18 setembro 2013

«Vens buscar-me?» - João

"Havia um socalco relvado e um murete branco, e uma paisagem desimpedida sobre uma parte da cidade ribeirinha, com o Sol de uma tarde ainda de Inverno a fazer brilhar a ondulação das águas doces a misturar-se com as salgadas. Tu estavas sentada em frente, e eu de lado, virado para ti.
– Quero tanto ficar contigo. Deixas?
– Deixo. Claro que deixo, também quero muito – retorqui, enquanto me aproximava do teu ombro, pousando nele a cabeça e segurando as tuas mãos. E prossegui – respeitar-me-ias se fizesse algo diferente?
– Como? Diferente como?
– Respeitar-me-ias, como homem, se fizesse algo diferente do que vou fazer?
Veio o silencio, alguns segundos apenas, e logo depois:
– Mas vens buscar-me? Espero por ti?
– Espera.
– E vens mesmo buscar-me?
– Vais querer? Vais querer que te procure? Como saberei se ainda me queres?
– Se me prometeres que me vens buscar, eu faço-te saber.
– Sim amor. Vou buscar-te – e depois, falando-lhe ao ouvido, enquanto a apertava nos meus braços, disse – estejas onde estiveres, sabes que te quero, e eu sei que me queres – e em voz alta, completei – e quando te for buscar, vou agarrar-te tanto, tanto. E vou perder as minhas mãos no teu cabelo, e vou cheirar-te como um perfume raro, e vou olhar tanto, mas tanto esses teus olhos… – e então as lágrimas pesadas e grossas escorriam do teu rosto, e eu inquietei-me, sofri calado, e tu de novo – quero tanto ficar contigo, e isto é tão pouco – e olhavas para outro lado, não me encaravas, e eu apertei-te de novo contra mim e disse-te:
– Não te percas, não me percas. Não me esqueças, amor. Eu vou-te buscar."

João
Geografia das Curvas

Nó cego

No meu sonho estás amarrada e nos teus olhos não leio qualquer vontade de fugir.

«pensamentos catatónicos (297)» - bagaço amarelo

Hoje, não por acaso

Hoje, não por acaso, lembrei-me dela. Nunca percebi se a Amei sem me apaixonar ou se me apaixonei sem a Amar. Só percebi o meu corpo clandestino, como um fugitivo sem papeis, a querer esconder-se no dela. Assim, sem cartão de cidadão nem passaporte, e ela a deixar sabendo que era ilegal.
Hoje, não por acaso, lembrei-me duma bebedeira de batidos de fruta mais uma guitarra com cinco cordas, um tapete na parede com dois cavalos e um rádio fanhoso a tentar captar a nossa atenção. Depois ela, e eu sem perceber se era a sorte ou o azar que me tinha levado até ali, àquela doce e terminável fonte de prazer.

- E agora? - perguntei

Hoje, não por acaso, lembrei-me do dedo indicador da mão direita dela a trancar-me suavemente os lábios, e os dela a dizerem shhhhhhhhh!, como se o silêncio fosse a única razão para estarmos ali fechados em nós mesmos, por uma só vez.
Hoje, não por acaso, lembrei-me de a ter levado ao autocarro, numa linha qualquer que ligava a rotunda da Boavista à cidade da Maia, e de eu ter ficado ali horas depois de lhe dizer adeus, acreditando que se ali ficasse talvez a tornasse a ver. E a cidade disse shhhhhhhh!
Hoje, não por acaso, lembrei-me que o Amor tem esta mania estúpida de, mais tarde ou mais cedo, nos vir dizer que não é bem assim. Que estávamos enganados e nos devemos sentir gratos por isso. E eu aqui, a concordar com ele, que me sinto grato por ter existido e por me lembrar dele. Hoje, não por acaso.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

«Fazer um minete de silêncio» - o Amigo de Alex


Montagem d'O Amigo de Alex

17 setembro 2013

«Fantasy Reconstituted» (fantasia reconstituida) - Marc Blackie


Fantasy Reconstituted from Marc Blackie on Vimeo.

O que vi hoje...


«Ausência» - Susana Duarte


Faltam-me as pétalas com que escrevo a dor de não te abraçar
na colorida floração de uma primavera dorida
onde a tua voz é espectro de um amar
que não encontra a própria ferida
para, enfim, a curar,
da dor desmedida
da ausência
de ti.



Susana Duarte
Blog Terra de Encanto

Bengala em madeira monóxilo

Bengala artesanal trabalhada em madeira com 90 cm de comprimento, tendo na pega um falo a encimar o corpo de uma mulher.
Sim, sim, eu também tive de ir ver ao dicionário o que quer dizer "monóxilo" - formado de uma só peça de madeira.
Bem... por acaso a bengala chegou partida a 20 cm da base e tive que a colar. Ou seja, agora tenho na minha colecção uma bengala "bióxilo"?!






16 setembro 2013

«Control yourself» (controla-te a ti própria) - Agent Provocateur

Com Melissa George, Chloe Hayward e Elettra Wiedemann

«respostas a perguntas inexistentes (254)» - bagaço amarelo

Conheci-a numa festa qualquer. Nenhum de nós gostava de dançar, nenhum de nós gostava da música demasiado alta, nenhum de nós queria acabar a noite com demasiado álcool no sangue. Acabámos por ficar os dois na cozinha, o local de culto habitual para quem está numa festa sem querer efectivamente estar e sem querer, efectivamente também, não estar. Falámos de nós e, tanto quanto me lembro, de temas tão diversos como a música pop nos anos oitenta, o queijo de cabra francês, a cordilheira dos Andes ou a forma como as Orcas caçam focas bebés.
A festa acabou para todos eram aí umas quatro da manhã. Menos para nós. Como se costuma dizer, a coisa aconteceu. Primeiro comprámos dois grandes copos duma espécie de café na máquina automática duma bomba de gasolina, que bebemos ainda dentro do meu carro minúsculo. Acabámos por aceitar que estávamos os dois a esticar a noite com o mesmo propósito. Ela levou-me para casa dela. Lembro-me, especialmente, do contraste entre o frio dos lençóis e o calor do corpo.

- É tão estranho! - disse ela.
- O quê?!
- Se passasses por mim na rua, serias apenas mais um transeunte sem qualquer tipo de interesse...

E eu a pensar que não. Se passasse por ela na rua seria apenas mais uma transeunte, sim, mas com todo o interesse do mundo. Olharia para ela fingindo que não o estava a fazer. Talvez me baixasse para dar um jeito aos atacadores dos sapatos e, tão certo como eu estar ali, suspiraria pelo menos uma vez.

É sempre essa a diferença entre um homem e uma mulher, pensei. Um homem é sempre um homem qualquer, enquanto aquela mulher é sempre aquela mulher.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Luís Gaspar lê «Para o Zé» de Adélia Prado

Eu te amo, homem, hoje como

Toda a vida quis e não sabia,

Eu que já amava de extremoso amor

O peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos

De bordado, onde tem

O desenho cómico de um peixe – os

Lábios carnudos como os de uma negra.
Divago quando o que quero é só dizer

Te amo. Teço as curvas, as mistas

E as quebradas, industriosa como uma abelha,
Alegrinha como florinha amarela, desejando

As finuras, violoncelo, violino, menestrel

E fazendo o que sei, o ouvido no teu peito

Para escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo
O teu coração, o que é, a carne de que é feito,
Amo sua matéria, fauna e flora,

Seu poder de perecer, as aparas das tuas unhas

Perdidas nas casas que habitamos, os fios
De tua barba. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo

Pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:

“Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas

o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não

ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros”.
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama
Fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.

Te alinho junto das coisas que falam

Uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como

O desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece,

Tira de mim o ar desnudo, me faz bonita

De olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
Me dá um filho, comida, enche minhas mãos.

Eu te amo, homem, exatamente como amo o que
Acontece quando escuto oboé.
Meu coração vai desdobrando
Os panos, se alargando aquecido, dando
A volta do mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo,

O que não queria dizer amo também, o piolho.
Assim,
 Te amo do modo mais natural, vero-romântico,
Homem meu, particular homem universal.

Tudo o que não é mulher está em ti, maravilha.

Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,

A luz na cabeceira, o abajur de prata;
Como criada ama, vou te amar, o delicioso amor:

Com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso,
Me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles

Eu beijo.

(Poema “Para o Zé” in Poesia Reunida, São Paulo: Siciliano, 1991)

Adélia Prado
Adélia Luzia Prado Freitas (Divinópolis, 13 de dezembro de 1935) é uma escritora brasileira. Os textos retratam o quotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, num estilo único.

Ouçam este poema na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa

Culpa do Noé

Eis o motivo da extinção dos unicórnios.



Até teve um relacionamento, mas não procriaram…

Capinaremos.com