Reparastes, donas, que no outro dia
o meu namorado, comigo falou
Como se queixava? Tanto se queixou
que lhe dei o cinto.
Dei-lhe o que podia:
e pede-me agora o que não devia.
Vistes (antes nunca tal coisa se visse!)
que à força de muito, muito se queixar,
fez-me da camisa o cordão tirar:
o cordão lhe dei: no que fiz tolice:
e o que pede agora, antes não pedisse.
Das minhas ofertas, João de Guilhade,
enquanto as quiser, não o privarei,
que muitas e boas, já dele alcancei;
Nem lhe negarei, minha lealdade.
Mas… de outras loucuras, tem ele vontade!
Português antigo
Vistes, mias donas, quando noutro día
o meu amigo comigo falou,
foi mui queixos’e, pero se queixou,
dei-lh’eu entón a cinta que tragía,
mais el demanda-m’or’outra folha.
E vistes (que nunca, nunca tal visse!)
por s’ir queixar, mias donas, tan sen guisa,
fez-mi tirar a corda da camisa
e dei-lh’eu dela ben quanta m’el disse,
mais el demanda-mi al, que non pedisse.
Sempr’haverá don Joán de Guilhade,
mentr’el quiser, amigas, das mias dõas,
ca ja m’end’el muitas deu e mui bõas,
des i terrei-lhi sempre lealdade,
mais el demanda-m’outra torpidade.
João Garcia de Guilhade
Este poema faz parte do iBook “Coletânea da Poesia Portuguesa – I Vol. Poesia Medieval”
disponível no iTunes.
Transcrição do Português antigo para o moderno de Deana Barroqueiro.
Ouçam este texto na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa