à boleia
Tenho uma gaveta para onde atiro coisas. É uma gaveta bem grande, numa cómoda que herdei do meu avô e que foi feita por ele há quase cem anos. Por exemplo, quando viajo e trago pequenas recordações como postais, bilhetes ou qualquer tipo de panfletos, atiro-os para ali. Faço o mesmo com algumas fotografias, pequenos objectos ou prendas. Não organizo nada, apenas atiro para lá coisas que, de outra forma, não saberia muito bem onde pôr. Na verdade é uma forma de sentir que organizo uma parte da minha vida que não é organizável.
Hoje de manhã, ao atirar para lá alguns panfletos da última viagem que fiz a Barcelona, decidi remexer naquele monte de pequenos pedaços soltos da minha vida. Meti a mão entre alguns papéis que se amontoavam e tirei um à sorte. Era uma fotografia da Marta.
A Marta deu-me uma vez boleia, de Aveiro para o Algarve, através dum site na internet. Eu andava um pouco perdido, sem estar bem em lado nenhum e, pior ainda, sem fazer ideia para onde devia ir. Vi num site alguém a oferecer boleia do Porto para a Fuzeta, com divisão de custos, e decidi ir passar o fim de semana àquela cidade do sul. Mandei-lhe um email e combinámos que ela me apanhava em Aveiro.
A meio do caminho ela perguntou-me o que é eu lá ia fazer e eu respondi, muito naturalmente, que nada. Só tinha decidido ir ao ver a oferta dela para uma boleia. Perante o silêncio curioso expliquei-me um pouco melhor, o mais que pude dizendo o menos possível, demonstrando que não tinha sítio nenhum para ir naquele fim de semana e por isso qualquer sugestão me parecia melhor do que ficar em casa. Não lhe expliquei que tinha acabado de me divorciar e que me estava ainda a habituar à ideia, tão triste quanto feliz, de ter fins de semana inteirinhos só para mim.
- Eu também só me pus a oferecer boleia para ver se alguém aceitava. Ando um pouco como tu. - respondeu.
Tanto quanto me lembro, depois desse diálogo fizemos grande parte da viagem em silêncio. Não um silêncio perturbador, mas sim um silêncio contemplativo. A sensação era a de que, de repente, se tinham encontrado naquele automóvel duas pessoas que vinham de caminhos similarmente tortuosos, e que naquele momento, pela primeira vez, seguiam numa auto-estrada a uma velocidade razoável e constante, exactamente como aquela que queriam nas suas vidas.
Passámos esse fim de semana juntos e, quanto mais não seja, foi nele que aprendi que a solidão se pode matar com alguém que não conhecemos de lado nenhum, que às vezes é mais fácil contarmos as coisas mais íntimas precisamente a quem até então nem sabia da nossa existência. Desta forma, não nos tornamos demasiado transparentes aos olhos de quem nos conhece mas sim aos olhos de quem não é suposto encontrarmos muitas mais vezes na vida.
De facto, não vi a Marta muitas mais vezes. Lembro-me de ter ido tomar café com ela ao café Ceuta, no Porto, numa ou outra tarde estéril. Mais nada. Mas hoje, quando olhei para a fotografia dela,tive a certeza de que foi uma mulher importante na minha vida. É isso que as mulheres têm a mania de ser: importantes na vida dos homens.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
20 outubro 2012
19 outubro 2012
E mais literatura histérica, agora por outra brasileira
Página em branco
Quero ver-te como a uma mulher nua deitada na cama à espera de mim.
Depois quero aproximar-me e tactear o caminho certo para te preencher com tudo aquilo que faça sentido para ti que o descobres apenas nesses momentos de interacção a dois.
Quero ver-te disponível e sentir-te impossível de satisfazer sem todo o empenho que a tua generosidade bastaria para justificar. Quero também transmitir na perfeição tudo aquilo que me permites sentir, mais a minha gratidão pela forma como te entregas, vulnerável mas poderosa, o poder do fogo numa rosa dos ventos que me compete soprar.
Quero ver-te cheia de vida, a expressão completamente alterada pelo efeito que consigo provocar, o meu prazer e aquele que queres partilhar com terceiros, indiscreta, só tu conheces a receita secreta que confidencio aos poucos na intimidade dos nossos encontros casuais.
Quero ver-te assim, misteriosa. No silêncio da minha contemplação, mesmo antes de estender a mão para começar um novo capítulo da nossa história na tua pele como numa folha de papel dos primórdios desta nossa relação promíscua. Quero que me deixes tatuar-te com mensagens que transportes contigo para terras distantes onde as exibas a outros amantes que te saibam merecer, capazes de entenderem a magia desta nossa relação e de te olharem com tanta atenção que te faça sentir possuída sem o seres.
Quero ver-te assim, despida. À espera de mim e do que tenho para dar, ansiosa, a beleza serena de uma prosa ou o simulacro de um poema nas palavras e nas imagens que gravo na memória daqueles a quem te mostras depois de te sentires preenchida por mim, a pele marcada pelo registo do tempo em que foste minha, uma curta passagem, que exibas orgulhosa como um diamante que só eu saberia lapidar.
Quero saber que te dás a olhar aos outros porque te gostas cobiçada, não te aceitarias privada dessa emoção que acaba por ser a principal razão da tua existência, vaidosa, maquilhada por mim, esculpida a partir de um nada aparente que vale por um infinito à medida de quem queira e possa e consiga prolongar a exploração desse enorme ponto de interrogação que o teu silêncio induz e me lanças à cara em tom de desafio.
Sim, gosto de ver-te despida e incomoda-me a ideia de deixar-te à mercê do frio.
Ser mulher
Se me esquecesse de mim
do corpo em que me materializo
e me faço carne e cinzas,
não seria eu nem o meu espelho
mas um lago turvo onde me liquefazia...
... seria um Outro apático, indefinido,
incapaz de sentir dor ou alegria!
Se misturasse a transparência numa paleta
com tinta vermelha, verde e azul,
novas cores nasceriam com aromas desconhecidos,
indecifráveis pelo verbo ou o substantivo da língua...
Só a tela vazia lhe sente o sabor e a intensidade do pigmento,
que em manchas de luz e sombra
despe o branco dessa inocência cândida, clara, inútil,
dando-lhe a beber a seiva quente
que jorra do meu ventre!
Se me abandonasse neste voo fresco da manhã
que desperta as damas da noite
recolhidas no perfume que emana das suas pétalas,
seria a cantiga de criança com que adormecia
num embalo de rosas doces e alecrim!
E só me tornaria mulher quando anoitecesse
e o oceano me resgatasse os sentidos em suspenso
neste emaranhado de fios invisíveis
que escravizam marionetas sem alma,
corpos fantasma que se arrastam no asfalto,
seguindo essas mãos assassinas que manipulam inocentes!
Lua Cósmica
http://luacosmica.blogspot.pt/
18 outubro 2012
A rainha careca
De cabeleira farta
De rígidas ombreiras
De elegante beca
Ula era casta
Porque de passarinha
Era careca.
À noite alisava
O monte lisinho
Co’a lupa procurava
Um tênue fiozinho
Que há tempos avistara.
Ó céus! Exclamava.
Por que me fizeram
Tão farta de cabelos
Tão careca nos meios?
E chorava.
Um dia...
Passou pelo reino
Um biscate peludo
Vendendo venenos.
(Uma gota aguda
Pode ser remédio
Pra uma passarinha
De rainha.)
Convocado ao palácio
Ula fez com que entrasse
No seu quarto.
Não tema, cavalheiro,
Disse-lhe a rainha
Quero apenas pentelhos
Pra minha passarinha.
Ó Senhora! O biscate exclamou.
É pra agora!
E arrancou do próprio peito
Os pelos
E com saliva de ósculos
Colou-os
Concomitante penetrando-lhe os meios.
UI!UI!UI! gemeu Ula
De felicidade.
Cabeluda ou não
Rainha ou prostituta
Hei de ficar contigo
A vida toda!
Evidente que aos poucos
Despregou-se o tufo todo.
Mas isso o que importa?
Feliz, mui contentinha
A Rainha Ula já não chora.
Moral da estória:
se o problema é relevante,
apela pro primeiro passante.
Hilda Hilst (1930-2004)
blog A Pérola
De rígidas ombreiras
De elegante beca
Ula era casta
Porque de passarinha
Era careca.
À noite alisava
O monte lisinho
Co’a lupa procurava
Um tênue fiozinho
Que há tempos avistara.
Ó céus! Exclamava.
Por que me fizeram
Tão farta de cabelos
Tão careca nos meios?
E chorava.
Um dia...
Passou pelo reino
Um biscate peludo
Vendendo venenos.
(Uma gota aguda
Pode ser remédio
Pra uma passarinha
De rainha.)
Convocado ao palácio
Ula fez com que entrasse
No seu quarto.
Não tema, cavalheiro,
Disse-lhe a rainha
Quero apenas pentelhos
Pra minha passarinha.
Ó Senhora! O biscate exclamou.
É pra agora!
E arrancou do próprio peito
Os pelos
E com saliva de ósculos
Colou-os
Concomitante penetrando-lhe os meios.
UI!UI!UI! gemeu Ula
De felicidade.
Cabeluda ou não
Rainha ou prostituta
Hei de ficar contigo
A vida toda!
Evidente que aos poucos
Despregou-se o tufo todo.
Mas isso o que importa?
Feliz, mui contentinha
A Rainha Ula já não chora.
Moral da estória:
se o problema é relevante,
apela pro primeiro passante.
Hilda Hilst (1930-2004)
Howard Schatz |
blog A Pérola
«Longe da picha, longe do coração» - Patife
E com isto o Patife vai para um cruzeiro terapêutico para revitalizar a energia do mangalho. Eu não preciso de férias mas, tal como os atletas de alta competição, o Pacheco precisa de umas pausas para conseguir manter uma performance de alto rendimento ao longo da temporada sexual. E depois inicio o meu périplo para atingir o meu objectivo de dar a Volta ao Mundo em 80 Cricas. Obrigado por uma terceira temporada fantástica. Fiquem com a imagem do Pacheco a acenar-vos num pendular até breve.
Patife
Blog «fode, fode, patife»
«Nicole» - por Luis Quiles
"Este dibujo lo hice para una persona muy especial para mi, que como yo es un poco alienígena.
Vive en un lejano pais donde no hay pobres ni vagabundos porque todos mueren de frio al llegar el invierno...cada año se reciclan y nacen nuevos vagabundos y así sucesivamente...
Un pais amable y extraño con paisajes exuberantes donde las martas (animal parecido a una comadreja) sabotean los coches comiendose los cables del motor.
Un pais donde los camareros te cambian el cenicero antes de que apagues el cigarrillo.
Un pais donde la gente pasea por la calle disfrazada de oso.
Pero sobretodo un pais donde habita gente de buen corazon como en Freienwill."
Luis Quiles
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