20 março 2018

«é de madrugada» - Susana Duarte

é de madrugada que se soltam aves:
as aves líquidas dos teus passos,
as aves todas das vozes
submersas,

e as noites onde não soam, claras,
as palavras. é de madrugada,
que se entoam melopeias
encantatórias,

saídas de vozes espectrais de mulheres
cujos seios incendiaram noites
seduzidas pelo olhar
dos dedos.

será madrugada, de novo, quando aves
soltas pelos dedos renovarem
voos e dispersarem anseios
pela madrugada.

procura os dedos que soltam as aves,
e as vozes fundas das luzes
bruxuleantes das mulheres,

e ouve o grito que nelas se encerra.

Susana Duarte
Blog Terra de Encanto
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Masculinismo

A prova de que muitos/as entendem o feminismo como uma ameaça é a forma como tentam ridicularizar o conceito desacreditando quem o defende.

Sharkinho
@sharkinho no Twitter

Adão e Eva com bom cabedal

Gravura feita por incisão em couro com a reprodução adaptada de uma parte dos frescos da Capela Sistina, com Adão mais… contente.
Um trabalho muito entesante... sim, sim, eu disse interessante na minha colecção.










A colecção de arte erótica «a funda São» tem:
> 1.900 livros das temáticas do erotismo e da sexualidade, desde o ano de 1664 até aos nossos dias;
> 4.000 objectos diversos (quadros a óleo e acrílico, desenhos originais, gravuras, jogos, mecanismos e segredos, brinquedos, publicidade, artesanato, peças de design, selos, moedas, postais, calendários, antiguidades, estatuetas em diversos materiais e de diversas proveniências, etc.);
> muitas ideias para actividades complementares, loja e merchandising...

... procura parceiro [M/F]

Quem quiser investir neste projecto, pode contactar-me.

Visita a página da colecção no Facebook (e, já agora, também a minha página pessoal)

19 março 2018

«Propaganda de puteiro em carro de som»

Postalinho do comércio

"Gato feliz numa montra da baixinha de Coimbra"
Paulo M.


Mulheres de pêlo na venta

Esta manhã acordei com um espalhafato bairrista à minha porta. Ainda mal tinha iniciado o processo de apaziguamento do morning glory do meu pincel, que me obriga a fazer o pino todas as manhãs para conseguir acertar na sanita, quando ouço o bradar do meu nome, em exaltação total: “Anda cá, Patife! Abre a porta que temos de falar! Não julgues que te escapas assim. Eu não sou como as outras. Não aceito isto! Se não me queres mais, vais ter de me dizer isso nos olhos. Isso de pinar e zarpar é para as gajas da margem sul!”. Curiosamente nenhuma mulher da margem sul me fez um espetáculo de pé de chinelo destes à porta de casa. Mas pronto. Podia ser do fraco raciocínio matinal mas nunca percebi esta mania do dizer as coisas nos olhos. Achas que o discurso muda por ter a tua linda cara à minha frente, patetinha? Olha lá, não posso só assomar-me à janela e dizer-te para ires para casa, que não estou assim tão interessado? Eu acho que só tenho paciência para aturar estas coisas porque reconheço que quem leva com este portentoso bacamarte, secundado por um menear de ancas digno de ginasta olímpico, depois fica “ó-cio ó-cio que não consigo agora voltar para aquelas coisinhas murchas e enfadonhas”. Tento ser compreensivo porque lhes dei a conhecer um admirável fundo novo e depois têm medo de não encontrar uma pichota que lhes preencha o vazio criado pelo meu bordalo de proporções epopeicas. Daí a histeria que algumas não sabem gerir e eu tenho o cavalheirismo e acto cívico de a tentar aplacar. Por isso, mandei-a subir. Ouvia-lhe os passos a subir as escadas, trémulos, apesar de vir a treinar o discurso, que bem a ouvi entrementes. Uma vez cá em cima a ira parecia ter desaparecido. Quase que lhe encontrei um olhar terno. Mas eu cá sou sabido e sei que aquilo ainda lhe está ali à boca de cena a arder no peito. Como não queria prolongar o jogo, expliquei-lhe simplesmente que para o Patife uma vez é ocasional, duas é relacional. Ui. O que fui dizer. Aquela estouvada da crica, possessa da pachacha, pantufeira de bocarra brocheira, devassa de bardanasca lassa, ficou com os olhos raiados de sangue, vociferando que as coisas não são assim e que ela é diferente e que não permite coisas destas porque é uma mulher que se dá ao respeito e muito senhora de si. A forma como a aviei à canzana a noite passada perante uma chuva de impropérios sexuais tira-lhe alguma credibilidade. Depois acabei por finalmente conseguir abrir os olhos ainda meio-adormecidos e reparei no seu singular rosto sob a luz solar que entra alaranjada e morna pela minha sala adentro e se desmancha em cheio na sua face esquerda. E tudo se iluminou. Não me entres de manhã pela casa a dizer que és uma mulher cheia de pêlo na venta, quando na verdade o que tens é buço.

Patife
@FF_Patife no Twitter

"Podíamos estar na nisto a vida toda... digo, na morte!"

Crica para veres toda a história
Entretanto, no inferno...


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18 março 2018

«coisas que fascinam (210)» - bagaço amarelo

fotografia

A beleza física interessa, claro que sim. Não é daquela beleza que leva uma mulher a ser Miss Colômbia que falo. Mas é beleza, é corpo e é importante.
Falo da beleza que leva um homem a conhecer uma mulher através duma fotografia, mesmo que não a tenha conhecido pessoalmente nem sequer por cinco segundos. A beleza que lhe permite imaginar-lhe uma voz, um comportamento, um abraço, um beijo ou uma frase. Na verdade, permite-lhe imaginar cada segundo sobre ela.
É muito possível que ela não corresponda a nada disso. Não faz mal, porque chega para ele se apaixonar por ela. É por isso que a beleza física interessa.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

«Auto-retrato» de Helmut Newton


Ponto de marmelo



O marmelo tinha uns trinta anos mas vociferava para o comensal da frente, segurança de profissão como ele, que a honra é que é o ponto. Contava em decibéis largos que tinha sido abandonado pela mulher com quem vivia há bastantes meses e infernizava-o ela ter feito questão de lhe comunicar a coabitação com outro, logo a ele, que era como o seu paizinho que nunca traíra a sua mãe, que ele bem o sabia, embora já ela, coisa que ele nunca lhe perdoaria, se tivesse metido na cama com outro homem que não o seu paizinho, mesmo tendo ela pedido desculpa e recordado que o pai lhe batia como ele vira tantas vezes e que não o podia abandonar a ele e à irmã mas que uma mulher não era de ferro e tinha de ter alguma alegria na vida.
O casaco do uniforme militarizado estava nas costas da cadeira e ele cofiava o cabelinho de um milímetro de altura enquanto desfiava o rosário de lhe ter tocado a ele uma coisa daquelas, a ele que nunca gostara de pretos desde os tempos da escola da Damaia e que teve logo de ir meter-se com uma brasileira. Branca claro, mas brasileira que só porque encontra um gajo mais giro o deixa logo apeado, a ele um defensor da monogamia, quanto mais não seja por causa das doenças.
Levou a mão à face para conferir a pele escanhoada e virou-se ostensivamente para a minha bica lhe ler o futuro, quiçá nas borras do café e lá tive de lhe responder que o futuro só podia ser um penso higiénico, branquinho e absorvente mas tão cheio de coisas putrefactas e fétidas que o mais ecológico seria reciclá-lo.

"Dás-me ponta!"

17 março 2018

«o teu corpo» - Susana Duarte

o teu corpo
é no teu corpo
que incendeio o verbo
e colho
a tempestade
das mãos
descubro, nelas,
 o latejar
das luzes
secas 
 as palavras
e o corpo
o meu,
 na memória nua
com que te deito
 os braços
e me cubro
 e vivo.

Susana Duarte
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