, já nem Nel Monteiro.
Daniel Abrunheiro [blog]
Mandei vir uma ginja e um pires de tremoços, acalentando durante um arremedo de esperança quanto a encontrar alguma avó divorciada que comigo aceitasse merengar um bocadito de Nelson Ned ou de Nel Monteiro. A bola-de-espelhos tinha a translacção avariada, pelo que as estrelas eram fixas no céu de popelina do estaminé.
Lá fora, as motorizadas e os táxis enregelavam à lua triste na antemão de cópulas só dérmicas, que a idade não doa nem perdoa, só dói.
Derredor, cavalheiros encanecidos como cisnes anacrónicos faziam pé-de-alferes (que o mesmo é cortejar d’arrastão) a araras aramaicas de rugas as mais cuneiformes. Havia botelhas de malvasia à base de beterraba sacarina (daquela que dizem vai voltar a haver em Coruche). Também havia tremoços. E mais próteses dentárias do que milímetros de asfalto na Rua das Manteigas da freguesia de S. Nicolau. Deixei-me estar naquele transe de melancolia atenta que confere a um pré-cinquentão, no referido contexto, toda uma aura de efebo o mais púbere, o mais sumarento e o mais acamável, se o ponto de vista fosse o de uma septuagenária comichosa ainda e ainda com dinheiro para o táxi, que eu nem motorizada tenho.
A septuagenária lá acabou por vir e chegar e pedir-me o obséquio (aos anos que eu, tirando a leitura do Altino Tojal de Os Putos, não ouvia o pedido, e aliás a fineza, de um “obséquio”!) de uma moda do Nelson Ned. Acabei a quarta ginja, palitei o interstício frontal e acrílico da placa de cima, levantei-me e fiz-me à pista.
Já manteiguenternecida, a dama (que era Ivone e reformada dos Correios, para mais com um netinho aviador nos alemães de Beja), perguntou-me que fazia eu. Eu disse-lhe que nada, que só escrevia no Ribatejo. Vai daí, diz-me ela assim: - Ah, então o senhor é aquele que escreve muito bem, o coiso, ai!, o Moita Flores?”
E eu rosnei-lhe que não, que quando escrevo é mesmo a sério e sem auto-beatificação, e sem projeto ou sem “projétil”, e que quando eu escrevo é mesmo mesmo a sério para ninguém. De modo que a seguir, já nem Nel Monteiro.
Daniel Abrunheiro [blog]
«conversa 1879» - bagaço amarelo
Ela - Não compreendo os homens.
Eu - Então porquê?
Ela - O meu namorado passou quatro anos a dizer que não queria compromisso nenhum sério comigo, que a nossa relação era só de passagem e tal. Agora, de repente, pediu-me em casamento.
Eu - Parabéns!
Ela - Parabéns, nada. Eu disse-lhe que no princípio até tinha casado, se ele me tivesse pedido, mas agora habituei-me à tal relação sem futuro e estou muito bem assim.
Eu - Ah!
Ela - Acho que à medida que um homem e uma mulher se vão conhecendo, há um processo de inversão sentimental.
Eu - Inversão sentimental?! Que é isso?
Ela - Ele vai gostando cada vez mais dela, ela vai gostando cada vez menos dele.
Eu - Nalguns casos é capaz de ser verdade. Isso quer dizer que há um momento excelente, em que ambos gostam igualmente um do outro.
Ela - Sim, o nosso foi há um ano, mais ou menos. A partir daí vejo-o cada vez mais frágil e carente. Detesto homens carentes.
Eu - Preferes homens que te digam que não querem nada a sério contigo?
Ela - Sim, definitivamente. Têm muito mais interesse.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
Eu - Então porquê?
Ela - O meu namorado passou quatro anos a dizer que não queria compromisso nenhum sério comigo, que a nossa relação era só de passagem e tal. Agora, de repente, pediu-me em casamento.
Eu - Parabéns!
Ela - Parabéns, nada. Eu disse-lhe que no princípio até tinha casado, se ele me tivesse pedido, mas agora habituei-me à tal relação sem futuro e estou muito bem assim.
Eu - Ah!
Ela - Acho que à medida que um homem e uma mulher se vão conhecendo, há um processo de inversão sentimental.
Eu - Inversão sentimental?! Que é isso?
Ela - Ele vai gostando cada vez mais dela, ela vai gostando cada vez menos dele.
Eu - Nalguns casos é capaz de ser verdade. Isso quer dizer que há um momento excelente, em que ambos gostam igualmente um do outro.
Ela - Sim, o nosso foi há um ano, mais ou menos. A partir daí vejo-o cada vez mais frágil e carente. Detesto homens carentes.
Eu - Preferes homens que te digam que não querem nada a sério contigo?
Ela - Sim, definitivamente. Têm muito mais interesse.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
Frases do Ricardo Esteves - perspectiva
O Ricardo Esteves está no Facebook, no YouTube, no blog Quotidiano Hoje e no Tumblr
13 março 2012
E damos tudo por uma boa vizinhança
Sempre achei que deve existir um elo de ligação forte entre nós, eu e o coiso agarrado a mim. De resto, ainda há dias numa troca de impressões com uma passarinha que frequento amiúde veio à baila a sua relação com a coisa agarrada a ela e, garanto-vos, se fosse de chorar tinha sido ali que me desfazia em lágrimas.
A prontidão com que a coisa agarrada a essa passarinha se predispunha a acolher-nos constituiu sempre uma grata constatação para mim. No entanto, nunca me deu para pensar acerca do que distinguia aquela coisa das outras apesar de achar recomendável todo aquele arejo que, toda a gente sabe, só dá saúde e boas cores.
Mas naquele dia a passarinha resolveu abrir-se ainda mais para mim e partilhou uma inconfidência, estava eu a louvar a atitude tão porreira da coisa que tantas vezes a libertava do tecido opressor quando fiquei a saber em segunda mão (a canhota tinha por lá passado um nadinha antes) que a passarinha era claustrofóbica. E a coisa agarrada a ela parecia sentir-lhe a aflição que tentava exprimir por todos os meios ao seu alcance, nomeadamente tentando até afogá-la (pelo que tenho visto até era bem capaz de conseguir…).
Felizmente nunca precisara de ir tão longe, tamanha a facilidade de comunicação, o tal elo de ligação que deve existir entre as partes e que tanta diferença faz na hora das decisões que só as coisas e os coisos podem tomar por nós e que permitia aquela maravilhosa sintonia, a passarinha a toda a hora fora da sua gaiola de pano e a coisa agarrada a ela sempre a irradiar alegria e boa disposição.
Quando me penso no contexto desta parceria forçada com o coiso tendo muitas vezes a negligenciar o culto de proximidade, os dias passam a correr e as noites ainda mais e uma pila acaba por não ter tempo nem cabeça (credo, que imagem horrível me aflorou a mente) para solidificar os tais laços que, bem vistas as coisas, facilitam a vida a toda a gente. Mas acabo por perceber que a nossa relação acabou por se moldar na mesma à semelhança da que a passarinha tanto louvou.
É que eu não sofro de claustrofobia mas não gosto nada de roupa e nunca soube manifestar esse desagrado sem ser à marrada. Todavia, a minha ligação com o coiso foi sendo construída sobre alicerces sólidos até se tornar num imponente edifício (sim, eu sempre fui o elevador…), chegando o dia em que a sua mais importante fracção mergulhou de cabeça na onda da propriedade horizontal e o coiso, que funciona como uma espécie de administração do condomínio, parece mesmo eu na forma como privilegia com entusiasmo o usufruto frequente e a liberdade inerente à partilha intensa de traseiras, de terraços e das outras partes comuns.
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