30 junho 2012

«foi só isso...» - bagaço amarelo

Por definição não gosto de galerias de arte. Gosto de arte, todo o tipo de arte, quando de alguma forma ela me emociona. O problema das galerias de arte é exactamente esse: castram a emoção pela raiz. Primeiro enclausuram-na, depois silenciam-na e por fim exibem-na como se fosse uma coisa rara. Não é. A arte, todo o tipo de arte, é-nos natural.
Ainda não estava apaixonado pela Teresa no dia em que fomos ver uma exposição de pintura em Lisboa, dum pintor qualquer de que já nem lembro o nome, mas acreditava que isso me ia acontecer em breve. Ela foi pousando brandamente os olhos dela, de quadro em quadro, e quando andava era como se o som dos seus saltos altos fosse uma espécie de crime. Aligeirou o passo e perguntou-me se eu estava a gostar.

- Mais ou menos... - respondi para não a desiludir totalmente - nenhum dos quadros é figurativo, então nenhum me diz nada.
- Ao menos fala baixo. - pediu ela de forma embaraçada.

Eu saí da galeria e esperei por ela lá fora e, enquanto passeava os meus olhos de forma discreta pelas mulheres que iam passando, decidi-me a não me apaixonar por ela. Às vezes, não Amar pode ser a melhor solução. Pelo menos foi o que eu pensei. A Teresa era bonita, mas também ela era uma espécie de galeria de arte. Nela, às vezes tinha que falar baixinho para não parecer estúpido. Outras vezes vezes era mesmo melhor calar-me.
Nesse mesmo dia inventei uma desculpa qualquer e apanhei o intercidades para Aveiro, onde acabei a noite sozinho a beber Bushmills num bar que também tinha nas paredes uma exposição de pintura. Sem sair da minha cadeira ao balcão, vi os quadros todos. Eram retratos de pessoas que provavelmente nem existiam. A dona do tasco reparou e perguntou-me se eu tinha gostado.

- Sim, todas as pessoas retratadas me parecem serenamente felizes, como se tivessem acabado de passar por uma qualquer contrariedade na vida e agora se sintam calmas e aliviadas.
- Obrigado, vou dizer isso à minha filha. - Ofereceu-me o terceiro copo de uísque, que agradeci.

Nessa noite cheguei à conclusão de que, pelo menos para mim, era melhor que todas as exposições de qualquer tipo de arte fossem em bares e não em galerias. Nas galerias, por norma, não interpretamos sequer o que vemos. Pelo contrário, submetemo-nos totalmente àquilo que é suposto perceber, ou então é melhor fecharmo-nos na nossa esmagadora ignorância.
Eu acredito, e gosto de acreditar, que o ser humano é criativo em praticamente tudo o que faz. A Amar também. O Amor é uma arte como outra qualquer, embora não tenha suporte físico. É como a música, por exemplo, e nesse dia desafinei de propósito para acabar de tocar uma canção que nunca me iria sair bem. Foi só isso.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»