Em cada poste de iluminação da Rua Vasco da Gama, era colocado um altifalante em forma de funil, donde brotavam, roufenhos, os acordes dos mais populares êxitos musicais, emitidos de uma cabina de som instalada no Centro de Recreio do Bairro.
À medida que a noite ia caindo, aquela que é a rua mais larga que rasga o casario do bairro de uma ponta à outra, enchia-se de grupos de jovens que a percorriam num sentido e no outro, em alegre algazarra de risos e dichotes.
Quando passavam perto do Centro, alguns dirigiam-se a um minusculo guichet ao lado da porta principal e pediam que fosse difundida uma determinada musica, pagando o respectivo preço de um escudo.
Era uma espécie de programa radiofónico de discos pedidos...
O aliciante do pedido consistia em que através da instalação sonora se anunciasse a transmissão, com uma dedicatória prévia, normalmente redigida de forma cifrada que só os destinatários compreendiam.
O locutor então dizia:
- E agora, com dedicatória à loirinha que está á conversa junto ao marco do correio, vamos escutar o Gianni Morandi...
A loirinha apressava-se a afastar-se do marco do correio para não ser facilmente reconhecida pelos passantes, e com o coração aos pulos, ia conjecturando para si mesma sobre quem teria sido o autor da dedicatória.
As amigas mais próximas diziam:
- Só pode ter sido o fulano. Ele anda doido por ti.
- Está bem livre, retorquia a loirinha para as amigas. Eu não gosto dele !
Um quarto de hora mais tarde, com ar desprendido e disfarçadamente, ela própria se dirigia ao tal guichet e encomendava uma transmissão, com a dedicatória:
- Para quem se lembrou de pedir o Gianni Morandi, vamos ouvir e sonhar com a bela música do Petite Fleur.
Pelo meio, outras canções em voga preenchiam a noite da Rua Vasco da Gama.
Desde Elvis Presley, Adamo, Rita Pavone, Françoise Hardy, Beatles, Chico Buarque, Aznavour, Tony de Matos...
......
E tal como hoje, alguns dos velhos mais rezinzas não perdiam a ocasião para criticar:
- No meu tempo não era nada disto. Havia respeito.
Esta juventude de hoje, em vez de estudar anda só nestas poucas vergonhas...
Rui Felício
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