O homem banal sentou-se mesmo à minha frente, no comboio, com cara de poucos amigos, e começou a praguejar por causa dum idoso qualquer que tinha demorado muito a comprar o bilhete na máquina automática. A mulher encantadora continuou a ler umas fotocópias que, suponho eu, teriam a ver com a sua actividade profissional ou académica. Eu continuei a ler o meu livro do Murakami. Acho que tanto eu como ela só queríamos silêncio, mas não o tínhamos.
Foi ela quem decidiu falar primeiro, e disse-lhe aquilo que é óbvio. Que as novas máquinas automáticas da CP podem ser complicadas para algumas gerações pouco habituadas às novas tecnologias, que o dever dele era ter ajudado primeiro e protestado depois. Evitei entrar na discussão, porque logo à partida percebi que não valia a pena, e foi isso mesmo que me encantou nela: insistiu. As mulheres encantadoras nunca desistem facilmente dum homem banal. É um dos seus encantos. Foram precisos, aliás, dez minutos para ela perceber aquilo que eu já tinha percebido. "Assim vai ser difícil casar", disse-lhe ele.
Os homens banais acham que uma mulher que argumenta não é boa para casar, por isso mesmo. A banalidade não consegue ser dialéctica. Não evolui. Um homem banal hoje é igual a um homem banal medieval. Nasceu, vive a protestar porque os idosos o fazem perder tempo, e depois morre. É isso que é ser banal. Ela encantou-me porque ainda luta contra essa banalidade. Eu não consigo. Sou banal.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»