Com o advento da Primavera, nas férias da Páscoa, chegavam os primeiros dias de sol e algum calor. Era frequente então reunirem-se grupos de rapaziada para irem ao rio tomar os primeiros banhos do ano.
O caudal do Mondego, por essa altura, era ainda grande e as águas límpidas, de um belo azul, corriam em forte torrente, dando jus à alcunha de “Basófias” que lhe era atribuída.
Muita da água que enchia por completo o seu leito, provinha do degelo das neves da Serra da Estrela. Gelava e arrepiava a pele e os ossos...
Certa tarde, um grupo que estava no Café Abrigo decidiu ir até ao Rebolim. Lembro-me que o compunham, entre outros, o Rui Bento, o Betinho, o Rui Umbelino, o Graciano, o Elói, o Emílio, o Campante e não sei se o Paulo Nobre.
Tudo malta já na casa dos 18 a 21 anos. Uns homenzinhos, portanto...
Porque, no Café, estávamos também o Filipe Famelga e eu, mais novitos com cerca de 15 anos, mas também com vontade de ir ao rio, condescenderam em que os acompanhássemos.
Lá chegados, todos nos despimos e, completamente nus, em grande algazarra, agarrados aos salgueiros para não sermos arrastados pela corrente, íamos mergulhando nas gélidas águas do Mondego.
Uns entravam, outros saíam e voltavam a entrar, chafurdando na água e na lama da margem. Nos intervalos íamos roendo alguma da fruta roubada durante o caminho.
Em dado momento, sem percebermos bem como, eu e o Filipe Famelga reparámos que éramos os únicos que ainda ali permanecíamos, metidos na água e sem vermos ninguém na margem.
Saímos do rio, em pêlo. Corremos tudo à procura da roupa sem dela encontrarmos vestígios.
Bem berrámos pelos outros, mas respondia-nos apenas o eco da margem oposta!
Percebemos finalmente que aquela malta, de propósito, tinha fugido com as nossas roupas. Agora era preciso voltar para o bairro, nus como tínhamos vindo ao mundo!
Atravessámos o Pinhal de Marrocos, escondendo-nos o mais possível por entre os arbustos e as árvores, atentos ao eventual aparecimento de alguém que, felizmente, nunca surgiu.
Já no “cavalo selvagem” às portas do bairro, emboscámo-nos num dos grandes buracos que existiam a alguma distância do Café Abrigo. Víamos perfeitamente aquela malta espalhada pela esplanada a beberricar umas cervejas.
Quando deram conta da nossa chegada, gritaram-nos, acenando-nos com as nossas roupas, incentivando-nos a irmos buscá-las, galhofando e rindo em estrepitosas gargalhadas.
Claro que só depois de caída a noite nos atrevemos a ir ao Café recolher a roupa, protegidos pela escuridão e pelas mãos que desesperada e inutilmente tentavam ocultar a nossa vergonhosa e primaveril nudez.
Além da partida que nos pregou, aquela malta ainda enriqueceu o seu léxico com o chorrilho de asneiras e insultos com que, nós dois, durante todo o tempo os fomos mimoseando.
Rui Felício
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