"Noite após noite,
Colocaram-se nuvens no céu-da-boca.
Estudaram-se os segredos,
Enquanto sentíamos a chuva
Nas nossas línguas.
Imaginei os reflexos
Dos pirilampos que viriam
Servir-te de ponto,
Espalhando restos de luz,
Sobre a galeria de vidas que encenámos…
Conhecíamos a razão
Do pousio das palavras,
Da angústia de sentir descer
Sobre elas o pano…
Os aplausos eram apenas o eco
De ver uma nova personagem surgir,
Sobre o horizonte da minha garganta.
Por isso decorei todos os silêncios,
Essa ante estreia de uma outra estação,
O escuro de um Inverno,
Sabendo dos reflexos de chuva
Que teria ainda de conhecer.
Tentámos fingir,
Mas não era esse o ponto forte!
O ponto alto?
Foram os obstáculos,
As sementes de tempestade
Escondidas nas nuvens
Do céu das nossas bocas,
Que fomos suportando.
Entrámos.
Eu sentei-me na primeira fila,
Para ter a absoluta certeza de que me verias,
Ainda que fosse eu, a tua única espectadora.
Não aplaudi, no fim.
Já sentia o lago de lágrimas,
No meio de um público,
No meio de mim…
Esperei que todas as luzes se apagassem.
E, então, sim,
Chorei, no escuro,
Para que nenhuma porção minha me visse.
E depois fugi
Daquele lugar,
Fugi de mim,
Tropeçando nos soluços,
Chegando quase a cair,
Naquela tão triste forma de amar!"
Cristina Miranda
Ouçam este poema na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa