Uma pequena ponte pedonal em madeira num caminho de terra num jardim com
árvores frondosas e relva bem tratada. Um homem e uma mulher caminham
em silêncio, seguindo os caminhos tortuosos, quase labirínticos, do
jardim. O homem pára a meio da ponte. A mulher dá ainda dois ou três
passos, continuando sozinha, sem dar conta da paragem dele, então
hesita, volta-se para trás e olha-o com ar inquiridor sem obter
resposta. Ficam onde estão: ele a meio da pequena ponte e ela já no
caminho de terra.
– E se eu saltasse agora? – Pergunta o homem, pousando as mãos no tronco de madeira que serve de protecção lateral.
A mulher, que o vê falar mas não o ouve, mostra-lhe um sorriso esbatido e tira o auscultador do ouvido direito.
– Queres água? – Pergunta, mostrando-lhe a garrafa de plástico que traz na mão esquerda.
– Não – responde ele, aborrecido. – Não ouviste o que eu te perguntei?
– Percebi que querias água.
– Não quero. – E repete: – E se eu saltasse?
– Saltasses?
– Sim.
Em silêncio, a mulher olha para as mãos dele agarradas à madeira e para o
seu rosto tenso e ressentido, sem se fixar neles, olha para a ponte e
para as margens do ribeiro seco e esboça um primeiro sorriso. Então, de
forma ostensiva, com um sorriso aberto e uma expressão provocatória,
olha em volta como se procurasse um sítio de onde ele pudesse saltar com
alguma dignidade. Volta a olhar para a ponte e para as mãos deles
cravadas no tronco de madeira.
– Se saltasses dessa ponte? – pergunta por fim.
– Sim.
– Para quê?
– Não interessa. A pergunta é: e se eu saltasse?
A mulher aproxima-se da ponte e olha para baixo, para o leito seco do
ribeiro que está a cerca de metro e meio da ponte. Sem dizer nada, a
mulher olha para o homem à espera de uma explicação ou, é o que lhe
parece que ele vai fazer, da continuação do delírio. Ele não diz nada.
– E ias saltar para quê? – insiste.
– Faz hoje um ano – declara ele em tom acusatório, sem levantar a
cabeça, concentrado no leito seco por baixo de si. – Um ano, Estela.
A mulher não estava à espera daquele assunto mas não fica surpreendida.
Sabe do que ele está a falar e está há demasiado tempo à espera desta
conversa para se surpreender com o seu aparecimento, que, aliás, ela
própria também podia ter iniciado. Não responde logo pois hesita na
resposta e no tom – na realidade, hesita unicamente no tom em que vai
responder; a resposta, percebe-o a olhar-lhe para as mãos, é-lhe
indiferente. Completamente indiferente.