11 novembro 2013

«conversa 2029» - bagaço amarelo

(ao telefone)

Ela - Eu pus fim à minha relação porque o meu marido me anulava constantemente.
Eu - Anulava?!
Ela - Sim, por exemplo, nas conversas com mais amigos ria-se sempre das coisas que eu dizia, como se eu fosse uma pateta. Era sempre assim...
Eu - Estou a ver... mas ainda andaste uns anos com ele.
Ela - Pois andei, não sei bem porquê. Ou melhor, até sei.
Eu - E porquê?
Ela - Quando estávamos só os dois, ele era fantástico.
Eu - Ah!
Ela - Nunca percebi como é que um homem tão bom a sós consegue ser tão mau quando se junta mais gente, mas acho que isso é uma coisa muito masculina.
Eu - Também há mulheres assim.
Ela - Também?!
Eu - Sim. Sei-o por experiência própria.
Ela - Lá está, nada impede uma mulher de ter algumas características masculinas.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Luís Gaspar lê «Declaração de Amor» de António Gedeão

Excita-me a tua presença, ó Árvore – ó Árvores todas!

Desejo-te (desejo-vos) como se fosses Carne, e eu Desejo.

Como se eu fosse o vento que preside às tuas bodas,

e te cicia em redor, e te fecunda num aliciante beijo.
Ponho os olhos em ti e entretenho-me a pensar que sou mãos,

todo mãos que te envolvem o tronco e te sacodem convulsivamente.
Requebras-te com volúpia, e os teus emaranhados cabelos louçãos

fustigam o ar como látegos, com toda a força que este amor me consente.
Ó árvore minha débil! Ó prazer dos meus olhos extáticos!
Ó filtro da luz do Sol! Ó refresco dos sedentos!

Destila nos meus lábios as gotas dos teus ésteres aromáticos,

unge a minha epiderme com teus macios unguentos.
Desnuda-me a tua intimidade, ó Árvore! Diz-me a que segredos recorres
para te desenrolares em flores e em frutos num cíclico desvario.
Porque é que tudo morre à tua volta e tu não morres,

e aceitas sempre o Amor com renovado cio.
Inicia-me nos teus mistérios, ó feiticeira dos cabelos verdes!
Ensina-me a transformar um raio de Sol em suculenta carnadura,

e nesses perfumes subtis que a toda a hora perdes,
prolongando o teu ser no ar que te emoldura.
É através de ti, ó Árvore, que celebro os esponsais entre mim e a Natureza.

É através de ti que bebo a nuvem fresca e mordo a terra ardente.
É de ti que recebo as leis do Amor e da Beleza.
Amo-te, ó Árvore, apaixonadamente!

António Gedeão
Rómulo Vasco da Gama de Carvalho (Lisboa, 24 de Novembro de 1906 - Lisboa, 19 de Fevereiro de 1997), português, foi um químico, professor de Físico-Química do ensino secundário no Liceu Pedro Nunes e Liceu Camões, pedagogo, investigador de História da ciência em Portugal, divulgador da ciência, e poeta sob o pseudónimo de António Gedeão. Pedra Filosofal e Lágrima de Preta são dois dos seus mais célebres poemas.

Ouçam este poema na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa

A conversa

Chega um dia que todos temos que tê-la.



Anakin, seu safadão.

Capinaremos.com

10 novembro 2013

«Martin em casa e na rua - a vida como ela é»

Sinopse
"Durante dez anos, de 1951 a 1961, Nel­son Rodrigues escreveu sua coluna «A vida como ela é» para o jornal «Última Hora», de Samuel Wainer. Seis dias por sema­na, chovesse ou fizesse sol. A chuva podia ser como a do quinto ato do Rigoletto e o sol, daqueles de derreter catedrais, se­gundo ele.
Todo dia, com uma paciência chinesa e uma imaginação demoníaca, Nelson escrevia uma história diferente. E quase sempre sobre o mesmo assunto: adultério. Desse tema tão simples e tão eterno, ele extraiu quase 2 mil histórias. Os ficcionistas que fingem se levar a sé­rio precisam de toda uma aura de misté­rio para criar. Nelson dispensava esse mis­tério. Chegava cedinho à redação, acendia um cigarro e, na frente dos colegas, entre miríades de cafezinhos, escrevia «A vida como ela é». As histórias saíam de casos que lhe contavam, da sua própria obser­vação dos subúrbios cariocas ou das cabe­ludas paixões de que ele ouvira falar em criança. Mas principalmente da sua me­ditação sobre o casamento, o amor e o desejo.
O cenário dos contos de «A vida como ela é» é o Rio de Janeiro dos anos 50. Uma cidade em que casanovas de plantão e mulheres fabulosas flertavam nos ônibus e bondes; em que poucos tinham carro, mas esse era um Buick ou um Cadillac; em que os vizinhos vigiavam-se uns aos ou­tros; e em que maridos e mulheres viviam sob o mesmo teto com as primas e os cunhados, numa latente volúpia incestuo­sa. Uma cidade em que, como não havia motéis, os encontros amorosos se davam em apartamentos emprestados por amigos — donde o pecado, de tão complicado, tor­nava-se uma obsessão. E uma época em que a vida sexual, para se realizar, exigia o vestido de noiva, a noite de núpcias, a lua-de-mel. E em que o casal típico — e, de certa forma, perfeito — compunha-se do marido, da mulher e do amante."

Postalinho do Buçaco

"Fotos da mata do Buçaco e do Museu Militar"
São Rosas




Decalcomania



Ele não apareceu e eu sabia que o funeral estava feito. Para grandes males, grandes remédios, não é Senhor Doutor?... Saquei do número de um amigo especial, daqueles muitos coloridos mesmo e aferi se estava disponível.

Em minutos estava na porta da saída e entrei no primeiro táxi que passava. Um rapazito de t-shirt e jeans acolheu-me com um largo sorriso e mais olhadelas ao espelho retrovisor do que à condução. Começou a desfiar o seu rosário de que a vida dele não era aquilo, que até cantava em casas de fado do Bairro Alto e era convidado para muitos lados e até tinha um rapaz que lhe escrevia letras e estendeu-me uma folha pautada cheia de erros ortográficos que foi logo o que me saltou aos olhinhos, com uma história de amor trágico que só me lembrava aquela de que andava a desgraçadinha no gamanço para sustentar os seus três filhinhos. Mas acenei que aquilo era mesmo fado e sorri. E ele aprumou o pescoço e começou a cantá-lo. E depois mais outro e outro até num sinal vermelho, ao sol abrasador, puxar de duas cervejas, estrategicamente guardadas numa geladeirazinha entre o assento e a sua porta. Abriu-as com um abre-cápsulas que também era porta-chaves e estendeu-me uma avisando que estava incluindo na bandeirada. Não sei se era notório que eu estava à beira de um ataque de nervos ou se era apenas o reflexo das minhas pernas sob a pequenita saia preta esvoaçante no espelho mas para mim aquele táxi era Almodovariano.

Quando finalmente cheguei ao pé do meu amigo alagou-nos a urgência dos beijos e a azáfama de despir as roupas na premência de tocar pele conhecida como o baú do sótão da avó. Línguas e mãos em desvario, dos rostos até meio do corpo, na pressa de nos absorvermos. E quando as suas coxas roçavam as minhas nádegas e os meus mamilos subiam e desciam sobre o seus, abri então os olhos e vi o seu rosto transfigurar-se no do outro, o ausente, que ali ganhava contornos de nitidez indescritível. E naquele aperto continuei a ondular aquilo que o cérebro tornava virtualmente real.


No que o homem pensa?



Via Testosterona

09 novembro 2013

Artroses do ofício


Objetos (espaço dedicado aos nossos amigos diários)

France Gall & Serge Gainsbourg - «Les Sucettes»



Todos juntos agora:

Annie aime les sucettes,
Les sucettes à l'anis.
Les sucettes à l'anis
D'Annie
Donnent à ses baisers
Un goût ani-
Sé. Lorsque le sucre d'orge
Parfumé à l'anis
Coule dans la gorge d'Annie,
Elle est au paradis.

[Refrão]
Pour quelques pennies, Annie
A ses sucettes à l'anis.
Elles ont la couleur de ses grands yeux,
La couleur des jours heureux.

Annie aime les sucettes,
Les sucettes à l'anis.
Les sucettes à l'anis
D'Annie
Donnent à ses baisers
Un goût ani-
Sé. Lorsqu'elle n'a sur la langue
Que le petit bâton,
Elle prend ses jambes à son corps
Et retourne au drugstore.

[Refrão]
Lorsque le sucre d'orge
Parfumé à l'anis
Coule dans la gorge d'Annie,
Elle est au paradis.

«Enlevo» - João

"Numa fila onde me detenho, observo um casal que alguns metros à frente se abraça e beija. Vejo-me tomado por um sorriso, e sem saber exactamente porquê, bebo dessa cena e deixo-me enlevar pelos sorrisos deles, pelo beijo que partilham, pelos corpos que se aquecem. Ou, noutro momento, vejo uma mulher bonita, com umas coxas de que gosto e que me despertam memórias, e novamente sorrio. Porque não sorrir, afinal. O sorriso começa fraco, mas eis que noto que se expande, que a boca se alonga, que os dentes espreitam, e a dado instante estou quase mergulhado nas minhas ideias, nas coisas que pulam em mim, as sinapses rebeldes.
Observo um copo de Gin, vejo os barcos ondulantes, o sol nas águas azuis, eu na sombra e o gelo que derrete devagar, as gotas que escorrem no copo, e penso no outro lado da esquina, nas pernas das mesas, deixo-me embalar pelos ruídos das gentes que falam longe, da brisa que me beija os ouvidos, e sossego. Percebo que não há tempo, que o relógio é só adorno, mecânica vazia, que importa sempre chegar, nem que seja em último. Mas chegar, chegar lá, cruzar mesmo a linha, saber que se conseguiu.
Das dificuldades vamos encontrando maneiras de respirar. As portas que se fecham, ou que ficam entreabertas, dão lugar a janelas, a olhares comprometidos que se lançam a coberto de finas cortinas. O sol abafado do Verão dará lugar aos dias curtos, aos amores de Inverno, aqueles que começando no frio prometem durar, porque não foram facilidades de corpos desnudos e quentes em olhares libidinosos de Verão. Os amores de Inverno são mais fortes, porque cortaram o frio, porque brilharam nas tardes cedo escuras e não derreteram nas chuvas das madrugadas levadas solitárias nas estradas de regresso, galgando quilómetros vazios.
E, furando o nosso enlevo, o mundo diz-nos que pensemos bem em tudo, que ponderemos tudo muito bem. O mundo faz isso em relação a tudo. Às coisas grandes e às pequenas. E quanto mais se pensa mais o parafuso se enrosca em direcção ao núcleo do planeta, mais fundo vão as âncoras. As nossas cabeças são computadores paradoxais. Complexos, mas limitados. Damos nós facilmente. Quanto mais processamos, menos vemos. Quanto mais procuramos explicar, mais camadas fósseis encontramos. Tentar ver para lá do vidro fumado é incrivelmente difícil, e as cartas do jogo nunca param de cair sobre a mesa, e os dados nunca deixam de lançar-se, e sempre que um degrau se sobe, outro surge. Estar vivo é muito bom, sentir coisas e saber que são verdade é muito bom, mas bom não equivale a fácil. E parte daquilo para o que cá andamos é conseguir responder “para quê?”. “Porquê?”. No dia em que conseguirmos responder a isso, saberemos se foi justo ou desperdício. Mas, mais que tudo isso, saberemos abrir as portas, as janelas, expulsar os fumos, e viver o enlevo, como tudo, como sempre."

João
Geografia das Curvas

Alguns dos jogos de tabuleiro e de mesa da minha colecção


Um sábado qualquer... - «Novelas»



Um sábado qualquer...

08 novembro 2013

Se o JF não comentasse nem reparava que este blog faz hoje 10 anos!


"E chega hoje mais um aniversário d'a funda são, a São a fazer acrobacias desde 2003!
Parabéns por mais um ano de muito tesão e serviço púbico!"
JF

Por coincidência, hoje houve mudanças no servidor onde o domínio afundasao.com está alojado. Por isso o blog esteve inacessível durante umas horas e os comentários ainda não estão operacionais. Mas isto vai ao sítio.

2013-11-12 - 4 dias depois, os comentários finalmente voltaram a estar operacionais.