02 julho 2012

«Assim vai ser difícil casar» - bagaço amarelo

Há mulheres encantadoras, tão encantadoras que não devia ser permitido que homens banais se sentassem ao lado delas nos transportes públicos. Há homens banais, tão banais que não devia ser permitido que se sentassem ao lado de mulheres.
O homem banal sentou-se mesmo à minha frente, no comboio, com cara de poucos amigos, e começou a praguejar por causa dum idoso qualquer que tinha demorado muito a comprar o bilhete na máquina automática. A mulher encantadora continuou a ler umas fotocópias que, suponho eu, teriam a ver com a sua actividade profissional ou académica. Eu continuei a ler o meu livro do Murakami. Acho que tanto eu como ela só queríamos silêncio, mas não o tínhamos.
Foi ela quem decidiu falar primeiro, e disse-lhe aquilo que é óbvio. Que as novas máquinas automáticas da CP podem ser complicadas para algumas gerações pouco habituadas às novas tecnologias, que o dever dele era ter ajudado primeiro e protestado depois. Evitei entrar na discussão, porque logo à partida percebi que não valia a pena, e foi isso mesmo que me encantou nela: insistiu. As mulheres encantadoras nunca desistem facilmente dum homem banal. É um dos seus encantos. Foram precisos, aliás, dez minutos para ela perceber aquilo que eu já tinha percebido. "Assim vai ser difícil casar", disse-lhe ele.
Os homens banais acham que uma mulher que argumenta não é boa para casar, por isso mesmo. A banalidade não consegue ser dialéctica. Não evolui. Um homem banal hoje é igual a um homem banal medieval. Nasceu, vive a protestar porque os idosos o fazem perder tempo, e depois morre. É isso que é ser banal. Ela encantou-me porque ainda luta contra essa banalidade. Eu não consigo. Sou banal.


bagaço amarelo
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Ar condicionado


Abduzido




Eh! Espera aí!...

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01 julho 2012

Como é que a menina geme?

Às apalpadelas


Antes de lhe conhecer o físico nem lhe imaginava os traços, talvez na prevenção de que quando nada se espera, nada magoa e por muito que fosse a sua massa cinzenta a excitar-me havia um resquício infantil de mim que ansiava que a sua imagem mostrasse logo que ele era um dos bons, na linha maniqueísta da banda desenhada dos super-heróis americanos.

Combinada a blind date, sem nenhum sinal de reconhecimento para qualquer um dos lados, a não ser o conhecimento da idade que visualmente é sempre tão enganador como qualquer maquilhagem, finquei-me na porta do restaurante a divertir-me na triagem de quem passava porque era novo demais, porque era velho demais, porque não calçaria aqueles sapatos tão formais, porque ele não escolheria aquela cor de calças, porque só em caso de força maior vestiria um fato.

De repente, vi um enorme sorriso avançar direito a mim e catrapum, tive o baque da certeza de que só podia ser ele. O seu tamanho era proporcional à simpatia e fazia dois de mim de modo que quando se dobrou para me beijar quase tive medo de ser responsável por a Torre Eiffel se partir, tanto mais que naquele momento toda a cidade era mesmo Paris em ferro e asfalto. Espreitei-lhe os polegares para confirmar a simetria das formas e aumentou a minha satisfação.

De qualquer forma, num balãozinho de pensamento concluí que não valia a pena avolumar os receios que para arrulhar a posição deitada ou sentada costumam revelar-se as mais apropriadas e nessas circunstâncias, não se avaliam os homens e as mulheres pelas medidas de comprimento mas pelas de potência.

Mordidela - por Silvio Porretta





Silvio Porretta

Bunda de gaveta



Ricardo - Vida e obra de mim mesmo
(crica na imagem para abrir aumentada numa nova janela)

30 junho 2012

Homens, aprendam a remover tinta de uma máquina de secar

«foi só isso...» - bagaço amarelo

Por definição não gosto de galerias de arte. Gosto de arte, todo o tipo de arte, quando de alguma forma ela me emociona. O problema das galerias de arte é exactamente esse: castram a emoção pela raiz. Primeiro enclausuram-na, depois silenciam-na e por fim exibem-na como se fosse uma coisa rara. Não é. A arte, todo o tipo de arte, é-nos natural.
Ainda não estava apaixonado pela Teresa no dia em que fomos ver uma exposição de pintura em Lisboa, dum pintor qualquer de que já nem lembro o nome, mas acreditava que isso me ia acontecer em breve. Ela foi pousando brandamente os olhos dela, de quadro em quadro, e quando andava era como se o som dos seus saltos altos fosse uma espécie de crime. Aligeirou o passo e perguntou-me se eu estava a gostar.

- Mais ou menos... - respondi para não a desiludir totalmente - nenhum dos quadros é figurativo, então nenhum me diz nada.
- Ao menos fala baixo. - pediu ela de forma embaraçada.

Eu saí da galeria e esperei por ela lá fora e, enquanto passeava os meus olhos de forma discreta pelas mulheres que iam passando, decidi-me a não me apaixonar por ela. Às vezes, não Amar pode ser a melhor solução. Pelo menos foi o que eu pensei. A Teresa era bonita, mas também ela era uma espécie de galeria de arte. Nela, às vezes tinha que falar baixinho para não parecer estúpido. Outras vezes vezes era mesmo melhor calar-me.
Nesse mesmo dia inventei uma desculpa qualquer e apanhei o intercidades para Aveiro, onde acabei a noite sozinho a beber Bushmills num bar que também tinha nas paredes uma exposição de pintura. Sem sair da minha cadeira ao balcão, vi os quadros todos. Eram retratos de pessoas que provavelmente nem existiam. A dona do tasco reparou e perguntou-me se eu tinha gostado.

- Sim, todas as pessoas retratadas me parecem serenamente felizes, como se tivessem acabado de passar por uma qualquer contrariedade na vida e agora se sintam calmas e aliviadas.
- Obrigado, vou dizer isso à minha filha. - Ofereceu-me o terceiro copo de uísque, que agradeci.

Nessa noite cheguei à conclusão de que, pelo menos para mim, era melhor que todas as exposições de qualquer tipo de arte fossem em bares e não em galerias. Nas galerias, por norma, não interpretamos sequer o que vemos. Pelo contrário, submetemo-nos totalmente àquilo que é suposto perceber, ou então é melhor fecharmo-nos na nossa esmagadora ignorância.
Eu acredito, e gosto de acreditar, que o ser humano é criativo em praticamente tudo o que faz. A Amar também. O Amor é uma arte como outra qualquer, embora não tenha suporte físico. É como a música, por exemplo, e nesse dia desafinei de propósito para acabar de tocar uma canção que nunca me iria sair bem. Foi só isso.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

«O laço impenetrável do silêncio» - o livro fresquinho da Paula Raposo


Este exemplar já mora na minha colecção, a juntar-se a outros livros da Paula Raposo que, apesar de ela sempre ter contestado, combinam muito bem com os cortinados d'a funda São. Aliás, a Paula deu-nos o miminho de partilhar esse "segredo" na badana da contracapa deste livro:


Vários dos poemas deste livro foram publicados aqui. Esses e outros têm um toque erótico muito especial. Para aguçar o meu próprio apetite (o vosso, cada um sabe de si), escolho este, que penso que a Paula Raposo ainda não tinha publicado aqui:

Mundo

Poderia falar da madrugada
- o tempo mágico -
e das vozes perdidas
entre gargalhadas
e sons inaudíveis.
Poderia falar da noite
que vem sempre
- inexorável e premente -
deitar-se connosco.
Mas, hoje, só posso falar
de saudade, de beijos;
imponderáveis e devaneios,
que me levam
- entre abraços e carícias -
ao fim do Mundo!


Podes encomendar o teu exemplar directamente à Paula Raposo. Basta que deixes o teu contacto nos comentários.

Um sábado qualquer... - «A aliança com Abraão»





Um sábado qualquer...

29 junho 2012

Já tiveste relações sexuais com um Rolls Royce?

Não! Eu não perguntei nada sobre sexo dentro de um Rolls Royce!
Estou a referir-me a um... acompanhante para um casal que é um luxo em tecnologia: o massageador Tiani 2, da Lelo.
É um vibrador para casais desenhado para ser usado pela mulher durante a relação sexual.
Em forma de "U", o lado mais fino (sem vibração... mas em minha opinião deveria ter) deve ser inserido na vagina, ficando o lado maior (que tem a vibração) no exterior, de forma a estimular o clítoris.
Tem um controlo remoto (sem fios) que também pode vibrar e é revestido do mesmo silicone suave, podendo entrar também na... festa ou indicar ao parceiro as vibrações que a unidade principal está a proporcionar.
Esse controlo remoto tem várias funcionalidades, permitindo 3 modos diferentes de controlo da vibração: conforme a sua inclinação, pelo seu movimento e vibrações pré-programadas (6 diferentes).
E é à prova de água, para facilitar a limpeza ou para ser usado no banho.


Queres saber como é que funciona? Eu podia tentar explicar-te mas... é melhor seguires o conselho do grande Luís de Camões, naquele glorioso canto IX de «Os Lusíadas»:


"Melhor é experimentá-lo do que julgá-lo
E julgue-o quem não pode experimentá-lo."


Entre a ponte e o caminho

Uma pequena ponte pedonal em madeira num caminho de terra num jardim com árvores frondosas e relva bem tratada. Um homem e uma mulher caminham em silêncio, seguindo os caminhos tortuosos, quase labirínticos, do jardim. O homem pára a meio da ponte. A mulher dá ainda dois ou três passos, continuando sozinha, sem dar conta da paragem dele, então hesita, volta-se para trás e olha-o com ar inquiridor sem obter resposta. Ficam onde estão: ele a meio da pequena ponte e ela já no caminho de terra.
– E se eu saltasse agora? – Pergunta o homem, pousando as mãos no tronco de madeira que serve de protecção lateral.
A mulher, que o vê falar mas não o ouve, mostra-lhe um sorriso esbatido e tira o auscultador do ouvido direito.
– Queres água? – Pergunta, mostrando-lhe a garrafa de plástico que traz na mão esquerda.
– Não – responde ele, aborrecido. – Não ouviste o que eu te perguntei?
– Percebi que querias água.
– Não quero. – E repete: – E se eu saltasse?
– Saltasses?
– Sim.
Em silêncio, a mulher olha para as mãos dele agarradas à madeira e para o seu rosto tenso e ressentido, sem se fixar neles, olha para a ponte e para as margens do ribeiro seco e esboça um primeiro sorriso. Então, de forma ostensiva, com um sorriso aberto e uma expressão provocatória, olha em volta como se procurasse um sítio de onde ele pudesse saltar com alguma dignidade. Volta a olhar para a ponte e para as mãos deles cravadas no tronco de madeira.
– Se saltasses dessa ponte? – pergunta por fim.
– Sim.
– Para quê?
– Não interessa. A pergunta é: e se eu saltasse?
A mulher aproxima-se da ponte e olha para baixo, para o leito seco do ribeiro que está a cerca de metro e meio da ponte. Sem dizer nada, a mulher olha para o homem à espera de uma explicação ou, é o que lhe parece que ele vai fazer, da continuação do delírio. Ele não diz nada.
– E ias saltar para quê? – insiste.
– Faz hoje um ano – declara ele em tom acusatório, sem levantar a cabeça, concentrado no leito seco por baixo de si. – Um ano, Estela.
A mulher não estava à espera daquele assunto mas não fica surpreendida. Sabe do que ele está a falar e está há demasiado tempo à espera desta conversa para se surpreender com o seu aparecimento, que, aliás, ela própria também podia ter iniciado. Não responde logo pois hesita na resposta e no tom – na realidade, hesita unicamente no tom em que vai responder; a resposta, percebe-o a olhar-lhe para as mãos, é-lhe indiferente. Completamente indiferente.