Via Ela Tá de Xico
02 maio 2013
01 maio 2013
«Mesa» - João
"O homem está sentado à mesa. Mesa com duas cadeiras, frente a frente. Mas a cadeira em frente a ele está vazia. Ele está seráfico. Nenhum músculo do seu rosto apresenta tensão, não há expressão alguma, há apenas um homem sentado com as pernas perfeitamente alinhadas e joelhos a noventa graus, e as mãos sobre a mesa, abertas, de palma para baixo, sem movimento, sem corpo para agarrar, sem emoção. Apenas a madeira, inicialmente fria, agora aquecida pelo corpo que apesar de morto na superfície, irradia calor.
A cadeira em frente está vazia e em ângulo, denunciando alguém que partiu, e ao fazê-lo a afastou de rompante, sem aviso. O homem esperou-a durante três dias quando as emoções se sentiam a tantos milhares de quilómetros. Quando entrou pela porta o homem avançou resoluto em direcção ao seu corpo e abraçou-a de imediato. E ela devolveu o gesto, encostando-se a ele. Mas tinha medo. A princípio tinha medo. E então agarrou-a de novo, cruzando-lhe os braços atrás das costas, puxando-a para ele. Repetiu o nome dele várias vezes. Ao ouvido. Uma vez. Duas vezes. Várias vezes. Insistentemente. E enquanto se recolhia no colo dele, ele cheirava-lhe o cabelo e dizia “cheiras tão bem”. E esse lenço, esse lenço que ela trazia enrolado ao pescoço e que ele puxava, querendo puxá-la cada vez mais, querendo levar as mãos a todo o seu corpo sem vagar. Toda ela encostada a ele. Toda ela a perder o domínio. E a dizer o seu nome. E a afastá-lo com a mão no peito. E a querer sair dali. E ele a tocá-la de novo e ela a dizer que tinha de parar. E ele parou.
Enganaram-se durante algum tempo. Iludiram-se. Acharam que era possível não estar. Mas a ausência era cada vez mais pesada, e os sinais eram cada vez mais evidentes. Sinais de proximidade, de semelhança. De querer, de estar, de ficar. Tanto suor, tanto. Minutos, horas, quilómetros, dimensões do espaço e do tempo que se ultrapassaram para um olhar, um toque, um abraço indestrutível, apertado nos braços e colado nos corações. Queimou-se tudo, toda a terra à volta, partiram-se cidades de anos e anos, prédios vieram abaixo, todas as pedras se revolveram, não ficou nada em cima de nada. Ergueu-se, lentamente, um caos que levantou poeiras e tirou as coisas do sítio. E colocou-as noutro. Agarrados lançaram-se contra as barreiras que se ergueram no caminho. Até que pedras mais violentas embateram nas faces e fizeram sangrar. E sentaram-se. Um de cada lado da mesa quadrada. Sem palavras ela levantou-se. E ele nunca mais se moveu. Deixou a cadeira arrancada do seu lugar, tal como ela a deixou. Repousou os seus músculos, esvaziou-se, acentuou o vazio da sua ausência. Pesada. Triste. Violenta. Até que ela se voltou a sentar, e disse o nome dele. Uma vez. Duas vezes. Várias vezes. Insistentemente."
João
Geografia das Curvas
A cadeira em frente está vazia e em ângulo, denunciando alguém que partiu, e ao fazê-lo a afastou de rompante, sem aviso. O homem esperou-a durante três dias quando as emoções se sentiam a tantos milhares de quilómetros. Quando entrou pela porta o homem avançou resoluto em direcção ao seu corpo e abraçou-a de imediato. E ela devolveu o gesto, encostando-se a ele. Mas tinha medo. A princípio tinha medo. E então agarrou-a de novo, cruzando-lhe os braços atrás das costas, puxando-a para ele. Repetiu o nome dele várias vezes. Ao ouvido. Uma vez. Duas vezes. Várias vezes. Insistentemente. E enquanto se recolhia no colo dele, ele cheirava-lhe o cabelo e dizia “cheiras tão bem”. E esse lenço, esse lenço que ela trazia enrolado ao pescoço e que ele puxava, querendo puxá-la cada vez mais, querendo levar as mãos a todo o seu corpo sem vagar. Toda ela encostada a ele. Toda ela a perder o domínio. E a dizer o seu nome. E a afastá-lo com a mão no peito. E a querer sair dali. E ele a tocá-la de novo e ela a dizer que tinha de parar. E ele parou.
Enganaram-se durante algum tempo. Iludiram-se. Acharam que era possível não estar. Mas a ausência era cada vez mais pesada, e os sinais eram cada vez mais evidentes. Sinais de proximidade, de semelhança. De querer, de estar, de ficar. Tanto suor, tanto. Minutos, horas, quilómetros, dimensões do espaço e do tempo que se ultrapassaram para um olhar, um toque, um abraço indestrutível, apertado nos braços e colado nos corações. Queimou-se tudo, toda a terra à volta, partiram-se cidades de anos e anos, prédios vieram abaixo, todas as pedras se revolveram, não ficou nada em cima de nada. Ergueu-se, lentamente, um caos que levantou poeiras e tirou as coisas do sítio. E colocou-as noutro. Agarrados lançaram-se contra as barreiras que se ergueram no caminho. Até que pedras mais violentas embateram nas faces e fizeram sangrar. E sentaram-se. Um de cada lado da mesa quadrada. Sem palavras ela levantou-se. E ele nunca mais se moveu. Deixou a cadeira arrancada do seu lugar, tal como ela a deixou. Repousou os seus músculos, esvaziou-se, acentuou o vazio da sua ausência. Pesada. Triste. Violenta. Até que ela se voltou a sentar, e disse o nome dele. Uma vez. Duas vezes. Várias vezes. Insistentemente."
João
Geografia das Curvas
«respostas a perguntas inexistentes (238)» - bagaço amarelo
ao Diabo e à mulher nunca falta que fazer
É uma pena que Deus não exista. Só a sua existência é que sustentaria a também existência do Diabo e, tal como acabei de ouvir numa conversa de homens envelhecidos pela solidão, ao Diabo e à mulher nunca falta que fazer. É um provérbio, como tantos outros, que explica como alguns homens jogam às escondidas com Deus.
Enquanto uma vida triste se torna feliz com uma paixão, uma vida feliz torna-se triste sem ela. Os homens que não sabem Amar escondem-se na tristeza de Deus, e empurram o seu enorme falhanço na vida para essa dupla conspiradora formada pela mulher e pelo Diabo.
Eu, se fosse um falhado no Amor, rezaria ao Diabo que me ajudasse. Nunca a Deus. É que fiquei ali a ver aqueles dois, de olhar triste espetado no chão, numa mesa de café despovoada, sem nada mais que fazer ou dizer. Se pudessem optar, diria eu, era melhor irem ter com o Diabo e, consequentemente, algumas mulheres. Sempre teriam que fazer.
Já percebi onde é que surgiu a ideia judaico-cristã do Diabo. É uma luz ao fundo do túnel para a felicidade e para o Amor. Às escondidas, é certo, mas ainda assim uma alternativa à submissão e à tristeza contínua. É por isso que ainda há homens que dizem isto...
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
É uma pena que Deus não exista. Só a sua existência é que sustentaria a também existência do Diabo e, tal como acabei de ouvir numa conversa de homens envelhecidos pela solidão, ao Diabo e à mulher nunca falta que fazer. É um provérbio, como tantos outros, que explica como alguns homens jogam às escondidas com Deus.
Enquanto uma vida triste se torna feliz com uma paixão, uma vida feliz torna-se triste sem ela. Os homens que não sabem Amar escondem-se na tristeza de Deus, e empurram o seu enorme falhanço na vida para essa dupla conspiradora formada pela mulher e pelo Diabo.
Eu, se fosse um falhado no Amor, rezaria ao Diabo que me ajudasse. Nunca a Deus. É que fiquei ali a ver aqueles dois, de olhar triste espetado no chão, numa mesa de café despovoada, sem nada mais que fazer ou dizer. Se pudessem optar, diria eu, era melhor irem ter com o Diabo e, consequentemente, algumas mulheres. Sempre teriam que fazer.
Já percebi onde é que surgiu a ideia judaico-cristã do Diabo. É uma luz ao fundo do túnel para a felicidade e para o Amor. Às escondidas, é certo, mas ainda assim uma alternativa à submissão e à tristeza contínua. É por isso que ainda há homens que dizem isto...
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
30 abril 2013
Dove - «Retratos da verdadeira beleza»
... e um video que alguém fez baseado na mesma ideia... mas para homens, com humor:
Eva portuguesa - «Domingo»
É domingo, estou no apartamento desde o meio dia e a única coisa que fiz foi receber três marcações falsas!
E, para respeitar uma delas, recusei outra...
Ou seja, há "homens" ( se é que se lhes pode aplicar este nome!) que, na sua frustração de não terem nada nem ninguém num domingo, se divertem a estragar a vida a quem abdica do seu dia de descanso para se sustentar!...
Muitos são anónimos, mas outros nem por isso.
Um dia vou publicar aqui todos os números que tenho destes engraçadinhos.
Eva
blog Eva portuguesa - porque o prazer não é pecado
E, para respeitar uma delas, recusei outra...
Ou seja, há "homens" ( se é que se lhes pode aplicar este nome!) que, na sua frustração de não terem nada nem ninguém num domingo, se divertem a estragar a vida a quem abdica do seu dia de descanso para se sustentar!...
Muitos são anónimos, mas outros nem por isso.
Um dia vou publicar aqui todos os números que tenho destes engraçadinhos.
Eva
blog Eva portuguesa - porque o prazer não é pecado
«ama-me» - Susana Duarte
ama-me, nos círculos que me desenhas
e nas ondas com que me moves.
desenha-me nuvens
nos lábios.
ama-me, e redesenha-me o corpo.
redesenha-me os dedos
com a língua
e o fogo.
descobre-me sóis, onde me deito,
e desenha-os nos teus poros,
grutas de fogo do meu leito,
onde vives a pele
e me amas.
ama-me. e desenha em mim
os futuros que as ondas
de sol levantam
nas mãos.
Susana Duarte
Blog Terra de Encanto
Adoradora e o seu ídolo
Tenho várias peças (algumas delas únicas, como esta) assinada por "P. Leroux (1/1)".
Esta estatueta em metal (que não me parece bronze), com 8,5x13,5x6cm, juntou-se agora às restantes, na minha colecção.
Esta estatueta em metal (que não me parece bronze), com 8,5x13,5x6cm, juntou-se agora às restantes, na minha colecção.
29 abril 2013
«pensamentos catatónicos (287)» - bagaço amarelo
somos únicos
Estou tentado a acreditar que é mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa. O pouco que nos separa, no entanto, é um pequeno machado capaz de destruir essa grande árvore que é a nossa união. E sim, falo de nós, pessoas comuns que procuram pelo preço mais barato dum produto no supermercado, que gostam de aquecer as mãos frias numa chávena de café fumegante, que choram, que riem ou ficam a leste das emoções uma vez por outra.
Não estou a falar do grandes conflitos entre classes e nações, como aquele que opõe israelitas a palestinianos, trabalhadores a accionistas ou direitosos a esquerdistas. Esses são os conflitos concebidos por interesses escondidos ou por ideias de como o mundo se deve organizar. São problemas fabricados e fazem parte doutra luta.
Estou a falar dos conflitos mais mesquinhos, entre duas pessoas que se Amam e que põem esse Amor em risco por causa de nada. É a mania que temos de acreditar que somos únicos, que os outros não pensam nem sentem como nós. Somos únicos, porque é por nós que passam todo esse cocktail que mistura inexplicavelmente emoção e razão.
Só nos falta perceber que, se formos por aí, somos tão únicos quanto outra pessoa qualquer.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
Estou tentado a acreditar que é mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa. O pouco que nos separa, no entanto, é um pequeno machado capaz de destruir essa grande árvore que é a nossa união. E sim, falo de nós, pessoas comuns que procuram pelo preço mais barato dum produto no supermercado, que gostam de aquecer as mãos frias numa chávena de café fumegante, que choram, que riem ou ficam a leste das emoções uma vez por outra.
Não estou a falar do grandes conflitos entre classes e nações, como aquele que opõe israelitas a palestinianos, trabalhadores a accionistas ou direitosos a esquerdistas. Esses são os conflitos concebidos por interesses escondidos ou por ideias de como o mundo se deve organizar. São problemas fabricados e fazem parte doutra luta.
Estou a falar dos conflitos mais mesquinhos, entre duas pessoas que se Amam e que põem esse Amor em risco por causa de nada. É a mania que temos de acreditar que somos únicos, que os outros não pensam nem sentem como nós. Somos únicos, porque é por nós que passam todo esse cocktail que mistura inexplicavelmente emoção e razão.
Só nos falta perceber que, se formos por aí, somos tão únicos quanto outra pessoa qualquer.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
Luís Gaspar lê «Triste forma de amar» de Cristina Miranda
"Noite após noite,
Colocaram-se nuvens no céu-da-boca.
Estudaram-se os segredos,
Enquanto sentíamos a chuva
Nas nossas línguas.
Imaginei os reflexos
Dos pirilampos que viriam
Servir-te de ponto,
Espalhando restos de luz,
Sobre a galeria de vidas que encenámos…
Conhecíamos a razão
Do pousio das palavras,
Da angústia de sentir descer
Sobre elas o pano…
Os aplausos eram apenas o eco
De ver uma nova personagem surgir,
Sobre o horizonte da minha garganta.
Por isso decorei todos os silêncios,
Essa ante estreia de uma outra estação,
O escuro de um Inverno,
Sabendo dos reflexos de chuva
Que teria ainda de conhecer.
Tentámos fingir,
Mas não era esse o ponto forte!
O ponto alto?
Foram os obstáculos,
As sementes de tempestade
Escondidas nas nuvens
Do céu das nossas bocas,
Que fomos suportando.
Entrámos.
Eu sentei-me na primeira fila,
Para ter a absoluta certeza de que me verias,
Ainda que fosse eu, a tua única espectadora.
Não aplaudi, no fim.
Já sentia o lago de lágrimas,
No meio de um público,
No meio de mim…
Esperei que todas as luzes se apagassem.
E, então, sim,
Chorei, no escuro,
Para que nenhuma porção minha me visse.
E depois fugi
Daquele lugar,
Fugi de mim,
Tropeçando nos soluços,
Chegando quase a cair,
Naquela tão triste forma de amar!"
Cristina Miranda
Ouçam este poema na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa
Colocaram-se nuvens no céu-da-boca.
Estudaram-se os segredos,
Enquanto sentíamos a chuva
Nas nossas línguas.
Imaginei os reflexos
Dos pirilampos que viriam
Servir-te de ponto,
Espalhando restos de luz,
Sobre a galeria de vidas que encenámos…
Conhecíamos a razão
Do pousio das palavras,
Da angústia de sentir descer
Sobre elas o pano…
Os aplausos eram apenas o eco
De ver uma nova personagem surgir,
Sobre o horizonte da minha garganta.
Por isso decorei todos os silêncios,
Essa ante estreia de uma outra estação,
O escuro de um Inverno,
Sabendo dos reflexos de chuva
Que teria ainda de conhecer.
Tentámos fingir,
Mas não era esse o ponto forte!
O ponto alto?
Foram os obstáculos,
As sementes de tempestade
Escondidas nas nuvens
Do céu das nossas bocas,
Que fomos suportando.
Entrámos.
Eu sentei-me na primeira fila,
Para ter a absoluta certeza de que me verias,
Ainda que fosse eu, a tua única espectadora.
Não aplaudi, no fim.
Já sentia o lago de lágrimas,
No meio de um público,
No meio de mim…
Esperei que todas as luzes se apagassem.
E, então, sim,
Chorei, no escuro,
Para que nenhuma porção minha me visse.
E depois fugi
Daquele lugar,
Fugi de mim,
Tropeçando nos soluços,
Chegando quase a cair,
Naquela tão triste forma de amar!"
Cristina Miranda
Ouçam este poema na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa
Subscrever:
Mensagens (Atom)