17 julho 2016

Luís Gaspar lê «Reparastes…» de João Garcia de Guilhade

Português moderno

Reparastes, donas, que no outro dia
o meu namorado, comigo falou
Como se queixava? Tanto se queixou
que lhe dei o cinto.
Dei-lhe o que podia:
e pede-me agora o que não devia.

Vistes (antes nunca tal coisa se visse!)
que à força de muito, muito se queixar,
fez-me da camisa o cordão tirar:
o cordão lhe dei: no que fiz tolice:
e o que pede agora, antes não pedisse.

Das minhas ofertas, João de Guilhade,
enquanto as quiser, não o privarei,
que muitas e boas, já dele alcancei;
Nem lhe negarei, minha lealdade.
Mas… de outras loucuras, tem ele vontade!

Português antigo

Vistes, mias donas, quando noutro día
o meu amigo comigo falou,
foi mui queixos’e, pero se queixou,
dei-lh’eu entón a cinta que tragía,
mais el demanda-m’or’outra folha.

E vistes (que nunca, nunca tal visse!)
por s’ir queixar, mias donas, tan sen guisa,
fez-mi tirar a corda da camisa
e dei-lh’eu dela ben quanta m’el disse,
mais el demanda-mi al, que non pedisse.

Sempr’haverá don Joán de Guilhade,
mentr’el quiser, amigas, das mias dõas,
ca ja m’end’el muitas deu e mui bõas,
des i terrei-lhi sempre lealdade,
mais el demanda-m’outra torpidade.

João Garcia de Guilhade
João Garcia de Guilhade foi um trovador português, nascido em Milhazes, concelho de Barcelos. Desenvolveu a sua arte poética em meados do século XIII. Apesar de ser reconhecida a sua capacidade e mestria poética, muita da sua produção tem um caráter brejeiro. É autor de poemas mordazes e célebres, como «Ai Dona fea, fostes-vos queixar», que vamos ouvir e coube-lhe introduzir o tema dos «olhos verdes» na poesia portuguesa, com «Amigos, non poss'eu negar».
Este poema faz parte do iBook “Coletânea da Poesia Portuguesa – I Vol. Poesia Medieval”
disponível no iTunes.
Transcrição do Português antigo para o moderno de Deana Barroqueiro.

Ouçam este texto na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa

«coisas que fascinam (193)» - bagaço amarelo

Hoje perdi as minhas chaves e atrasei-me a um encontro por causa disso. Tinha a porta de casa aberta mas sabia que, se saísse, não voltava a entrar facilmente. Infelizmente, o mundo não está virado para sairmos e deixar o que é nosso ao Deus-dará. Procurei nos bolsos das calças que tinha atirado para dentro da máquina de lavar, nas confusas estantes do meu quarto e no labirinto desarrumado da sala de estar. Nada. Demorei um quarto de hora a perceber que estavam no bolso do casaco que eu havia de vestir assim que saísse, talvez porque os lugares onde procurei primeiro fossem os mais óbvios.
Podemos perguntar também onde está o nosso Amor quando não sabemos dele. É legítimo. Às vezes o Amor é apenas algo que se perdeu e tudo o que se perde pode encontrar-se de novo. Se não pode, pelo menos faz bem acreditar que sim. Acreditemos que é uma questão de procurar, então. Mesmo que não seja, claro.
Cheguei atrasado porque tinha demorado a encontrar as minhas chaves de casa. Ela não se chateou, pelo menos a julgar pelo sorriso largo que fez assim que abriu a porta. Abraçou-me e deu-me a mão, como se eu precisasse de um guia para os dez metros que distanciam a porta de entrada da casa dela da sala. Depois largou-me como se larga um balão de ar quente e eu não voei. Fiquei ali, preso ao doce suor da mão dela.
Tirou-me um café com um fundo de aguardente, pôs música a tocar no velho rádio que conheço do tempo em que ela me dava a mão todos os dias e esticou as almofadas que adornam o sofá. O gato dela resmungou um pouco e depois assumiu a propriedade de uma delas. Ri-me. Ela também.
Ali, numa sala que já foi minha, procurei o meu Amor como se procura um objecto qualquer. Até o procurei nos olhos claros dela e nos cabelos que voavam em electricidade estática. Procurei-o em cada canto da memória, mas não o encontrei nestes lugares óbvios. Já não está lá.
Talvez esteja mais perto de mim, numa espécie de bolso de casaco que hei-de vestir outra vez um dia destes.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

PI das brincadeirinhas


Maitena - Condição feminina 36



16 julho 2016

Alemanha - Irlanda do Norte na 6ª edição do futebol bodypainting, em Berlim

Cabeça no ar



Esta estava a fazer-se a mim há duas horas mas eu não dei conta. Já ela deu cona.

Patife
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«Nudez primaveril» - por Rui Felício

Com o advento da Primavera, nas férias da Páscoa, chegavam os primeiros dias de sol e algum calor. Era frequente então reunirem-se grupos de rapaziada para irem ao rio tomar os primeiros banhos do ano.
O caudal do Mondego, por essa altura, era ainda grande e as águas límpidas, de um belo azul, corriam em forte torrente, dando jus à alcunha de “Basófias” que lhe era atribuída.
Muita da água que enchia por completo o seu leito, provinha do degelo das neves da Serra da Estrela. Gelava e arrepiava a pele e os ossos...
Certa tarde, um grupo que estava no Café Abrigo decidiu ir até ao Rebolim. Lembro-me que o compunham, entre outros, o Rui Bento, o Betinho, o Rui Umbelino, o Graciano, o Elói, o Emílio, o Campante e não sei se o Paulo Nobre.
Tudo malta já na casa dos 18 a 21 anos. Uns homenzinhos, portanto...
Porque, no Café, estávamos também o Filipe Famelga e eu, mais novitos com cerca de 15 anos, mas também com vontade de ir ao rio, condescenderam em que os acompanhássemos.
Lá chegados, todos nos despimos e, completamente nus, em grande algazarra, agarrados aos salgueiros para não sermos arrastados pela corrente, íamos mergulhando nas gélidas águas do Mondego.
Uns entravam, outros saíam e voltavam a entrar, chafurdando na água e na lama da margem. Nos intervalos íamos roendo alguma da fruta roubada durante o caminho.
Em dado momento, sem percebermos bem como, eu e o Filipe Famelga reparámos que éramos os únicos que ainda ali permanecíamos, metidos na água e sem vermos ninguém na margem.
Saímos do rio, em pêlo. Corremos tudo à procura da roupa sem dela encontrarmos vestígios.
Bem berrámos pelos outros, mas respondia-nos apenas o eco da margem oposta!
Percebemos finalmente que aquela malta, de propósito, tinha fugido com as nossas roupas. Agora era preciso voltar para o bairro, nus como tínhamos vindo ao mundo!
Atravessámos o Pinhal de Marrocos, escondendo-nos o mais possível por entre os arbustos e as árvores, atentos ao eventual aparecimento de alguém que, felizmente, nunca surgiu.
Já no “cavalo selvagem” às portas do bairro, emboscámo-nos num dos grandes buracos que existiam a alguma distância do Café Abrigo. Víamos perfeitamente aquela malta espalhada pela esplanada a beberricar umas cervejas.
Quando deram conta da nossa chegada, gritaram-nos, acenando-nos com as nossas roupas, incentivando-nos a irmos buscá-las, galhofando e rindo em estrepitosas gargalhadas.
Claro que só depois de caída a noite nos atrevemos a ir ao Café recolher a roupa, protegidos pela escuridão e pelas mãos que desesperada e inutilmente tentavam ocultar a nossa vergonhosa e primaveril nudez.
Além da partida que nos pregou, aquela malta ainda enriqueceu o seu léxico com o chorrilho de asneiras e insultos com que, nós dois, durante todo o tempo os fomos mimoseando.

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido

Milo Manara - Banhos
Poster com reprodução de imagem do álbum «Vénus & Salomé»
92x43 cm
Milo Manara
Colecção de arte erótica «a funda São»

Mais palmo, menos palmo...

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Perto


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