19 outubro 2012

Ser mulher


Se me esquecesse de mim
do corpo em que me materializo
e me faço carne e cinzas,
não seria eu nem o meu espelho
mas um lago turvo onde me liquefazia...
... seria um Outro apático, indefinido,
incapaz de sentir dor ou alegria!

Se misturasse a transparência numa paleta
com tinta vermelha, verde e azul,
novas cores nasceriam com aromas desconhecidos,
indecifráveis pelo verbo ou o substantivo da língua...
Só a tela vazia lhe sente o sabor e a intensidade do pigmento,
que em manchas de luz e sombra
despe o branco dessa inocência cândida, clara, inútil,
dando-lhe a beber a seiva quente
que jorra do meu ventre!

Se me abandonasse neste voo fresco da manhã
que desperta as damas da noite
recolhidas no perfume que emana das suas pétalas,
seria a cantiga de criança com que adormecia
num embalo de rosas doces e alecrim!

E só me tornaria mulher quando anoitecesse
e o oceano me resgatasse os sentidos em suspenso
neste emaranhado de fios invisíveis
que escravizam marionetas sem alma,
corpos fantasma que se arrastam no asfalto,
seguindo essas mãos assassinas que manipulam inocentes!

Lua Cósmica
http://luacosmica.blogspot.pt/