17 julho 2013

«Ao que sabemos, pode não haver amanhã» - João

"Estamos deitados, os dois, sobre um estrado bastante comprido que serve de cais, e se agita com as águas, varridas pelo vento. Solidários, deitados de costas, ondulamos também nós, suavemente, olhando o céu, que ali vai de um extremo a outro, em 180 graus quase completos, de mãos dadas. Sabes se o amanhã vai chegar? Não sabia. Atiraste a pergunta para o ar, enquanto os teus dedos passeavam os meus. Não sei, disse-te. Não sei se há amanhã. Divido-me sobre o que pensar. E tu, queres um amanhã? Eu gosto de coisas sem amanhã, gosto do momento, da intensidade, gosto da ideia que me transmite o fazer-se algo como se não houvesse amanhã. Disseste-me que só querias um amanhã se fosse comigo. Se não fosse, bastava-te o agora. O hoje. Que se esticasse, alongasse, que o Sol nunca desaparecesse a Oeste, que as águas nunca deixassem de ondular ao vento. Viraste a cara para mim, falando-me ainda mais ao ouvido e disseste-me que, vendo bem, se as águas nunca deixassem de ondular ao vento, se o cais sobre o qual nos deitávamos nunca parasse de ondular, era um embalo para os nossos corpos. Podiamos ficar colados, apenas, ondulando em conjunto, tudo ao mesmo ritmo, ondulando e ficando, entrando, molhando.

Então decreto que não exista amanhã! E tu sorriste, apertando-me ainda mais a mão, virando a cara para longe de mim, sussurrando, mas eu quero que amanhã estejas comigo."

João
Geografia das Curvas

Moldar a coisa

Ontem fiz o amor.
Foi com plasticina e ficou muito parecido.

«pensamentos catatónicos (291)» - bagaço amarelo

É uma pena que os balcões dos bares estejam em vias de extinção. O balcão do café, com aqueles pequenos bancos giratórios, eram o melhor amigo do Homem, mas actualmente vivemos na ditadura das mesas de café.
Um homem quando está só, precisa tanto dum balcão de um bar como do ar para respirar. É que o balcão engrandece a solidão, uma mesa reprime-a. Um balcão é um tapete de boas-vindas a quem anda sozinho pelas ruas, uma mesa é um dedo acusador. "Estás sozinho e aqui só se sentam pessoas acompanhadas", diz-nos. É triste, mas é assim.
Quando um homem está sentado ao balcão de um café, está assumidamente só. Quando está numa mesa de café, não é possível perceber se está à espera de alguém, mas mesmo que não esteja, a tristeza é o ar que se lhe dá. As mesas de café, com uma só pessoa sentada, são um deserto de emoções.
O balcão sim, é uma verdadeira instituição de engate. O empregado de balcão, aliás, é outra. Um cliente pede uma cerveja mas compra também uma conversa sobre seja o que for, nem que seja o estado do tempo, e de repente tod@s @s solitári@s ali sentad@s estão a conversar através dele.
Foi assim que conheci a Luísa há alguns anos atrás. Sentei-me ao lado dela, deixando um lugar vazio entre nós para não parecer mal. Através do empregado, um tipo simpático de bigode ruivo, acabei por falar directamente com ela e saltar, em apenas alguns segundos, essa enorme distância dum pequeno banco giratório que nos separava. Ainda somos amigos e, uma vez por outra, ainda falamos desse dia com um misto de nostalgia e júbilo.
Hoje disseram-me que o Refúgio, o café com o maior balcão da cidade de Aveiro, já não existe. O tempo chamou-lhe velho e fechou-o. Resta-nos as trincheiras do café Ramona e da sala interior do Convívio. É uma pena. Hoje seria difícil conhecer a Luísa.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Ah… o amor



Ah, o amor é lindo, S2

Capinaremos.com

16 julho 2013

Há tanto tempo que não se fala em flexisegurança (ou flexigurança)... e ela aqui está

Eva portuguesa - «Acredito»

Acredito que nada acontece por acaso.
Que não há coincidências.
Acredito que mais tarde ou mais cedo a razão nos será revelada.
Acredito que somos nós que fazemos o nosso destino.
De uma forma ou de outra, directa ou indirectamente, num passado mais ou menos longínquo, fomos nós que contribuímos para o presente...
Talvez nem sequer tenhamos consciência disso, mas eu acredito que assim é.
Se não, onde estaria o nosso livre arbítrio?...
Onde estaria a nossa liberdade e responsabilidade pelos nossos actos?...
De que serviria fazermos fosse o que fosse para alterar as nossas condições, lutarmos pelos nossos sonhos, tomar qualquer decisão?...
Sim, é verdade que estamos condicionados por uma série de factores, internos e externos, mas podemos sempre agir e reagir de diferentes maneiras e isso é uma escolha, uma decisão nossa.
Podemos dar o nome de justiça divina, de energias, de auto-conhecimento, de espiritualidade, até de bruxaria mas a verdade, aquela à qual muitas vezes tentamos fugir com desculpas vãs, é que a nossa vida é a forma como a vivemos, depende apenas de nós...
Há uma frase que na minha opinião define bem a nossa liberdade de escolha mediante adversidades externas: "a dor é inevitável,o sofrimento é opcional".
Ou seja, ninguém está isento de lhe acontecer algo mau e a dor que tal provoca não pode ser evitada. Agora cabe-nos a nós decidir se enfrentamos essa dor ou se nos deixamos abandonar ao sofrimento que ela nos causa. É por isso que duas pessoas reagem de forma diferentes a uma adversidade.
Mas mesmo esse acontecimento negativo tem certamente uma finalidade... mesmo que a mesma só se veja ao fim de anos ou mesmo só no leito de morte.
Acredito que as pessoas não se cruzam por acaso. Todas aquelas que passam na nossa vida, fazem-no por um motivo...
Aquele encontro que devíamos ter tido mas que nunca aconteceu, aquela pessoa que pensamos ser "a tal" mas que nos deixa, aquele emprego que devia ser nosso mas que nos foge à última hora, etc. - tudo isto acontece por alguma razão...
Tenho uma amiga que sofria bastante pelos seus relacionamentos não darem certo. Perguntava, entre lágrimas, o que tinha ela de errado para tal acontecer... Bem, acontece que entretanto obteve a resposta: aquela que foi a grande paixão da sua vida reapareceu e agora, mais velhos, mais sábios e com as lições que a vida entretanto lhes foi ensinando, estão juntos, felizes e ela agradece por nunca ter ficado com nenhum dos seus anteriores namorados...
Por isso, sim, acredito que nada acontece por acaso e que o nosso destino está nas nossas mãos, mesmo que por vezes as circunstâncias sejam tão más que sentimos que não temos sorte, que o mundo é injusto (e é) e que nada fizemos para sofrer dessa maneira...


Eva
blog Eva portuguesa - porque o prazer não é pecado

«Monólogo de uma lua» - Susana Duarte

falo-te de ti, e falo-te de mim. falar de ti, é falar das noites claras da procura, e das luzes incendiadas pelo retorno. falar de mim é falar do sabor e do saber feito de dores paridas pelos joelhos da solidão. falar das sombras desfraldadas pelas flores, é procurar, nelas, as vozes que são tuas, as vozes que são nossas. e é percorrer amargas colinas de amendoeiras cujas flores ficaram aquém das aves. falo-te de ti, e falo-te de mim. e nomeio as luzes das coisas estranhas. nomeio as levadas de águas fugidas do musgo onde deitei os braços. agarrei-me ao invisível, ao sagrado, ao noturno, para reencontrar as linhas de ferro de todas as partidas. falo-te dos prados e das ruas ascendentes do esvozeamento da voz. e do enchimento da mágoa. e do espanto sereno de te procurar sempre, nas ruas desavindas dos espectros e dos saberes das feiticeiras. saberes dos dias, nada te ensinou sobre as noites. saberes das noites, nada te iluminou os dias. permaneceste água fugidia e mar revolto em contradança. os passos das bailarinas são vozes sem cor. entregas-me as mãos. de súbito, tremem as nozes no ventre da terra. e voam aves ao núcleo do sagrado. depositas flores nos lábio, e entregas lábios ao vento. vento. voa. sê. desflora as florestas encandeadas por tremores ocultos de outras eras. falo-te de ti, e falo-te de mim. não sabes que a cor dos olhos é a mesma das dúvidas. não sabes, ainda, que a cereja que comes, é a rubra transição do sangue sobre mágoas milenares. mas sabes que as noites, e os dias, sucedem-se na imensa perturbação do tempo, e na perpétua vontade de sermos aves, e na inscrição deixada nos nenúfares, e no sol de todas as palavras que, antes, dissemos. palavras. estranheza no ventre. desassossegada inevitabilidade. sofreguidão dos dias de sol. ser, em cada um de nós, o som de todas as primaveras anteriores.



Susana Duarte
Blog Terra de Encanto

Casalinhos a divertirem-se

Estes dois casalinhos da Indonésia, esculpidos em madeira, já me fazem companhia, na colecção, há mais de 10 anos. E que rica companhia...



15 julho 2013

Quando as mãos estão ocupadas...

«conversa 2001» - bagaço amarelo

(na minha casa)

Ela - Qual é o lugar da casa mais importante para ti?
Eu - Não sei... não faço ideia.
Ela - És um sortudo, então.
Eu - Porquê?
Ela - Para mim é a casa de banho. A sanita propriamente dita.
Eu - Porquê?
Ela - Porque é o único sítio onde consigo estar longe do meu marido, e mesmo assim tive que o proibir de entrar quando lá estou. Há mínimos...
Eu - Mas queres estar longe do teu marido? Até pensava que se davam bem...
Ela - E damos, mas preciso estar longe dele na mesma. Ainda hoje lhe pedi, muito simplesmente, para tomar conta da sopa que estava a fazer enquanto eu ia à casa de banho. Acreditas que me foi bater não sei quantas vezes à porta para fazer perguntas?!
Eu - Que perguntas?
Ela - "Onde é que está a colher de pau?", "A sopa está a ferver. Desligo ou diminuo o lume?", "Passo tudo com a varinha mágica?", "Como é que se tempera a sopa?". Coisas do género...
Eu - Qual é o problema?
Ela - O problema é tu estares a perguntar-me qual é o problema. Desisto!
Eu - Não percebo.
Ela - Não percebes porque de certeza que a tua namorada não te vai fazer perguntas desnecessárias sempre que estás na casa de banho. Não percebes porque sabes o que é ter tempo só para ti, sem ninguém a chatear. Isso porque as mulheres sabem fazer tudo e os homens não sabem fazer nada.
Eu - Pronto, tem calma!
Ela - Posso ir um bocadinho à tua casa de banho sem ninguém me chatear?
Eu - Podes, podes...


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Luís Gaspar lê «Ouve, meu anjo» de António Botto

Ouve, meu anjo:
Se eu beijasse a tua pele?
Se eu beijasse a tua boca
Onde a saliva é mel?
Tentou, severo, afastar-se
Num sorriso desdenhoso;
Mas aí!,
A carne do assassino
É como a do virtuoso.
Numa atitude elegante,
Misterioso, gentil,
Deu-me o seu corpo doirado
Que eu beijei quase febril.
Na vidraça da janela,
A chuva, leve, tinia…
Ele apertou-me cerrando
Os olhos para sonhar -
E eu lentamente morria
Como um perfume no ar!

António Botto
António Tomás Botto (Concavada, Abrantes, 17 de Agosto de 1897 — Rio de Janeiro, 16 de Março de 1959) foi um poeta português. A sua obra mais conhecida, e também a mais polémica, é o livro de poesia "Canções" que, pelo seu carácter abertamente homossexual, causou grande agitação nos meios religiosamente conservadores da época.

Ouçam este poema na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa

Ares da vida

Um sopro e tudo se vai.



Cada vez mais ar.

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