No meu gabinete de trabalho, há uma cadeira destinada a quem me vem consultar.
É confortável, pode ser manobrada para baixo, para cima, para os lados, é reclinável e está rodeada de variados instrumentos eléctricos. Parece uma cadeira de dentista, mas não é.
Ontem, uma cliente entrou, sentou-se e, depois de nos cumprimentarmos, perguntei-lhe ao que vinha.
Desencaixou a máscara, uma espécie de capacete semelhante a um grande ovo de cor creme e depositou-a em cima da minha secretária.
Pediu-me que lhe avivasse as sobrancelhas, lhe rosasse as faces, lhe repuxasse as pálpebras e lhe arrebitasse um pouco o nariz.
Agora, despojado da sua máscara craniana, o cérebro da minha cliente ficara à vista, esponjoso, ondulado, composto por aleatórios refegos sobrepostos.
Enquanto eu retocava a máscara craniana como me pedira, ia olhando constrangido, de vez em quando, para o seu cérebro nu ali ao alcance das minhas mãos, provocador...
Reparei nalguns neurónios soltos, desligados e perguntei à cliente se não queria que os soldasse.
Respondeu-me que sim e, já agora, que podia aproveitar para limpar o pó que devia estar a bloquear-lhe alguns dos circuitos cerebrais.
Deixei cair dois microscópicos pingos de solda nos neurónios afectados e testei a passagem dos impulsos eléctricos.
Liguei a pequena escova adjacente à cadeira e, delicadamente, fui limpando as poeiras entranhadas nos mais pequenos interstícios, aconselhando a cliente a não tirar a máscara muitas vezes, porque assim desprotegia o cérebro, sujeitando-o à sujidade ambiente
Devo-me ter descuidado ao fazer a limpeza do hipotálamo porque a minha cliente, de súbito, foi inundada de calores, abraçou-se a mim e incitou-me a fazer amor com ela.
Acordei hoje de manhã, confuso, com este sonho ainda bem presente.
Retive que tudo se passou na minha outra vida futura, no ano de 3152.
A minha profissão era (será) a de técnico neurológico.
Rui Felício
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