18 novembro 2013

«coisas que fascinam (162)» - bagaço amarelo

A memória mais forte que tenho dela é o toque dos seus dedos. Foi com ela que aprendi que a compatibilidade entre duas pessoas pode ser o toque, muito mais do que a voz, a semântica ou o cheiro. Ou melhor, os toques todos. Aqueles que acontecem quando se dá a mão na fila do supermercado e se discute o preço dos chocolates, mas também os outros, que nascem e morrem no segredo duma cama.
Por causa desses toques, caminhámos em silêncio durante uma parte importante da nossa vida, unidos pelos dedos. Uma vez parámos num pequeno café em Espanha, a caminho de lugar nenhum. Lembro-me das ruas desertas, do calor intenso e do estranho sabor agridoce na boca, logo pela manhã. Era ali que eu tinha prometido levá-la, para a devolver a casa depois daquele tempo que decidimos ser o nosso. Deu-me um abraço, estendeu-me a palma da mão esquerda no ar e colou a dela à minha. Ao afastá-la, brincámos com as pontas dos nossos dedos, como se todos os toques estivessem ali guardados.
Acho que ainda estão. Eu, pelo menos, ainda os sinto.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»